Por causa da timidez, o currículo amoroso de Perna simplesmente estava em branco. Admitia que sua aparência de um típico "nerd" não ajudava. Somente com Maristela veio a experimentar o gosto de uma ardente paixão. Nunca entrava no carro da namorada. Achava feio ir ao lado de uma mulher ao volante. A princípio, Maristela disse que era besteira e ficou zangada. Depois, para não perder a companhia tão agradável, passou a achar divertido andar a pé ou de ônibus. Um dia até brincou com ele:
- Sabe,
benzinho, eu estava muito acostumada à minha vidinha burguesa. É bom a gente
ficar de vez em quando junto do povão; não é, querido?
A resposta, entre sorrisos:
- Juro
que ainda lhe faço uma mulher politizada, sua burguesinha.
- Meu
comunistazinho...
- Aprenda
logo uma lição: ser de esquerda não significa ser comunista. E eu, meu bem, não
sou comunista. Tá ouvindo?-concluiu sério.
- Deixe
esse negócio de política pra lá. Depois você me explica a diferença; tá? Olha
ali aquele barquinho lá longe no mar tendo por cenário o pôr-do-sol. Não está
lindo!?
Como não poderia deixar de ser,
finalmente um dia a conversa terminou chegando ao assunto inevitável: sexo.
Coube ao Perna dar início:
- Pra
mim, esse negócio de virgindade é frescura.
- Pra
mim também - acrescentou Maristela, sem pestanejar.
Calaram-se. Um mesmo pensamento assaltou a mente dos dois: "Que diabo! Se nós não temos esses preconceitos, por que nunca fomos pra cama?"
Um pouco encabulado, Josiel perguntou:
- Você é virgem?
- Claro
que não.
Só Maristela poderia avaliar quanto lhe
custou soltar aquela mentira. Desde que ficara íntima de Perna, ouviu várias
vezes ele afirmar que gostava muito de pessoas "autênticas". Por causa
disso, procurava ao máximo se esforçar para não mentir diante dele. Nessa
circunstância, porém, não havia jeito...
- Então,
já está em tempo de a gente aprofundar nosso namoro. Não acha? - voltou Josiel,
fazendo grande esforço para superar sua habitual timidez quando falava de tais
assuntos.
- Mas
Josiel — disse Maristela procurando desesperadamente uma escapatória - eu sou de
opinião que é vulgar a mulher que vai pra cama logo no início do namoro.
Primeiro precisamos ter certeza de que realmente nós nos amamos. Nós nos
gostamos muito, é evidente, porém entendo que o tempo de namoro ainda não é
suficiente para sabermos se existe entre nós um verdadeiro amor. Não tenho
preconceitos contra o sexo, mas só admito que seja praticado entre pessoas que
se amam. E eu tenho medo que você me ache vulgar. Ainda está cedo. Concorda?
- De
minha parte garanto que existe amor. Se você quer esperar mais um pouco, eu
protesto, mas concordo. Volto a dizer: prefiro a autenticidade. As pessoas
devem ser livres para decidir.
As palavras de Josiel encantaram a jovem. Naquele momento ela percebeu que, ao dizer que não o amava ainda, apegava-se a uma mera desculpa. Sua cabecinha se enchia novamente de belos sonhos. Era inacreditável. Ela agora se sentia a mesma adolescente apaixonada da noite dos 15 anos. Sem o dia seguinte, é claro.
Um mês havia passado, desde o início do namoro, quando finalmente Maristela convenceu o Perna a entrar no seu carro. Foi num domingo à tarde. Combinaram que ela iria ensiná-lo dirigir. Rumaram para o Horto Florestal, onde as ruas eram normalmente quase desertas. As aulas de direção se repetiram em outras oportunidades, sempre nos fins de semana. O Perna vivia felicíssimo. Em pouco tempo, não só já dominava o volante, como vibrava com o final das aulas, seguidas religiosamente de um apimentado troca-troca de carícias. Foi após um prolongado beijo na boca que Josiel, vencendo sua insistente timidez, lançou a indagação:
- Então,
querida, já estamos maduros para uma experiência sexual?
- Parece,
né? - disse Maristela, procurando esconder o nervosismo.
E acrescentou, ainda um tanto perturbada:
- Mas
nada de ser aqui no carro. Que tal um motel? É mais tranquilo e mais seguro. E
tem de ser com data marcada para eu poder me preparar psicologicamente. Tá,
queridinho?
- Próximo
sábado, às quatro da tarde. Combinado?
É difícil descrever o que se passou nas mentes dos dois jovens enquanto aguardavam, bastante ansiosos, o tão esperado dia. Quem já viveu - ou vive - um grande amor pode muito bem imaginar.
Eles jamais tinham sentido uma semana se
arrastar com tamanha lentidão. O sábado afinal chegou. Sob o pretexto de mais
uma aula de direção, os amantes saíram no carro branco. Perna tinha ouvido
falar que havia um motel perto da lagoa do Abaeté. Tocaram para lá. Próximo ao
motel, Maristela colocou óculos escuros, abaixou- se no banco e pôs uma revista
na frente do rosto. Uma coroa, parecendo lésbica, atendeu no portão de entrada
e secamente disse:
- Apartamento
doze. Vire à esquerda.
Na frente de cada apartamento existia uma
garagem. Com dificuldade, Josiel fez a manobra do carro e entrou na que
ostentava o número indicado. Imediatamente um portão se fechou atrás do carro.
Ambos desceram do veículo e entraram numa porta em frente. O motel era o melhor
da cidade. Tinha ar condicionado, espelho no teto, televisão, uma pequena
piscina e um sistema de som que tocava música lenta, orquestrada.
- Eu
acabei de tomar banho em casa. Não vou usar o banheiro nem a piscina - foram as
primeiras palavras de Maristela, toda embaraçada.
- Eu
também tomei banho e até botei perfume... - disse Perna,
demonstrando visível nervosismo. E
acrescentou:
- Vou apagar a luz. No escuro fica melhor.
Apesar de ainda estar de dia, o apartamento ficou escuro. Apenas tiraram os sapatos e se deitaram na cama redonda. Um apaixonado beijo na boca deu início ao ritual. Josiel desabotoou a blusa da amada e a tirou. Ele fez o mesmo com a própria camisa. Cada peça do vestuário foi sendo retirada aos poucos, entre beijos e carícias. Estavam, afinal, inteiramente despidos. O nervosismo de Perna foi aumentando em proporções incontroláveis. Eis que o jovem descobre, com surpresa, um fato por demais perturbador. Embora cheio de desejos em relação a seu amor, constatou, atormentado, que seu estado de nervos impedia a normal ereção. Fez um enorme esforço de concentração, mas não conseguiu. Enquanto isso, Maristela começa a perceber que algo de anormal está acontecendo. Não diz uma palavra e também se desconcentra.
A tentativa - Fonte: www.wikihow.com |
- Deixe de bobagem, querido. Todos os
bons sexualistas estão cansados de afirmar que as grandes emoções são as
maiores causas de uma repentina impotência. Se você se emocionou, é porque me
ama de verdade.
Procurando dar ânimo ao namorado e levantar a autoestima abalada dele, continuou:
- Vamos embora daqui. Depois desta, não quero mais essas frescuras de marcar data e fazer questão que seja num motel. Devemos deixar a coisa acontecer naturalmente. É melhor; não acha?
Em completo silêncio, Perna levantou,
vestiu a roupa e pegou as chaves do carro. Maristela também se arrumou bem
depressa.
- Você
quer que eu dirija, querido.
- Não.
E tem mais: não vou pagar esta merda de motel. Vou sair em disparada e dar uma
banana para aquela coroa horrorosa Estou sentindo a maior vergonha do mundo.
Passou na portaria com velocidade. Sendo
ainda um motorista aprendiz, não conseguiu controlar o veículo na primeira
curva que surgiu. Aconteceu, então, o segundo desastre: o carro capotou três
vezes, ficando, por fim, na posição normal, mas bastante amassado.
- Você
está ferida, Maristela?
- Não
tive nada. Só o susto. Você está bem?
- Estou.
Só uma pequena pancada na testa. Nem saiu sangue.
Começava a escurecer. Do local onde o carro foi atirado descortinava-se uma linda vista da lagoa do Abaeté. Na queda, a saia de Maristela, que era rodada, ficou bem suspensa, aparecendo suas bonitas pernas morenas e uma pontinha muito sensual da calcinha um pouco transparente, de cor azul ciara.
Quando fixou com atenção sua namorada
naquela posição engraçada que ficara após o acidente, o Perna esqueceu, por um
momento, tudo de ruim que lhe havia acontecido naquele dia. As bonitas, roliças
e aveludadas coxas de Maristela atiçaram seu instinto sexual. Quase
automaticamente acariciou tão atraentes pernas. Abraçaram-se. Milagre! Naquela
situação desagradável, por incrível que pareça, ele passou a sentir-se um homem
com virilidade normal.
Maristela vibrou de alegria vendo que as
coisas agora funcionavam a contento... Como por encanto, os movimentos
seguintes aconteceram de modo rápido, parecendo ensaiados. O silêncio só não
era total porque havia o leve barulhinho do roçar de peles e os suspiros
felizes de amantes em êxtase. Formou-se ai um único corpo, cuja forma assumida
poderia ser a representação do próprio símbolo do amor. A impressão que eles
tinham é que estavam levitando.
Na verdade, ao alcançarem o clímax do ato
sexual - ao mesmo tempo, ressalte-se - não mais poderiam dizer que pisavam em
terra firme. Voavam, romanticamente, pelo reino encantado do máximo prazer.
Realizada a aterrissagem de volta ao
mundo real, Maristela não se conteve e resolveu fazer uma confissão:
- Perna,
meu amor, vou te contar um segredo. Tá vendo aí umas manchas vermelhinhas?
- Tou.
Que é isso?
- Sangue. Não conhece? É isso aí: até minutos atrás-acredite - eu era virgem, benzinho. Depois lhe conto por que até hoje ocultei de você. Aquela fama de que eu seria muito "avançada" em termos de sexo é tudo mentira. As informações que tenho sobre o assunto não passam de teoria e, assim, enganei muita gente. Para ser autêntica - como você gosta - a verdade mesmo é esta: foi A PRIMEIRA VEZ.
Transcrito da REVISTA DA ACADEMIA FEIREJSE DE LETRAS - 2021 ANO XV-Nº 11
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