AÇUCAR NA TRANSAMAZÔNICA
No lugar em que as atividades das agrovilas fracassaram por vários
fatores: dificuldades de mercado, transporte, resolveram migrar para a
atividade açucareira com a implantação de um mega projeto açucareiro.
Em 1974 começou a funcionar a usina de açúcar Abraham Lincoln, construída
no quilômetro 92 da rodovia Transamazônica, que se localizava então no
município de Altamira, no Pará (hoje, em Medicilândia). A usina foi levantada
em tempo recorde, de 12 meses, pela empresa paulista Zanini S/A e custou 45
milhões de cruzeiros da época. Foi inaugurada pelo então ministro da
agricultura, Alysson Paulinelli.
Sua capacidade de produção, de 500 mil sacas de açúcar e 3,5 milhões de
litros de álcool, deveria ser atingida plenamente em três ou quatro anos.
Garantiria um terço de todo o abastecimento da Amazônia, que necessitava de 1,5
milhão de sacas/ano, importadas principalmente do Nordeste.
A usina, ocupando área de 9.750 metros quadrados, empregaria diretamente
120 pessoas e, indiretamente, outras 1.2000, envolvidas na produção de cana de
açúcar em uma área de cinco mil hectares. Nela, com incentivo do Incra, fora
obtido um excelente índice de produtividade: 100 toneladas por hectare.
Usina de açúcar de 1994
implantada pelo Incra virou ruína em Medicilândia.
Medicilândia (PA) — O real vai dar certo? “Só
acredito vendo”, disse, aos 15 anos, Eurélio Alves, que plantava cana na Vila
Pacal. Sua família e as de tantos outros agricultores tinham, em julho de 1994,
quando a moeda foi lançada, bons motivos para desconfiança depois de terem
acreditado tanto em projetos ambiciosos do governo durante o regime militar.
Depois de inaugurada a Transamazônica, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) implantou uma usina de açúcar em área derrubada da floresta e dividiu lotes à sua volta para que os colonos plantassem cana. O local escolhido foi dos mais simbólicos: um distrito da nova cidade de Medicilândia, criada a 90 km de Altamira, principal município da região, com nome que homenageia Emílio Garrastazu Médici, o general-presidente responsável pela estrada que rasga a mata.
A inauguração da usina, em 1974, já trouxe um prenúncio das dificuldades. Não era possível produzir açúcar em quantidade e qualidade suficiente. A solução foi trazer sacos de Pernambuco para compor as imagens.
Com o tempo, a usina deslanchou. Em 1979, chegou a produzir 300 mil toneladas. Depois, porém, o teor de sacarose da cana foi caindo gradativamente. Recuperar o desempenho exigiria investimentos maciços em melhoramento genético das plantas e em fertilizantes, algo que o Incra estava cada vez menos disposto a bancar. O empreendimento chegou a ser privatizado, mas o comprador, um grupo de São Paulo, não pagou as prestações e o negócio voltou ao Estado.
Esperança
Em 1995, era tocada por uma cooperativa. “Com moeda forte, a usina pode voltar a crescer”, dizia, confiante, o chefe da moenda, Francisco Amorim da Silva, funcionário da Abraão Lincoln desde a inauguração. Hoje, ele vive com a família em uma casa da Vila Pacal, que pertence ao Incra, e se sustenta com a aposentadoria rural. Mora ao lado do que era a agência do Banco do Brasil, onde chegaram as primeiras cédulas de real da cidade: um lote de R$ 70 mil deixado por uma Kombi com escolta do Exército.
A usina parou de funcionar em 2000. O prédio que era do BB na Vila Pacal transformou-se em ruína: apenas paredes, sem portas ou janelas. A agência do banco está no centro de Medicilândia. Trabalha nela como vigia Fábio, filho de Francisco, que, à época da implantação do Real, tinha 13 anos e já era funcionário da usina. Francisco não tem mais esperanças na retomada das atividades da Abraão Lincoln. Tampouco lhe sobrou algo do otimismo que tinha duas décadas atrás na estabilidade econômica. “Hoje, você pega uma nota de R$ 100 e nem tem dificuldade de trocar. Ficou tudo muito caro. Tinham que baratear as coisas”, afirma.
Ex-cético
É o ex-cético Eurélio quem sorri atualmente, mas sem esbanjar otimismo. Tornou-se vigia dos escombros da usina, o que lhe garante R$ 1,3 mil por mês. Morando de graça em uma casa que pertence ao Incra com a mulher e duas filhas, tem tevê, máquina de lavar e uma moto. Não depende só do salário: cultiva 3 mil pés de cacau em um lote do Incra, o que rende quase uma tonelada do produto nos melhores meses. “Minha vida melhorou”, atesta.
A usina transformou-se em algo irrecuperável, com maquinário que só poderá ser vendido por 20 centavos o quilo, como sucata. Resolver o problema e regularizar a situação dos agricultores com a venda de lotes poderia proporcionar ao erário R$ 20 milhões, na avaliação de técnicos do Incra em Brasília. Mas não é simples mexer com esse vespeiro. A usina segue encostada, consumindo R$ 10 mil mensais em vigilância.
Mesmo sem cana, Medicilândia segue cada vez mais próspera graças ao cacau. A qualidade é reconhecida, sobretudo pela dificuldade dos produtores da Bahia de retomarem o patamar de colheita anterior aos anos 1960, quando começou a infestação da vassoura de bruxa. A multinacional Nestlé e outras grandes empresas recorrem a Medicilândia para abastecer suas fábricas. Como o cacau precisa de sombra, a floresta tem se recuperado na região, atestam imagens de satélite. Na área que cultiva, Eurélio plantou também pés de ipê e mogno. É a floresta corrigindo, em parte, os fracassos da civilização (nota do Blog Santanópolis),
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