Hugo Navarro Silva |
O cartão de visita já foi
quase obrigatório instrumento com o qual se apresentavam pessoas
importantes e vigaristas de grande porte. Dizem que inventado na China. Mas,
nos dias correntes, só falta quem jure que o natural processo de fabricação de
crianças também é invenção chinesa.
A principal serventia do cartão é a de dizer quem é o seu
portador. De uso no relacionamento social, inicialmente, com o tempo ganhou o campo dos negócios e
transformou-se em verdadeiro instrumento de propaganda de empresas, produtos e
profissionais. Advogados passaram a colocar, nos seus cartões, além de
identificação, endereço e outras
especificações, balança dourada, copiada de célebres estátuas, símbolos da justiça,
que na sua origem grega tem os olhos abertos, mas, recentemente, aparece de
olhos vendados, como em várias outras representações artísticas, como se
justiça, que nada vê, distribuindo pauladas para todo lado, às cegas, pudesse
ser remédio para este mundo cheio de complicações.
Os cartões, no início, eram feitos manualmente com enfeites
e arabescos proporcionais à bolsa de quem os encomendava. Até cartas de baralho
serviram, durante algum tempo, para os serviços a que se destinavam os cartões.
O interessado nelas escrevia o que julgava necessário, como identificação,
endereço, recados e pedidos.
O grande incentivador
dos cartões foi o alemão Gutenberg, inventor da prensa, tipos móveis e demais
artefatos da impressão, o que certamente barateou os cartões e favoreceu a sua produção
em grandes quantidades, tornando-os accessíveis a quase todo mundo.
Quando o comércio descobriu o potencial dos cartões como
veículo de publicidade, transformou-os em pequenos cartazes não só com as virtudes
de firmas e produtos diversos, como as
dos próprios portadores, apontados ou
como miraculosos videntes, prontos a
dizer do presente, passado e futuro,
ou vendedores de produtos sem rival na praça.
Já houve casos dignos de entrar na História, como a do
conferencista que andou nesta cidade nos anos trinta e até figurou em romance
de Jorge Amado. Era tipo notável. Preto,
alto e gordo, bem falante e bem vestido, suarento, vivia de dar conferências em
várias cidades da Bahia. De sua ultima vez anunciou conferência na Prefeitura. Na época não havia lazeres além do circo,
namoro, cinema mudo e baralho, de modo que o salão nobre da Prefeitura sempre era aberto aos conferencistas atraindo
grande e respeitoso público que comparecia, em roupa domingueira, desejoso de novidades.
Na data aprazada, salão aberto e iluminado, presente o que a
sociedade tinha de mais importante, inclusive grande número de senhoras, o
conferencista, com os salamaleques de sempre, começou a falar sobre a poesia e o
poeta, temas sobre os quais usou e abusou da retórica. Antigamente – dizia ele – o poeta
era venerado, amado pelas famílias. As senhoritas beijavam a face do poeta.
“Mas hoje”, lamentou ele, e não terminou
a frase. Alguém da plateia gritou: “hoje é faca no poeta, filho da p.” A
conferência desandou. Uns dizem que o
aparteante foi conhecida figura do comércio, outros, que o coletor federal. O
conferencista desapareceu da praça. De notável, entretanto, era o seu cartão de
visita, que logo após o nome especificava:
“bacharéis”.
Apareceu no Forum desta Comarca, recentemente, sujeito a
distribuir cartões de visita em que se lê: “Jesus Cristo, advogado”, mencionando, inclusive, endereço do escritório nesta cidade (não se
refere a honorários) o que nos leva a crer que o mundo deve acabar mesmo no dia
vinte e um, conforme as previsões dos Maias. Deus precisa, urgentemente,
instalar processo semelhante ao do mensalão neste mundo de bebés e bebuns de
Rosemeire.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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