MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.
ÚLTIMO CAPÍTULO
[...] No começo da nossa história
teve um personagem chamado padre Osório. Foi pároco até o ano de 1958, quando
faleceu de tuberculose. A ele, dedico este último capítulo [...]
PADRE OSÓRIO. UM HOMEM simples e humilde que comandou a
paróquia de Nossa Senhora das Dores com muita alegria. Era natural de Caruaru,
embora tivesse passado boa parte da sua vida na Arquidiocese de Salvador, na
Bahia, onde se ordenou. Tinha a mania de beber leite de cabra todos os dias, e
por causa dessa mania, havia sempre na sua porta, alguém com um balde de leite
para lhe ofertar.
Poeta
romântico escrevia poesias todos os dias, mas nunca deixava alguém ler. Diziam
até que ele devia estar escondendo um amor ou uma paixão mal resolvida nos seus
tempos de jovem. Era de estatura mediana, tinha os olhos esverdeados e os
cabelos bem pretos. Carregava no olhar um mistério que nunca ninguém desvendou.
Amante
de um bom licor, não se furtava em oferecer a quem chegava à sua casa ou de
aceitar um trago a quem lhe oferecesse.
Nunca
se embriagou.
Guloso,
como a maioria dos sacerdotes, era um glutão à mesa. Adorava ser convidado para
qualquer almoço, pois era a garantia de um bom jantar também.
Nunca
se soube de um domingo que o padre tenha feito suas refeições em casa, exceto
quando adoeceu.
Com
o passar dos anos, padre Osório foi se transformando num património da cidade.
Quase
tudo que arrecadava no ofertório da igreja, ele gastava com os pobres da
região, ou comprava presentes sempre que tinha a oportunidade de ir à Recife. Amante
de bons perfumes, não economizava para comprar grandes marcas da época.
Geralmente eram perfumes importados. Quem sabia desses hábitos desconfiava
muito qual seria a utilidade deles.
Tinha a
mania de conversar com as pessoas sempre colocando uma das mãos no ombro do
interlocutor. E quando esse interlocutor era uma mulher ele afagava os ombros
dela e isso incomodava muito alguns homens casados quando viam suas mulheres
sendo afagadas pelo padre.
Suas
missas eram sempre bem frequentadas. Tinha a mania de fazer longas homilias.
Era um orador sem par. Nunca ninguém saiu de uma missa dele criticando sua
pregação.
Dos votos
que todo sacerdote faz quando se ordena, o único que ele não cumpriu foi o da
castidade. Os votos de obediência e pobreza ele cumpriu à risca, tanto que
morreu pobre. Nunca conseguiu juntar um centavo sequer.
Mas vamos
falar da castidade.
Comentava-se
que Padre Osório era um comedor de primeira linhagem. Sempre muito discreto,
ele não pulava cerca, ele passava por baixo pra que ninguém percebesse.
Contam
que no batizado de Deoclécio, filho mais velho do coronel Salú, padre Osório
estava sentado na varanda após ministrar o sacramento, quando uma senhora,
amiga de D. Emengarda se aproximou dele e se insinuando:
-
O que um homem bonito e fogoso
como o senhor faz escondido por trás dessa batina?
O que o
padre respondeu sem pestanejar:
-
Escondo o que muitas mulheres
gostariam de descobrir...
E saiu
sorrindo, deixando aquela mulher extremamente curiosa.
Um belo
dia, o padre estava ministrando a confissão auricular e eis que essa senhora
ajoelhou-se, fez o sinal da cruz e disse:
-
Padre, dá-me a sua santa bênção
porque pequei.
-
Quais foram os seus pecados,
minha filha.
- Padre,
eu estou curiosa pra saber o que o senhor esconde dentro dessa batina.
O padre reconheceu a voz e num ato
instintivo levou aquela senhora para trás do altar, mas não sem antes dispensar
as que estavam na fila e fechar a porta da igreja.
Isso virou rotina no templo, mas tudo
era feito de forma discreta.
A mulher de seu Potó era uma beata
convicta. Gostava tanto de se confessar que fazia isso todos os dias e todos os
dias ia pagar a penitencia atrás do altar. Conta-se na cidade que o filho que
ela teve era do padre e não do Seu Potó, dono da padaria. Na verdade, o rapaz
era a cara do padre Osório.
A fama do padre comedor se espalhou.
Mulher não gosta muito de guardar segredo e logo quase todas as mulheres da
cidade sabiam da fama de que o padre era bom de trepada. Era uma rapidinha,
mas tinha o efeito de uma noitada.
Mas, infelizmente o padre adoeceu. Contraiu uma tuberculose que só veio ser descoberta, quando o padre já estava mal.
Foi um pânico entre as mulheres da cidade e ninguém entendia o porquê de cada mulher estar procurando tratamento para a doença do padre.
Até as
não católicas estavam procurando se tratar, pois o padre havia penetrado em
outras religiões.
No dia
17 de julho de 1958, às onze horas da manhã, padre Osório faleceu. Estava
magro, pálido e escarrava muito sangue.
Seu
sepultamento se deu no dia seguinte. Por infelicidade, não houve missa de corpo
presente, pois não havia na cidade um celebrante.
O corpo foi velado dentro da igreja Matriz, e para que seu sepultamento ocorresse dentro da normalidade, alguns comerciantes tiveram que pedir ajuda para os moradores e comprar um caixão para o padre. Ele não deixou absolutamente nada de bens materiais. Deixou uma lição de vida, a esperança de dias melhores, algumas mulheres com saudades, alguns homens desconfiados e uma certeza muita grande de que vários cornos nasceram naquela cidade.
Fica a nossa homenagem a quem iniciou tudo, e quando
vocês forem visitar a cidade de Nossa Senhora das Dores, não deixem de ir ver o
túmulo do padre Osório.
Até hoje, muita mulher fogosa vai em busca de um consolo e muito corno vai pra sentir raiva.
FIM
Esta série "POLÍTICA DE ANTÃO", é parte do livro ERA UMA VEZ NO NORDESTE.
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