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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 31 de julho de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XXII

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - XXI


A MISSA DA VOLTA

[...] não preciso dizer que foi a missa mais bonita que já celebraram na cidade [...]
 

A IGREJA ESTAVA LOTADA. Os fiéis se acotovelavam até do lado de fora. Veio gente de todos os lugares. Já passavam das sete horas da manhã e não parava de chegar gente. Vinha de Kombi, caminhonete, pau-de-arara, montado a cavalo, enfim, veio gente que gerou um tumulto enorme na porta da igreja. Até que seu Raymundo apareceu e deu a feliz ideia de transferir a missa para a praça.

Foi um corre-corre tremendo. Vários fiéis se ofereceram para ajudar a montar tudo em cima do coreto. As mulheres ajudaram na ornamentação, os homens carregavam as coisas mais pesadas e em menos de meia hora estava tudo pronto e decorado para a santa missa dominical celebrada pelo padre José.

Um pequeno coral ensaiava dentro do centro paroquial. Algumas barracas já se armaram em volta do coreto e a festa estava pronta.

O único sino começou a badalar cinco minutos antes das oito horas, chamando os fiéis para a missa. O povo começou a se aglomerar em volta do coreto.

O locutor oficial de todos os eventos anuncia:

- Senhoras e senhores, dentro de instantes, estaremos transmitindo direto da Praça da Matriz, a Santa Missa dominical, celebrada pelo querido padre José que retorna a nossa paróquia. Pedimos aos presentes que abram um corredor na direção da igreja da Matriz, para que o cortejo possa passar.

Padre José vem à frente do cortejo segurando a imagem de Nossa Senhora das Dores, padroeira da cidade. Atrás dele vem seu Raymundo segurando o turíbulo, incensando o caminho. Logo após, vem o Prefeito e a primeira dama da cidade, seguido por vários puxa-sacos, e por último, como sempre, o povo.

Pra não ficar diferente das outras cidades e das outras festas, havia na frente do padre José, um louco sambando e puxando o cortejo. Perecido com um bobo da corte da época medieval, o insano dava piruetas e gritava palavras de ordem. Ninguém ousou a retirá-lo. Era o seu grande momento.

Cada um tem a sua forma de ser bobo da corte. Uns dão piruetas na frente de cortejos, outros se fantasiam de autoridade e fazem até discurso. O pior de tudo isso é que o povo aplaude.

O padre subiu as escadas do coreto acompanhado dos ministros da eucaristia e o restante ficou na parte de baixo do coreto, inclusive o prefeito.

Quando o padre José anunciou, “O senhor esteja convosco”, a multidão respondeu em couro “Ele está no meio de nós”, fez-se um silêncio absoluto e a missa iniciou.

Padre José fez todos os rituais e a grande expectativa era a homilia.

Quando iniciou o cântico para o anúncio do Evangelho, algumas pessoas se preocuparam com o que viria pela frente.

O padre anuncia: - “Anúncio do evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus”.

O povo num só coro:

-    Glória a vós, Senhor.

-    Naquele tempo, um anjo do senhor apareceu em sonhos a José e disse: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matar”. São palavras da salvação.

E o povo mais uma vez:

-    Gloria a vós, Senhor!

A expectativa era geral. O silêncio tomava conta da praça. Todos queriam ouvir a homilia daquele dia.

E o padre começou:

-    Meus irmãos em Cristo. Assim como José recebeu a visita de um anjo que mandou que ele fugisse levando consigo o menino e sua mãe, para que Herodes não matasse a todos, eu também recebi a visita de um anjo que me pediu para me afastar da cidade, a fim de fugir da tirania dos homens. A princípio, confesso que fiquei confuso com aquela situação, mas depois, entendi perfeitamente os desígnios de Deus. Nada foge à vontade de Deus Pai. Tive que me afastar um pouco do meu rebanho e viver na clandestinidade até que as coisas se acalmassem por aqui. Hoje, estou de volta e agradeço a Deus por me colocar de novo no seio do meu povo que tanto amo. Por isso, não quero incomodá-los com mais discursos nem com muitas palavras. O momento é de oração. O momento é de reflexão, de luta, de sabedoria, de saber interpretar o que existe por trás de tudo que está acontecendo. Não deixemos baixar nossas cabeças. Olhemos sempre pra frente, com a cabeça erguida, voltada para o nosso respeito e para a nossa dignidade. Os esporões hão de cair. Sobreviverá a verdade. Lutemos até a morte sem nos esquecer que Jesus morreu por nós por acreditar que existe uma única verdade. Agora de mãos dadas, todos, rezemos com fé a oração que Jesus nos ensinou.

Nesse momento, todos se deram as mãos e rezaram o Pai Nosso mais forte que já se rezou naquele lugar. Muitos choravam enquanto rezavam tamanha era a emoção e a força do povo junto, acreditando que um dia todo esse pesadelo iria acabar.

A fila da comunhão era tão grande que tiveram que fragmentar as hóstias para dar pra todos os fiéis. Cada um recebeu um fragmento e todos ficaram servidos.

Foi a missa mais linda que Nossa Senhora das Dores já celebrou em todos os tempos.

Ao término, o sino badalava bem forte e o povo cantava junto, numa única voz. O cortejo se retirou em procissão até o centro paroquial e o padre José foi ovacionado com gritos e fogos.

A festa durou o dia inteiro.

No coreto, só restou o bobo.

Da corte. 

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