Símbolos do Santanópolis

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

terça-feira, 24 de setembro de 2019

NO ESCURINHO DO CINEMA

Jean Parente
Santanopolitano
           O foco da lanterna me ofuscou mais uma vez, tirando toda a minha privacidade. Era terrível aquilo, a gente não podia beijar a namorada que o lanterninha logo interrompia com aquela enorme e inconveniente luz em nossos rostos, revelando para todos o que estávamos fazendo, e ainda reclamava dos papéis dos drops de hortelã, que sem querer deixávamos cair pelo chão, os quais sempre usávamos para o sabor do beijo ficar mais gostoso.
          Ele devia ter consciência, e perceber que era um filme de amor que estava sendo exibido, e que estimulava os casais de namorados a se beijarem e se abraçarem. Simples assim. Era algo inevitável, pois a gente se envolvia com as cenas românticas, e aproveitava para trocar uns beijos e declarações durante quase toda a apresentação, muitas vezes se beijando com um olho aberto para acompanhar o filme, e o outro fechado para sentir melhor o beijo. Era gostoso e interessante, e muitas vezes demorávamos tanto beijando, que adormecíamos na boca do outro, sendo despertados pelo inconveniente lanterninha, que até nos ameaçava de botar para fora, caso insistíssemos no ato. 
          Sabíamos que ele recebia ordens da direção para orientar as pessoas que chegavam atrasadas e não conseguiam enxergar o lugar para se sentar, já que não tinha nenhuma sinalização, e também, para fiscalizar os comportamentos, mas a gente reclamava assim mesmo. Tinha gente que até ameaçava de pegar ele fora do cinema, quando este interrompia uns beijos e umas apalpadas mais ousadas, principalmente quando o clima romântico do filme esquentava. Era muito divertido. Os presentes assobiavam escandalosamente, e, quando um casal se retirava antes do filme terminar, sempre tinha um espertinho gritando ousadamente: já vai, heim? Aí todos riam, e algumas vezes acendiam as luzes, interrompendo o filme, até que a ordem se restabelecesse, pois tinha também os mais exaltados que proporcionavam uma chuva de pipocas e de bolinhas de papel, fazendo até com que o porteiro viesse ajudar na retirada dos bagunceiros que eram muitos, principalmente quando ficavam juntos assediando de forma ridícula as meninas que passavam, dizendo que elas eram a mosca que pousaram na sopa deles, ou que eram a broxinha dos seus tamancos. Eram patéticos e engraçados ao mesmo tempo. E, também, os quais não poderia esquecer, dos desequilibrados, que eram aqueles que perdiam o controle das emoções, e, numa cena mais forte ou marcante do filme, quando o mocinho estava apanhando do vilão, gritavam, ofendiam os personagens com palavrões, e, incrivelmente, juravam até de morte, numa séria e nervosa discussão com eles, provocando risos da platéia.
          Mas, apesar de tudo, ainda era um lugar que a gente podia namorar quase escondido dos pais e dos irmãos da namorada. Os cinemas sempre andavam cheios, principalmente quando o filme era bom, levando semanas para mudar, fazendo até com que assistíssemos o mesmo filme várias vezes por falta de opção, incentivando muitas vezes alguns perturbados que já tinham assistido antes, a ficarem contando as cenas que ainda nem tinham sido exibidas, criando a maior confusão. Para o cinema, enquanto tivessem filas o filme estaria sendo exibido. Era lucro garantido. As vezes a fila para entrar dobrava o quarteirão, e tínhamos que tomar sol e chuva, pacientemente, já que eles ficavam no Centro da cidade. Lembro-me, que filmes como Os Trapalhões, ET, O Extraterrestre, alguns da Xuxa, e, incrivelmente, uns de artes marciais com Bruce Lee e outros, ou coisa parecida, duravam dias, semanas e até meses sendo exibidos, onde ainda a gente tinha que suportar alguns exaltados trocando tapas, socos e chutes na saída do cinema, imitando os lutadores dos filmes. Era impressionante. Tinha alguns, que dava umas voadoras, que era uns saltos com os dois pés em cima da pessoas, que se quebravam todo no chão, e depois saíam correndo feito uns doidos pelas ruas, chutando latas e quebrando os cercados de madeira que protegiam as árvores recém plantadas. Nunca tinha visto coisa igual.Tinha também os que se vestiam igualzinho aos personagens dos filmes achando que eram eles, que de vez em quando o pessoal dava uns corretivos para voltarem ao normal, como no filme Matrix, em um período mais recente, em que os produtores tiveram que criar mais umas duas séries para atender os fãs endiabrados, vestidos com uma túnica preta e usando óculos escuros mesmo dentro do cinema. E, nunca vi tanta gente usando brilhantina nos cabelos, que era um creme brilhoso e que baixava o volume dos mesmos, na exibição do filme Grease- Nos Tempos da Brilhantina, no final dos anos 70, com os atores John Travolta e Olivia Newton-John, e também uma jaqueta de couro igualzinho dos atores, mesmo com um calor de mais de trinta graus. E o pior, é que na época, os cinemas não tinham ar condicionado, utilizando vários ventiladores, que faziam com que algumas mulheres evitassem de passar por perto a fim de não desarrumar os cabelos. Já vi casos de mulheres chorando e desistindo de assistirem o filme, por causa dos cabelos que subiram e não baixaram por causa dos fortes ventos provocados pelos ventiladores, que saíam brigando com os namorados e não voltaram mais, tamanha era a confusão.
          Se divertir no cinema era assim, a gente acompanhava as cenas dos filmes e também os da platéia, que de vez em quando ouvíamos os gritos e os tapas de algum namorado infiel, pego em flagrante nos beijos e abraços com a outra, correndo os três pelo corredor de saída sob  aplausos, assobios e vaias dos presentes. Era um verdadeiro filme de ação, aventura e tragédia.
          Mas, tragédia e sacrifício maior, era o desconforto das poltronas, que em alguns cinemas eram de madeira, deixando os frequentadores descadeirados. Tinha gente que, quando terminava o filme, saía capengando de tanta dor, que só voltava ao normal depois de uns dois quarteirões andando de volta para casa. Ainda assim, ninguém reclamava, e todos se divertiam. Não tínhamos tanta tecnologia provocando impressionantes efeitos especiais, mas colocávamos os nossos sentimentos e a nossa imaginação em situações inimagináveis, que bastava uma simples expressão dos atores para nos levar às lágrimas e as emoções, que faziam até alguns se declararem para as suas amadas, aproveitando o momento romântico proporcionado pelo filme. Era a oportunidade de uma declaração para aqueles que tinham dificuldades de se declarar pela falta de coragem ou de inspiração, fazendo com que muitos pedidos de noivados e até de casamentos fossem feitos durante filmes romanticamente marcantes.
          Assim, no escurinho do cinema, a gente encontrava mais do que uma forma de entretenimento. Era lá, como dizem os especialistas, que infuenciava a vida das pessoas, despertando novas sensações, adquirindo novos conhecimentos e o acesso a diferentes tipos de tradições, mudando até a forma dos indivíduos falarem e de se comportarem, levando-os ao maravilhoso mundo do cinema, onde, em sua magia, proporcionava momentos emocionantes de aventura, de ação, de amor e de paixão, como o primeiro beijo, levando todos à loucura da imaginação, e, mexendo com as pessoas que sempre estavam esperando um próximo filme   para seguirem os seus caminhos, mesmo que fossem apenas em seus próprios sonhos.

          
         

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Filme do Santanopolis dos anos 60