“Carnavalizou”! Clima de folia nas redes - ouço o “bater da
rabeta no chão” - êta! E a batida segue: “chegou o momento, é agora,
novinha...E faz o teu nome”? Imaginando os termos até encostar no dito vai
"popozão": “o grave bateu a rabeta no chão, rabeta no chão!” O
“solinho” arrastou-me para o tempo da novinha, da gatinha (que imitava a
Patotinha e Gretchen, patinando, rebolando), dos bicos puxados por conta do
traje, da fantasia. O bico não desmanchava desde a saída da Rua de Aurora,
seguindo pela Euterpe, Rua Conselheiro Franco, Praça da Bandeira, João
Pedreira, até o chão de estrelinhas e confetes da “Princesa do Sertão”.
O Carnaval da Bahia trouxe-me à Micareta da “novinha”, às
máscaras de um tempo, à lembrança dum pássaro que rasga o vento, o rasga mortalha,
seguido de um sinal de cruz credo. Um corpo coberto, uma silhueta imaginada,
quase me sentindo uma afegã, não fossem os gritos da estampa, a maquiagem
extravagante, as estrelinhas, purpurina, tererês.
Eis a mortalha desencarnada, desarranjada. O corte e o seu
significado tanto podem enrolar o tabaco quanto envolver os mortos, logo,
entendi que brincávamos de “egum”, alma e papel: “Atrás do trio... só não vai
quem já morreu? Seguimos a música: o sol é seu, o som é meu, quero morrer,
quero morrer já!” ...
Por um breve tempo enfestado eu tive a minha mortalha: morri!
O tecido terrivelmente colorido se multiplicara, cobrira meus pais, irmãos e o
mico: quando passava por um coleguinha mergulhava a cabeça feito um jabuti, uma
alma penando.
No passeio da Avenida Senhor dos Passos, entre a Prefeitura e
o Cine Timbira, ficávamos espiando o desfile dos foliões com outras gentes.
Enquanto meus olhos corriam atrás do trio, a minha mão segurava a do meu pai:
alguns puxões, olhos arregalados, cara feia, nada adiantava, presa no meio da
rua, nenhum vacilo.
Já nas matinês do clube a “pequena Eva” pulava solta:
“abraça-me no espaço de um instante...”. pulos, suor, e encharcava-me de soda
limonada_ tem outro refrigerante? _ não. E a cena se repetia. A fantasia
parecia não suportar a energia, pular, correr, cair. Algumas horinhas,
embriagada de cansaço, tonta de sono: ajeitei-me, cabeça, braços, jaz um corpo,
apenas uma mortalha debruçada na mesa.
O tempo espichou inaugurando a moda dos abadás, mamãe sacode,
os bafos de Baco pipocavam no calor da Avenida Getúlio Vargas acordando um
tempo glorioso das ruas, dos becos ardidos, das praças alegres, uma festa de
encontros nos barracões. E a velha cantiga: _ Micareta! Era no meu tempo!
Cantavam meus avós, meus pais... E me pego repetindo a mesma cantiga
atualizada: do “meu tempo” ... Ah! Micareta...
No “meu” tempo, nem havia celular, uns raros tijolos...
Pulávamos com os bolsos cheios de fichas telefônicas... tempo de filas nos orelhões,
do namorar encabulado, romances “Muito barulho por nada”, de Shakespeare,
coletâneas de poesia, contos de horror, tragédias, disk piadas, trotes, a ficha
caiu... a festa continua...
Avenida Senhor dos Passos- acervo Antonio Moreira.
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