Dizia o velho mas sempre respeitado Ruy Barbosa, que as
contradições que vão do erro para a verdade e do mal para o bem não são
contradições, mas reformas. Contradições, entretanto, para o bem e para o mal,
são próprias da natureza humana. Há até quem
defenda a contradição como direito. Outro escreveu que alimentando o medo de
ter medo tornou-se medroso. E autor teatral, perguntado sobre a performance de
festejada atriz, famosa pela beleza e
mãos pequeninas, respondeu que por menores que sejam as mãos de mulher, mais dinheiro
podem caber.
Tão ligadas estão as contradições aos atos humanos que até
os ditos populares, filtrados em anos e anos de sabedoria do povo, podem ser
contraditados, a exemplo da afirmação de que “Deus ajuda a quem cedo madruga”,
baseada em história de sujeito que madrugou e achou saco de dinheiro, ao que
imediatamente replicaram dizendo: mas, quem
perdeu o saco, acordou antes. Na poesia
popular nordestina contradição aparece
como nos versos de Bernardo Cintra,
cantador de Campina Grande: “Um
homem houve no mundo/ Que sem ter culpa morreu/ Nasceu primeiro que o pai./ Sua
mãe nunca nasceu,/ Sua avó esteve virgem/ Até que o neto morreu”. O homem, segundo o pesquisador Leonardo Motta
em “Violeiros do Norte”, é o Abel das
Escrituras. A avó é a terra, de que Adão foi feito. Leonardo registra, ainda,
estes versos de “ligeira” (uma forma de desafio entre cantadores) de Severino
Perigo: “Já calcei uma botina/ C’os dedo p’r’o calcanhar”. E registra pendência recolhida pelo cantador
Luiz da Costa Pinheiro ocorrida em viagem ferroviária entre católico e protestante, em que o
seguidor de Lutero diz: “Não pode ser santo o
pau/ Em que Cristo padeceu/ Isto é mentira de padre/ Ou do burro que a
escreveu.../ A cruz não pode ser santa;/ Santo é quem nela morreu”. O pesquisador da poesia nordestina recolheu,
também, versos de “Cancão de Fogo” em poder do poeta Serrador, entre os quais
os seguintes: “Pai e mãe é muito bom,/ Barriga cheia é melhor.../ A doença é
coisa ruim/ Porém a morte é pior.../ O poder de Deus é grande,/ Porém o
mato é maior”. Em caso de crime “Deus é grande e o mato é
maior”, Desembargador aposentado, velho professor de Direito Processual Penal
da Faculdade de Direito da UFBa andou
repetindo, em aula, naturalmente por brincadeira, durante muito tempo. E ainda
há a história de conhecido dramaturgo inglês que subiu ao palco fumando após a apresentação de
peça, e declarou saber que fumar ali era
ato reprovável. No entanto, mais
reprovável seria condená-lo por estar fumando.
As contradições, nem sempre se restringem aos humanos.
Invadem o divino segundo alguns que andam a apontar centenas, às vezes milhares
de contradições na Bíblia, o que muito mais a aproxima dos homens do que da
divindade.
Contradições são próprias do homem, como o riso, e podem ser
motivo de espanto e objeto de brincadeiras e troça de poetas. Não há como
admitir, entretanto, as contradições dos governos, principalmente se repetidas.
É principio largamente aceito que duas proposições ou duas condutas, mutuamente
contraditórias, não podem ser verdadeiras. Quando o Brasil retomou terras
invadidas pelo Paraguai, no Mato Grosso, agiu coerentemente. O que está acontecendo,
agora, quando a Rússia retoma o controle da península da Criméia, que em outros
e longos tempos esteve sob seu domínio, provoca reações inócuas porque todo mundo
sabe que não há, no fato, lesão a direito. Mas estão atingindo os limites do
ridículo as operações de forças brasileiras para repetidas retomadas de partes
do território nacional em poder não de potência estrangeiras, mas de quadrilhas
de bandidos, quando tudo é uma questão de segurança e de polícia. A quem
pertencem, afinal, os morros e subúrbios cariocas?
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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