Hugo Navarro Silva |
Em outros tempos houve, no interior da Bahia, o costume de forçar
a saída de pessoas de uma comunidade com blocos ou bandos a que davam o nome de
“mudança”, que reunia mascarados em tom festivo, que ao som de cocos e modinhas
atiravam à porta do não desejado, todo
tipo de lixo, latas velhas, panelas rotas e potes quebrados. Tal usança
provavelmente deu origem ao tradicional bloco carnavalesco de Salvador, “A
Mudança do Garcia”, que no começo de suas apresentações carregava pelas ruas enorme
tralha de cacarecos.
A política manteve, durante algum tempo, procedimento
semelhante mas profundamente execrável e agressivo. Não foram poucos os casos
de residências cercadas de chifres bovinos ou “pichadas” de fezes humanas. O deplorável
costume, havido dos colonizadores portugueses, porque não foi criação de índios, nem pretos escravos, felizmente desapareceu
deixando a certeza de que tudo muda.
Já existiu a crença, baseada em escritos sagrados e
defendida pela religião, de que o universo é imutável, contra a opinião de
alguns que nunca eram levados a sério ou viam-se perseguidos e punidos como
criminosos. Hoje, ninguém duvida de que
não houve criação definitiva e imutável e de que o universo está sujeito a
mutações que de forma permanente estão a moldar céus e terra em processo que
ninguém pode afirmar seja para melhor ou pior. Somos, todos, prisioneiros de
nossos pobres conhecimentos do universo, de sua criação, e da presença humana
dentro do imenso labirinto a que foi
atirada. Assim, o remédio de hoje pode
ser o veneno de amanhã e vice-versa.
Com a música, nesta cidade, não foi diferente. Faz pouco
tempo cantar em público, principalmente para a mulher, era vedado sob pena de grandes danos e maiores
suspeitas e falatórios. A música sempre esteve no espírito e nos hábitos
humanos, mas, a exibição, era para as pessoas mais corajosas. A música, o canto
só no recesso da lar. Músicos das
filarmônicas, entretanto, gozavam de prestígio. Houve alguns famosos como o
trompetista Osório, Tuta Reis, Isaac, de “Cerqueira & Irmão”, Oscar
Bombardino, que tocava na antiga Procissão dos Fogaréus, Francisco Tupinam,
tipógrafo, e os mestres Estevão Moura e Tertuliano Santos.
O aparecimento do
crooner, na Pessoa de Clarival Souza (Dudinha), na orquestra Irajá do maestro
Brito, foi uma revolução nos costumes locais, que continuaram a se modificar a
princípio com o surgimento, em bares, do que se intitulava de voz e
violão, com exageros porque acrescentamos altos falantes ao esquema para
desespero de vizinhos e clientela ainda que renitente.
Nunca deixamos, entretanto, de ter cantores populares a dar
colorido à cidade. O mais antigo de que se tem notícia, “Seu Cera”, mulato
já velho que puxava da perna, enchia as
ruas de sons cantando “Acorda Adalgisa”. Diocésio Santos, jornalista e ourives,
eterno apaixonado, que para se livrar de problemas mudou-se para Santo Antônio
de Jesus, onde contava com a proteção do “Velho Mendes”, do jornal “O Paládio”. De lá, envolvido em novas dificuldades, pediu
socorro a um diretor da “Folha do Norte” em carta datada de “Santo Antônio do
Diabo”. Gostava de cantar “Tu sabes bem guardar os dons de formosura”, de
Vicente Celestino. Houve muitos outros como o preto, gordo, vendedor de
músicas, que fazia a propaganda de seu produto cantando a plenos e fortes
pulmões.
Andou bem a Prefeitura, portanto, em trazer, para comemorar
o aniversário da Cidade, a Orquestra Sinfônica da Bahia, que apareceu,
entretanto, tímida, com repertório de músicas de filmes, temendo, certamente,
que para o nosso povo instrumento musical
aceitável é só o triangulo da
época do zabumba de Chico Papagaio, ou que aparecesse alguém da plateia para gritar: “bom
músico!” como nos velhos tempos do capadocismo.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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