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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A INTRUSA

EDUARDO KRUSCHEWKY  

Tudo começou numa noite em que acordou assustado, sentindo a sensação de cócegas no peito. Levantou-se, foi à cozinha, abriu a torneira do filtro, encheu o copo com água, bebendo em seguida. Pareceu-lhe que dezenas de pezinhos ou patinhas percorriam, velozmente, seu corpo como que fugindo da água. O fato estranho deixou-o nervoso, impaciente.  Com muita agilidade, parecia que um ser afobado, vivo, nitidamente caminhasse pelo seu corpo, indo do coração ao fígado, do estomago para a garganta. Era um desconforto que não sabia descrever... Nervoso, passou a tossir, mas a sensação continuava:  um bichinho em fuga por dentro do seu corpo, dando-lhe comichões.  Sem poder coçar, já que aquilo acontecia internamente, passou a esmurrar o peito, sem resultado...

Vendo que não resolvia o problema, sentou-se num banquinho junto à mesa da cozinha, numa irrequieta quietude. Daí a pouco, sentiu que a movimentação parara e, cansado, dormiu ali mesmo, a cabeça reclinada entre os braços em cima da mesa, com receio de que o corpo estranho se assustasse e entrasse em movimento...

No outro dia, bem cedinho, fez a primeira visita ao médico:

- Doutor, tem um bicho dentro de mim fazendo o maior carnaval. Pelo amor de Deus, isso tá me dando uma terrível agonia! Dá um jeito, doutor, de tirar a coisa de dentro de mim. Já não aguento mais...

O médico, surpreso com o inusitado, colocou o estetoscópio nos ouvidos e passou-o por todo o corpo do angustiado cliente, tentando ouvir algo de anormal, tudo aparentemente   normal. Com um sorriso meio maroto nos lábios, sem levar a coisa muito a sério, disse ao paciente que aquilo era uma autossugestão ou, na pior das hipóteses, uma distensão natural de músculos num momento de repouso. O homem, meio sem se convencer, aceitou a ponderação do médico e, sentindo a necessidade de acreditar, tentou esquecer o episódio, aquilo não era nada de grave, onde já se viu alguma coisa caminhar acima e abaixo no corpo de alguém?

À noite, tentava dormir quando percebeu, com clareza, que algo com muitas patas andava dentro de si! Com os pés descalços, levantou da cama e passou a andar pela casa, impaciente. De repente, deu um espirro e, de imediato, de dentro de si, garganta acima, chegou às suas narinas um cheiro forte de... barata! Teve, então, a certeza de que uma nojenta e miserável de uma barata habitava nele! O pior era que a desgraçada se movimentava com desenvoltura, cada vez mais íntima do seu corpo: passava por trás dos olhos, por cima do fígado, provocando cócegas. Fizera do seu estômago uma piscina onde mergulhava à vontade, sem cerimônia e, naturalmente, sem pedir licença...

Ficaram cada vez mais frequentes, as consultas. Sem saber mais que exame fazer para detectar o que incomodava tanto o paciente, o médico já o recebia de má vontade. Radiografias, ultrassonografias, tomografias  foram feitas sem resultado prático. Com certeza, aquele era um nosomaníaco, via doenças onde elas não estavam.

O homem, por sua vez, de tanto falar da sua hóspede ganhou o apelido de “Baratão” e ouvia, com frequência, piadinhas tipo “Cara, te acho o maior barato!”. Por causa do seu problema, ninguém mais o levava a sério. Até mesmo dentro de casa quando, na madrugada, levantava várias vezes tentando minimizar o incômodo, ouvia a mulher pigarrear, impaciente e dizer:

“-Vê se você tem paz e dá paz aos outros, homem...  Como se não bastassem seus roncos e suas fraudulências, você ainda inventa esta merda desta barata, acendendo a luz toda hora... Que inferno!” - e ficava revirando-se na cama, irritada, sem conseguir dormir. Ninguém acreditava nele e, lá dentro, o inseto, cada vez mais ambientado, movia-se rapidamente.

Uma tarde, caminhava no centro da cidade, quando, esbaforido, resolveu atravessar a rua, sem usar faixa de segurança ou aguardar o sinal fechar. No meio da travessia, sentiu algo parecendo morder, gulosamente, seu coração. Assustado, parou de andar e levou a mão ao peito. Perdeu o equilíbrio e caiu no meio do asfalto, sendo atropelado por um carro dirigido por alguém que tinha pressa. Teve morte instantânea...

No velório, realizado numa das salas de uma funerária, todos comentavam sobre a causa da morte, o aparente problema psicológico que acometera o defunto. À noite, paulatinamente, os grupos se formavam em torno dos bules de cafezinhos, as madames reunidas, sentadas nos bancos do lado de fora da sala, “tricotando” a vida alheia, ficando o defunto sozinho.

Na solidão da noite, o inseto, estranhando a esquecida inatividade do corpo que habitava, instintivamente sentiu que algo de errado acontecia.  Resolveu explorar  o mundo exterior, emergindo do seu habitat. Aflorou pelo nariz do morto e foi explorar o ambiente. Viu uma única pessoa na sala do esquife. Era uma serviçal da funerária. A moça, de imediato, percebeu o pequeno inseto andando por cima das flores que ornavam o peito do cadáver. Largou a bandeja, pegou a sandália, mas a barata foi mais rápida: saiu voando para o velório vizinho, escapando da agressão.

Ao penetrar no cômodo, o bichinho viu uma velha, rosto virado para cima, a boca escancarada, roncando alto, num canto da sala onde estava um esquife. Espavorida, em fuga, a barata procurou proteção na boca enrugada, momentos antes da serviçal chegar ao ambiente e encontrar uma velha que tossia muito, tentando escarrar, a mão na garganta. Sem desconfiar do destino do bichinho, deixando de lado a perseguição, a mulher socorreu a anciã que alegava ter engasgada com a própria saliva. Após acalmar a mulher, foi buscar água para que esta tomasse e, ato contínuo, após uma rápida busca no ambiente, saiu à procura do inseto. A velha ficou sozinha, pigarreando e sentindo cócegas no peito. Bêbada de sono, porém, voltou a dormitar um sono intranquilo.

Lá dentro do velho corpo, o inseto que sempre abandonava a moradia quando sentia falta de agitação e sons, sentiu-se em segurança. Embora estranhando os movimentos mais lentos de agora, à vontade e levantando uma das múltiplas patas, cofiou as antenas. Daí a pouco, já ambientada com os novos sons e pulsações, resolveu entrar em movimento. De maneira sorrateira e desconfiada, começou a movimentava-se com alguma desenvoltura. Cada vez mais íntima do novo corpo, era hora de explorar o novo habitat...


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