A MISSA DA VOLTA
A IGREJA ESTAVA LOTADA. Os fiéis se acotovelavam até do lado de fora. Veio gente de
todos os lugares. Já passavam das sete horas da manhã e não parava de chegar
gente. Vinha de Kombi, caminhonete, pau-de-arara, montado a cavalo, enfim, veio
gente que gerou um tumulto enorme na porta da igreja. Até que seu Raymundo
apareceu e deu a feliz ideia de transferir a missa para a praça.
Foi um
corre-corre tremendo. Vários fiéis se ofereceram para ajudar a montar tudo em
cima do coreto. As mulheres ajudaram na ornamentação, os homens carregavam as
coisas mais pesadas e em menos de meia hora estava tudo pronto e decorado para
a santa missa dominical celebrada pelo padre José.
Um pequeno
coral ensaiava dentro do centro paroquial. Algumas barracas já se armaram em
volta do coreto e a festa estava pronta.
O único
sino começou a badalar cinco minutos antes das oito horas, chamando os fiéis
para a missa. O povo começou a se aglomerar em volta do coreto.
O locutor
oficial de todos os eventos anuncia:
- Senhoras e senhores, dentro de instantes, estaremos transmitindo direto da Praça da Matriz, a Santa Missa dominical, celebrada pelo querido padre José que retorna a nossa paróquia. Pedimos aos presentes que abram um corredor na direção da igreja da Matriz, para que o cortejo possa passar.
Padre José
vem à frente do cortejo segurando a imagem de Nossa Senhora das Dores,
padroeira da cidade. Atrás dele vem seu Raymundo segurando o turíbulo,
incensando o caminho. Logo após, vem o Prefeito e a primeira dama da cidade,
seguido por vários puxa-sacos, e por último, como sempre, o povo.
Pra não
ficar diferente das outras cidades e das outras festas, havia na frente do
padre José, um louco sambando e puxando o cortejo. Perecido com um bobo da
corte da época medieval, o insano dava piruetas e gritava palavras de ordem.
Ninguém ousou a retirá-lo. Era o seu grande momento.
Cada um tem
a sua forma de ser bobo da corte. Uns dão piruetas na frente de cortejos,
outros se fantasiam de autoridade e fazem até discurso. O pior de tudo isso é
que o povo aplaude.
O padre
subiu as escadas do coreto acompanhado dos ministros da eucaristia e o
restante ficou na parte de baixo do coreto, inclusive o prefeito.
Quando o
padre José anunciou, “O senhor esteja convosco”, a multidão respondeu em couro
“Ele está no meio de nós”, fez-se um silêncio absoluto e a missa iniciou.
Padre José fez todos os rituais e a grande expectativa era a homilia.
Quando
iniciou o cântico para o anúncio do Evangelho, algumas pessoas se preocuparam
com o que viria pela frente.
O padre
anuncia: - “Anúncio do evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus”.
O povo num
só coro:
- Glória a vós, Senhor.
- Naquele tempo, um anjo do senhor apareceu em
sonhos a José e disse: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito
e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para
matar”. São palavras da salvação.
E o povo
mais uma vez:
- Gloria a vós, Senhor!
A
expectativa era geral. O silêncio tomava conta da praça. Todos queriam ouvir
a homilia daquele dia.
E o padre
começou:
- Meus irmãos em Cristo. Assim como José recebeu
a visita de um anjo que mandou que ele fugisse levando consigo o menino e sua mãe, para que Herodes não matasse a todos, eu também recebi a visita de um anjo
que me pediu para me afastar da cidade, a fim de fugir da tirania dos homens. A
princípio, confesso que fiquei confuso com aquela situação, mas depois, entendi
perfeitamente os desígnios de Deus. Nada foge à vontade de Deus Pai. Tive que
me afastar um pouco do meu rebanho e viver na clandestinidade até que as coisas
se acalmassem por aqui. Hoje, estou de volta e agradeço a Deus por me colocar
de novo no seio do meu povo que tanto amo. Por isso, não quero incomodá-los com
mais discursos nem com muitas palavras. O momento é de oração. O momento é de
reflexão, de luta, de sabedoria, de saber interpretar o que existe por trás de
tudo que está acontecendo. Não deixemos baixar nossas cabeças. Olhemos sempre
pra frente, com a cabeça erguida, voltada para o nosso respeito e para a nossa
dignidade. Os esporões hão de cair. Sobreviverá a verdade. Lutemos até a morte
sem nos esquecer que Jesus morreu por nós por acreditar que existe uma única
verdade. Agora de mãos dadas, todos, rezemos com fé a oração que Jesus nos
ensinou.
Nesse
momento, todos se deram as mãos e rezaram o Pai Nosso mais forte que já se
rezou naquele lugar. Muitos choravam enquanto rezavam tamanha era a emoção e a
força do povo junto, acreditando que um dia todo esse pesadelo iria acabar.
A fila da
comunhão era tão grande que tiveram que fragmentar as hóstias para dar pra
todos os fiéis. Cada um recebeu um fragmento e todos ficaram servidos.
Foi a missa
mais linda que Nossa Senhora das Dores já celebrou em todos os tempos.
Ao término,
o sino badalava bem forte e o povo cantava junto, numa única voz. O cortejo se
retirou em procissão até o centro paroquial e o padre José foi ovacionado com
gritos e fogos.
A festa
durou o dia inteiro.
No coreto,
só restou o bobo.
Da corte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário