EMFIM... O PADRE VOLTOU
[...]
Cidade pequena tem dessas coisas. As pessoas se apegam facilmente às outras.
Com o padre José não seria diferente. Toda a comunidade já estava sentindo sua
falta [...]
D. EMENGARDA SAIU COM o coronel e Esmeraldina logo depois que o padre foi
embora. Foram pra cidade tratar de anunciar para os amigos a volta do padre
José. O coronel deixou D. Emengarda e a filha na casa do Dr. Silas e foi até
ao canteiro de obras da nova caixa d'água.
D.
Emengarda entrou na casa e foi logo visitando Dr. Silas que ainda estava muito
doente.
D. Carmem
sentou-se do outro lado da cama onde estava deitado Dr. Silas e perguntou a D.
Emengarda:
- Como estão todos?
- Estamos indo como Deus quer. E Dr. Silas,
como está reagindo?
- Está sempre assim... Não conversa, come
pouco, dorme o tempo inteiro... Mas tenho esperança que ele vai ficar bom,
sempre foi um homem forte.
- Com fé em Deus ele vai ficar bom. Por falar
em fé em Deus, eu vim trazer uma boa notícia.
- Fala logo!
Disse
Esmeraldina.
- O padre José está voltando pra nossa igreja!
D. Carmem
se levantou de alegria.
- Meu Deus! Isso é a melhor notícia que recebo
nesses últimos dias. Ele escreveu? Telefonou? Onde ele está?
- Calma... Na verdade ele sempre esteve aqui.
- Esteve aqui, como?
- Padre José não tinha dinheiro pra fugir,
então resolveu se esconder perto do açude, numa casa abandonada e em ruínas.
Ficou lá esse tempo todo. Está diferente com uma barba enorme e bem mais magro.
- Então acho melhor ir buscá-lo e trazer logo
pra cidade.
- Tenha calma D. Carmem. Salustiano vai
conversar com o capitão e verificar se o padre ainda corre o risco de ser
preso. Só depois de termos garantias de que nada vai acontecer com ele é que
podemos trazer de volta pra nossa paróquia.
- Então vamos lá levar alguns mantimentos pra
ele enquanto isso não acontece.
- Não, D. Carmem, a senhora não entende... Não
podemos levantar suspeitas de que sabemos de alguma coisa. Temos que permanecer
caladas e sem demonstrar qualquer alegria. A senhora sabe, até alegria é
proibida pelo regime.
- A senhora está certa. Vamos trabalhar em
silêncio pela volta do padre José. Assim que tiver alguma notícia, me fala, vamos
fazer uma festa linda pra comemorar a volta do padre e as suas celebrações...
Estou morrendo de saudades das nossas missas.
O coronel
Salustiano só conseguiu falar com o capitão Duarte na quarta-feira. Eram mais
ou menos umas 05 horas da tarde quando o capitão entrou no gabinete do
prefeito. Entrou sem se anunciar e sem bater à porta. Simplesmente entrou.
O prefeito
estava lendo um documento que teria que assinar, autorizando a compra de mais
material para a construção da caixa d'água.
O capitão
entrou sisudo como sempre, e se sentou de imediato.
- Soube que o prefeito andou me procurando...
É alguma coisa urgente?
O coronel
ainda assustado com aquela entrada repentina procurou ganhar tempo. Foi até ao
armário pegou uma licoreira e um copinho, serviu um licor ao capitão e falou:
- Esse é especial. É um licor de jenipapo que
ganhei de um correligionário no São João passado. Experimente.
O capitão
virou de vez o licor. Nem saboreou.
- Vamos logo
ao assunto, coronel. O que o senhor quer comigo de tão urgente?
O coronel, se sentindo do tamanho de uma formiga,
prestes a ser pisado pela bota do tirano, esfregou as mãos e disse:
- Eu
gostaria de saber se a nossa comunidade vai ficar sem as missas dominicais...
Estão me cobrando a volta do padre José.
O capitão se levantou, andou de um lado para o outro,
mãos atrás das costas e respondeu:
- Sabe
coronel, acho que o senhor tem razão, vamos dar a eles um momento de fé. Vamos
acalmar essa agitação subversiva, dando a eles não só pão e circo... Vamos dar
fé... Muita fé. É isso. Vamos trazer um padre pra cidade. Mas antes esse padre
terá que passar por mim.
Coronel Salú suava muito e mesmo assim perguntou:
- Posso
chamar de volta padre José?
- Mas claro
que sim. Acho que isso já está acertado entre vocês. No domingo pela manhã,
ele esteve na sua fazenda. Não foi isso coronel?
Nessa hora, o coronel sentiu o peso da bota esmagando
seu corpo.
- Foi, sim,
capitão. Ele esteve comigo e eu disse que iria conversar com o senhor antes de
tomar qualquer decisão sobre a sua volta.
- Coronel
Salustiano. Entenda que eu sabia desde quando cheguei aqui que o padre estava
escondido, esse tempo todo, numa casa abandonada perto do açude, e saiba também
que o senhor foi visto por lá sábado passado.
- Mas eu não
sabia que o padre estava naquela casa. Só soube que o padre estava na cidade,
quando ele esteve em minha casa no domingo.
- Pois bem,
coronel. Diga a esse padrezinho comunista de merda, que me procure o mais
rápido possível. Quero ter uma conversa com esse bosta antes dele assumir a
sua paróquia. Até mais.
Saiu da sala apressado e quando o prefeito enxugava o
suor, o capitão voltou.
- Ah! Esqueci
de um detalhe, coronel. Fala para a sua senhora, que pode tratar de fazer a tal
festa que ela tanto quer.
E saiu.
O coronel não entendia como as coisas funcionavam, só
percebia que cada passo seu e da sua família era descrito para o capitão. Não
havia a menor privacidade. Alguém era o informante. Mas quem?
Coronel Salustiano saiu apressado. A tarde estava
caindo e ele foi direto até a casa do padre José. Parou o Jeep perto da cerca.
Um facho de luz de fifó aparecia por entre as várias fretas da porta e da
janela.
Padre José abriu logo a porta.
- Escutei
seu carro chegando, coronel. E então? Conseguiu falar com o capitão?
- Consegui,
sim. Acabei de falar com ele agorinha mesmo.
- E aí?
Quais são a novidades?
- Vamos
falar baixo. Aqui na cidade tem alguma coisa que escuta tudo o que eu falo.
- Como
assim?
- O capitão
sabe tudo o que eu faço e aonde vou. Sabe tudo.
- Então quer
dizer que ele...
- Sabia de
tudo. Sabe que o senhor está escondido aqui desde o dia que fingiu fugir. Sabe
que eu estive aqui no sábado. Sabe que o senhor esteve na minha casa no
domingo. Sabe que Emengarda está feliz... Sabe. Sabe.
- Então
estão seguindo o senhor.
- Padre
José... Esses infelizes estão por toda parte.
- E então.
Vão me prender?
- Se tivesse
que prender o senhor já teria feito isso há muito tempo. O capitão permitiu a
sua volta, mas não sem antes ter uma conversinha de pé de orelha... O senhor
sabe...
- Entendo. E
quando será essa conversinha?
- Vou marcar
para amanhã, quinta-feira. Assim, dá tempo de fazer uma festa bem bonita no
domingo.
- Eu não
ofereço nada pro senhor, porque não tenho nada. Só tenho um chá de hortelã. Se
o senhor aceita posso servir...
- Não
padre. Deixa pra me oferecer alguma coisa quando o senhor estiver na sua casa
paroquial.
- O coronel
se levantou, colocou o chapéu e saiu, mas não sem antes olhar para os lados e
verificar se estava sendo seguido. Como estava escuro demais, não deu pra ver
absolutamente nada.
- Na
quinta-feira pela manhã, o coronel falou com o capitão e no mesmo dia, o padre
teve a sua entrevista com o capitão. O que conversaram ficou sendo um segredo.
- E assim, a volta do padre foi confirmada para a missa do domingo.
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