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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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terça-feira, 6 de setembro de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XXV

POLÍTICA DE ANTÃO - XXIV

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

PENÚLTIMO CAPÍTULO
 

   [...] Sinto-me triste ao ter que acabar de escrever este livro. Confesso que quando digitei “Penúltimo Capítulo” me senti emocionado, com a sensação de perda. Algo indescritível [...]

    É COMO SE FOSSE uma prestação de contas. Finalizar um livro é mais difícil do que começar a escrevê-lo. Fica a impressão de que faltou alguma coisa, ou que você se esqueceu de prestar conta de um fato qualquer e que o leitor vai te cobrar mais tarde.

Então, resolvi prestar conta dos meus personagens, para que não fique uma lacuna ou um vazio na história.

    Coronel Salustiano

    Após terminar o seu mandato de prefeito tampão, saiu da prefeitura de Nossa Senhora das Dores sem muita popularidade. Acredito que isso tenha acontecido com a maioria dos prefeitos nomeados, que entraram para substituir os que foram depostos, mas foram eleitos pelo povo.

    Recolheu-se à fazenda, foi cuidar do seu gado e dos seus bodes e assim envelheceu.

    Nunca soube que Tibúrcio era viado, só não entendia o porquê de ele ter ido morar fora do país.    Acreditava que por influência de Rodolpho (com ph de pharmácia), que estava morando na Inglaterra e por serem muito amigos, Tibúrcio confiou em ficar fora de casa.

    O coronel adorava suas duas netas, filhas de Deoclécio e Rosa Maria.

    Nunca mais o coronel Salú pensou em política e de vez em quando, tinha pesadelos ouvindo o tiro que matou o delegado torturado.

    Morreu em 2003, aos 83 anos de idade. Seu velório foi concorrido. Apenas a juventude cibernética de hoje não entendia porque tinha tanta gente velha no enterro de um velhinho que morava numa fazenda.

    Dona Emengarda

    Sempre cuidando da casa e das coisas do coronel. Mesmo com a morte do marido, D. Emengarda continua com os mesmos rituais domésticos. Uma questão de hábito.

    Não perde uma missa aos domingos e todos os dias às seis ho¬ras da tarde, reza um terço naquelas cadeirinhas de ajoelhar, man¬dada fazer em Parnamirim.

    Sua maior alegria é quando suas netas chegam para visitá-la. Anda com dificuldade e raramente sai para visitar alguém, que ainda conhece. Acha interessante como as gerações são substituí¬das e os mais velhos vão aos poucos sendo esquecidos.

    Morre de medo da solidão, muito embora passe a maior parte do tempo que lhe resta, sozinha.

    Deoclécio

    Casado com Rosa Maria desde quando foi flagrado dando um beijo nela. Perdeu boa parte da sua juventude. Teve que encarar a família constituída e as duas filhas que nasceram trazendo alegria para todos.

    Hoje, é gerente da Pharmácia de Seu Florentino, depois da saída de Rodolpho (com ph de pharmácia).

    Sua vida é uma rotina sem graça, como a da maioria das pessoas.

    Acorda às seis da manhã, vai ao banheiro, esquenta um cafezinho pra temperar a boca pro cigarro, trata dos passarinhos; não sei por que as pessoas se divertem com a prisão dos pássaros. Assopra as cascas de alpiste comido, depois o repõe, troca a água dos passarinhos, raspa o coco com uma faquinha e torna a pendurar a gaiola num prego da parede que sempre ameaça soltar. Acredito que tenha alguma relação entre a prisão do pássaro e a prisão do homem na sua rotina. A diferença deve estar na quantidade de alpiste.

    Retorna ao quarto, veste-se para o trabalho, sempre reclamando das calças apertadas na cintura, dá um beijo na esposa que ainda dorme e sai pra cumprir mais um dia igual ao de ontem e semelhante ao de amanhã.

    Nos finais de semana, se tem corrida de fórmula 1 as 9:00 horas, assiste ao final do Globo Rural só pra não perder a largada. Depois a corrida fica naquela mesmice, ele dorme e quando acorda, fica perguntado quem ganhou.

    E assim é a vida de Deoclécio. Talvez ele tenha sonhado com algo diferente. Mas a sua realidade não foge muito da realidade dos outros.

    A única diferença é que ele é o Deoclécio das Virgens dos Santos.

    Tibúrcio

    Foi viver com o seu grande amor, o filho do farmacêutico Florentino, Rodolpho (com ph de pharmácia), em Londres. Depois que soube que Rodolpho fora viver em Londres, Tibúrcio não mais conseguiu ficar em Nossa Senhora das Dores. Ele foi embora, se encontrou com Rodolpho e alugaram um pequeno apartamento. Tibúrcio foi ser garçom em um restaurante bem no centro de Londres enquanto Rodolpho foi trabalhar numa editora de revistas pornográficas. O mais importante é que estava no centro nervoso da capital que ditava a moda e o comportamento dos jovens nos anos 60 e a forte influência dos Beatles fazia com que tudo que saísse da Inglaterra era bem vindo no mundo. Assim, Tibúrcio se realizou como ser humano. Seria muito difícil pra ele, ser aceito na sua cidade natal. Nunca mais ele voltou ao Brasil e hoje, com quase 62 anos de idade, curte o avanço da humanidade, mas sem se comprometer com preconceitos ou julgamentos.

    Encara a felicidade como sendo a renúncia de tudo em favor de si próprio.

    Esmeraldina

Nuca se sentiu feliz, pois enxergava o seu reflexo no espelho e percebia que não era bonita. Aliás, desde pequena, sempre enxergou sua feiúra. Sabia que seria difícil encontrar um pretendente.

    Em 1973, mudou-se para São Paulo. Trabalhou muitos anos no Ministério do Trabalho, concursada que era e lá se aposentou. Mora na zona leste da cidade, sozinha e cria uma cadelinha, hoje sua companheira.

    Tem poucos amigos e a maior parte do tempo ela reserva para os passeios e excursões da terceira idade.

    Como nunca teve filhos, se contenta a presentear dois afilhados que tem. Um é filho de uma ex-colega de repartição e a outra é a filha de uma empregada que teve há muitos anos, assim que chegou a São Paulo.

    Vez por outra ela viaja para a sua cidade com a finalidade de ver D. Emengarda, mas sempre sua estadia é muito curta. Não se adapta mais na cidade pequena. Criou o seu mundo de fantasia enclausurada num apartamento de quarto e sala, onde a sua companhia é a televisão e um vibrador em aço inox comprado de segunda mão, mas que funciona muito bem.

    Victória Régia

    Hoje com mais de 70 anos, ainda é a serviçal da casa. É quem cuida de D. Emengarda. Prepara todos os dias o café da manhã, mas só utiliza agora a cozinha de dentro, aquela com o fogão a gás. Atualmente, ela se acostumou a usar panela de pressão e até um forno de micro-ondas, que no início deu um trabalho danado.

    Havia na fazenda uma cadelinha que tinha parido um único filhote. Certo dia, Victória pegou o filhote e deu um banho com direito a sabão e perfume. Só que antes de colocar o perfume, como o cachorrinho era muito peludo, Victória Régia resolveu secar o cãozinho da forma mais rápida. Pegou o animal, colocou-o no forno de micro-ondas e ligou o aparelho. Com menos de dois minutos o cão explodiu dentro do forno e foi um Deus nos acuda. Tiveram que mandar o aparelho pra cidade para ser feito uma limpeza bem feita e depois retornar pra sua cozinha como se nada tivesse acontecido.

    Hoje, Victória vive do passado; as lembranças dos bons tempos que vivera naquele casarão. Os meninos cresceram e cada um tomou um rumo na vida e ela continuou sendo a Victória Régia, que já sonhou, já amou, já foi amada, já teve esperanças, sorriu muito, chorou outros tantos, e agora vive a espera não sabe de que, mas espera.

Espera.

    Seu Roberto

    Foi a pessoa que passou por esta vida e não deixou rastro nem sombra.

    Foi igual a um pé de mandacaru, não dá sombra e nem serve de encosto. Serviu apenas para executar ordens do coronel e manter o terreiro da fazenda limpo.
    Cuidou do jardim, mas nunca plantou uma árvore. Não sabia ler e nem escrever, mas viveu intensamente aquilo que se dedicou a cumprir.

    Era o único a ouvir diariamente seu rádio de cabeceira, mas nunca conseguiu assimilar nada do que falava ou tocava no rádio. Não sabia uma letra de música sequer, e toda vez que ensaiava cantar alguma coisa, ou errava a letra ou saía do ritmo. Aquele rádio era apenas uma companhia que escondia um medo terrível da vida.

    Medo que só os ignorantes percebem.

    Os dementes ignoram.

    Os insanos enfrentam.

    E os racionais se matam.

    Medo.

    Apenas ele.

    Putaquepariu

    Dizem que todo cão se comporta de acordo com o dono. Com putaquepariu não foi diferente. Viveu 12 longos anos. Sempre foi bem tratado por todos.

    Cometeu algumas travessuras como todo e qualquer cão doméstico comete. Comeu algumas galinhas, matou outras tantas, deu carreira em porcos, levou chifrada de alguns bodes e cabras.

    Tentou copular com uma cabra que estava no cio e levou um tremendo coice, quase morreu nesse dia.

    Roubou carne crua de cima da pia e tomou carreira. Fez xixi no pé da mesa da sala, roeu o tapete.

    Adotou a melhor almofada para ser sua cama, e ai daquele que a pegasse.

J    á bebeu água de chuva, teve pulgas aos montes. Carrapato na orelha nem se fala.

    Vomitou no sofá e em cima da cama do coronel.

    Agarrou-se fazendo ousadia nas pernas de Victória.

    Trouxe um osso com cheiro de carniça pra dentro de casa que empestou tudo com aquele cheiro.

    Escondeu uma galinha morta debaixo da cama de Esmeraldina.

    Corria latindo toda vez que o coronel entrava na fazenda com o seu Jeep, e fazia xixi no pneu.

    Nas noites de São João, morria de medo de bomba. Putaquepariu sumia no mato e só voltava no dia seguinte.

    Mas se alguém adoecia na casa, ele estava sempre ao lado como um fiel escudeiro. Sua fidelidade era indiscutível. Era o amigo pra todas as horas.

    Envelheceu como tudo neste mundo, e um dia, com o olhar distante, ofegante e doente, ele percorreu todos os cantos da casa, como que se despedindo de um por um, deitou na sua almofada e morreu.

    Morreu sem esboçar qualquer gemido.

    Morreu no silêncio.

    O silêncio da morte.

    Recordações.


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