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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quinta-feira, 30 de junho de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XX

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

 POLÍTICA DE ANTÃO - XIX

ONDE ESTÁ PADRE JOSÉ

[...] O nosso personagem está sumido da história. Também, depois daquela ameaça de prisão, feita pelo coronel, até eu saía da cidade. Vamos falar desse assunto [...]

    NAQUELE DIA EM QUE o coronel o ameaçou de prisão, padre José teve mesmo que sair da cidade. Pegou suas roupas, um resto de dinheiro que tinha e foi para a capital se encontrar com o Ar­cebispo de Olinda, para relatar o que estava acontecendo na sua freguesia. Ele sabia que não poderia abandonar nunca a sua paró­quia. Naquele tempo, padre não andava com muito dinheiro, era diferente de hoje que acumulam riquezas por trás de um comércio religioso, não são todos, mas alguns conseguem fazer fortunas e chegam a acumular património em nome de um voto de pobreza.

Numa manhã de sábado, coronel Salustiano saiu para a zona rural, com a finalidade de verificar como estavam as obras de uma estrada vicinal que ele havia mandado abrir no intuito de diminuir a distância de um pequeno distrito até a sede do município. Encon­trou com o Sr. Zacarias Mão de Onça na estrada principal e parou pra conversar, coisa que sempre gostou de fazer. Acomodaram-se debaixo de uma jaqueira e o Sr. Zacarias iniciou a conversa.

-     E o coroné, como está se sentindo prefeito?

-    Seu Zacarias, teria sido melhor ficar como era antes, pelo menos eu estava mais sossegado.

-     E D. Emengarda mais os meninos, como vão indo?

-    Graças a Deus tá tudo em ordem. Os meninos estão cres­cendo. Deoclécio e Tibúrcio são dois homens... Puxaram ao pai e Esmeraldina uma moça linda, fez 15 anos agora.

Seu Zacarias, que conhecia bem os filhos do coronel, limitou- se a ouvir apenas.

O coronel então retribuindo a gentileza, perguntou sobre a fa­mília do Zacarias:

-   E a sua família? Como está?

-   Tá tudo bem. Os meninos tão na capitá. O mais veio tá estudando pra ser dotô, e a moça foi este ano pra lá, qué estudá também. Essas modernagem de hoje é diferente da gente. Na nossa época, ou a gente pegava na enxada pra trabalhá ou morria de fome. Hoje o mundo tá mudado.

-   É verdade seu Zacarias, hoje tá mais difícil controlar os filhos da gente. Eles crescem e vão logo engrossando o pescoço. Tibúrcio mesmo quase que não fica em casa. Ele, como é muito amigo do filho de Florentino farmacêutico, está sempre na cidade, dorme por lá.

Seu Zacarias, com já tinha ouvido alguns comentários sobra a boiolagem de Tibúrcio, comentou:

-   Esse negócio de filho dormir fora de casa é meio perigoso, o senhor não acha, coroné?

-   É perigoso, sim. Tibúrcio mais o filho de Florentino farmacêutico sabem se defender, ali são dois cabra-macho. Vivem juntos porque têm mulher no meio.

Seu Zacarias, espantado com a inocência do coronel Salú sobre a viadagem de Tibúrcio, responde:

-   Será que tem mulher nisso tudo?

-   Tem, com certeza. Outro dia, Tibúrcio chegou em casa com a maleta que sempre carrega, e num descuido dele eu consegui pegar a tal maleta pra ver o que tinha dentro.

-   E o que o senhor encontrou, coroné?

-   Aqui pra nós, encontrei até calcinha de mulher dentro da maleta. Esse meu filho não dá moleza pra mulher. Imagina o senhor, tinha roupa de mulher dentro da maleta dele, tinha um batom, pó de arroz... Devia ter feito uma farra tão grande que se esqueceu de devolver a roupa da mulher que estava com ele.

Seu Zacarias começou a rir muito e mudou logo de assunto.

-   Mas o que traz o senhor por essas bandas?

-   Vim ver como andam as obras da estrada.

-   Tá meio devagar, coroné...

-   Devagar como? Eu quero inaugurar esta estrada no mês que

-   Nagura não, coroné... Ta parada na beira do açude mode uma cerca que o homem não deixa tirar por nada.

-   Que homem, seu Zacarias?

-   O homem que veio morar naquela casa que tava pra cair, lembra?

-   Quem é o homem?

-   Não sei bem o nome dele, mas vejo o povo chamá ele pelo pelidi de padre. É um homem letrado, fala bonito...

O coronel Salú ficou curioso pra conhecer esse homem. Levantou-se e foi logo se despedindo do seu amigo Zacarias.

-   A prosa tá boa, mas tenho que cumprir o meu dever de prefeito. Vou seguir inspecionando as obras. Foi bom conversar com o senhor.

-   Dá lembrança pro pessoal de casa. Qualquer dia desses vou fazer uma visita.

-   Vá mesmo... Apareça.

Entrou no Jeep e saiu devagar, olhando tudo com muito cuidado. De vez em quando, parava, descia e sonhava em fazer uma boa obra, quem sabe mais uma estrada, um açude, uma aguada...

De repente, avistou a casa onde morava o homem que estava impedindo da estrada passar. Acelerou pra chegar mais rápido e parou à porta da casa. Desceu, olhou em volta. Estava tudo fechado. Circundou todo o terreno. Viu que nos fundos havia algumas galinhas ciscando, um cesto de palha com uma galinha chocando ovos, algumas bromélias servindo de cerca demarcando terreno, duas peças de roupas lavadas e penduradas na cerca de arame farpado. Preso no ripão do telhado, na sua parte mais baixa, havia uma lata de óleo de cozinha com um pouco de terra dentro e estava plantado um pé de hortelã miúda. O coronel se lembrou de ter visto isso antes, na casa de alguém. Sorriu, tirou uma folha e levou até a boca. Era hortelã mesmo. Pela fresta da janela, olhou para dentro da casa. Não deu pra ver muita coisa. A cozinha era escura e como tudo estava fechado pouco se enxergava.

Entrou novamente no Jeep e saiu devagar. Não percebeu em momento algum que estava sendo observado pelo morador da casa.

No dia seguinte, manhã de domingo, o coronel estava na cancela da sua fazenda e avista ao longe um homem que vem na sua direção. O coronel fica parado até que o homem se aproxime mais. Quando viu que não o conhecia, virou-se e entrou fechando a cancela. Assim que resolveu voltar pra casa, escutou o homem lhe chamar.

Esperou mais um pouco e o homem se aproximou. Era um sujeito com um olhar conhecido, mas a barba grande impedia que o coronel o reconhecesse.

-   Coronel Salustiano. Bom-dia!

O coronel olhou para o homem e respondeu:

-   Bom-dia! Posso ajudar o senhor?

-   Pode sim. Ontem o senhor estava rondando a minha casa. Queria falar comigo?

-   Queria sim. Queria pedir ao senhor pra retirar aquela cerca que está impedindo a passagem da estrada que vai ligar o distrito até a cidade.

-   Aquela cerca me pertence, coronel.

O coronel foi aos poucos reconhecendo a voz do padre José. Num ímpeto, o coronel se aproximou do padre e lhe deu um abraço.

-   Padre José... O senhor é um louco. Eu não mandei o senhor sair da cidade?

-   Mandou sim, coronel, mas a minha obrigação, como pastor do meu rebanho me fez voltar, além do mais, o que um padre sem dinheiro e sem paróquia pode fazer longe do seu rebanho?

-   Vamos entrar. Emengarda vai ficar feliz em ver o senhor por aqui.

No caminho da cancela até a casa, o padre quis saber sobre a revolução.

-   Aí coronel? Como vão os militares?

-   Ainda estão prendendo gente. Aqui na cidade até que pararam mais. O senhor escapou por pouco.

-   Graças ao senhor. E quando vão embora daqui?

-   Eu soube que vão construir um batalhão de Infantaria em Parnamirim, só assim saem daqui e desocupam a escola nova.

Chegaram à porta da casa. O coronel entra e chama D. Emengarda.

-   Temos visita para o café da manhã. Mande Victória colocar mais um prato.

D. Emengarda vai até a varanda receber o visitante e de pronto reconhece o padre José,

-   Padre José!... Que alegria ter o senhor de volta! Entre... Venha tomar um café com a gente.

-   Ainda não estou de volta. Isso vai depender da minha segurança em não ser preso.

O coronel se senta e depois que o padre fez a oração em agradecimento à refeição da manhã, o coronel disse:

-   Padre José, o senhor tem algum envolvimento com os comunistas?

-   Depende do que o senhor chama de comunista.

-   Olha, Padre, pelo que está desenhado por esses militares, comunista é todo aquele que se coloca contra esse estado de coisas que vem acontecendo.

-   Não entendi coronel.

-   Por exemplo. O senhor é um homem que fala bonito, sabe muitas coisas, é um intelectual e inteligente. Pra eles, homem inte-ligente é comunista, é subversivo, está contra eles... Entendeu?

-   Mas Deus deu ao homem o livre arbítrio. Nós não somos obrigados a acreditar nem em Deus. Crer ou não crer é uma opção da consciência humana.

-   Mas o que eu quero dizer pro senhor, é que eles querem que a gente pense como eles.

-   Coronel, o homem é livre pra pensar, pra amar, pra sonhar. Deus deu ao homem a coisa mais perfeita. A liberdade.

-   Olha, padre... Eu vou conversar com o capitão Duarte sobre a sua volta. Vou tentar convencer que o senhor tem que ficar aqui, mas tenho a certeza que ele vai chamar o senhor pra ter uma conversa. Pelo amor de Deus, nunca diga que foi eu quem mandou o senhor fugir daqui naquele dia.

-   Fique tranquilo, coronel, nunca saberão quem foi que me protegeu.

Terminado o café, o coronel levou o padre José de volta até a sua casa provisória e voltou à sua rotina.

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