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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XIII

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - XII

[...] é ruim ter que contar fatos como o do capítulo anterior, mas foi o que aconteceu no país inteiro. Que o fato sirva de exemplo para que gerações fu­turas nunca repitam esse tipo de crueldade. Que essa página da nossa história sirva de lição pra que nunca mais tenhamos que sentir vergonha da nos­sa pátria. Desculpem, mas eu tinha que contar um milésimo de um todo [...]

 VAMOS AVANÇAR- NO TEMPO

No 07 de setembro de 1964, o coronel Salustiano organizou uma parada cívica. Mandou armar um palanque na rua principal da praça, e meses antes havia solicitado das escolas públicas e particulares que se organizassem para o evento. As ruas estavam embandeiradas de verde e amarelo, as escolas estavam com as suas bandas ensaiadas e tinha um detalhe importante, Esmeraldina, a filha do prefeito, seria a baliza da banda da sua escola. A euforia era total, não se comentava outra coisa na cidade.

O serviço de alto-falante executava a todo momento a música de Dom e Ravel com a seguinte letra:

                                    Eu te amo

                                    Meu Brasil

                                    Eu te amo

                                    Meu coração é verde, amarelo, branco

                                    Azul anil

                                    Eu te amo

                                    Meu Brasil

                                    Eu te amo

                                    Ninguém segura a juventude do Brasil

    Era o ufanismo patriótico implantado pela ditadura militar que tentava induzir palavras de ordem:

                                    Brasil,

                                    Ame-o ou deixe-o.

    Ou músicas que vieram mais tarde:

                                    Esse é um país que vai pra frente

                                    Ou, ou, ou, ou

                                    De um povo feliz e bem contente

                                    Ou, ou, ou, ou.

A verdade é que nesse 07 de setembro de 1964, a cidade de Nossa Senhora das Dores teria a sua primeira parada cívica em comemoração ao dia da independência.

O desfile estava marcado para as 09 horas da manhã.

O coronel Salustiano havia mandado confeccionar para aquela data, uma farda verde-oliva com as insígnias de coronel. Mandou comprar em Recife um quepe na mesma cor da farda e estava bastante animado para o evento. Na sua casa era uma agitação imensa. D. Emengarda era a única que estava triste, pois putaquepariu havia morrido há poucos dias e ela tinha um carinho enorme pelo cão.

Deoclécio estava comemorando 18 anos de idade exatamente nesta data. Era um motivo a mais para ser uma data especial para ele.

Tibúrcio estava morrendo de inveja da sua irmã, como ela seria a baliza da banda da sua escola, ele a invejava, mas não poderia jamais demonstrar sua viadagem.

Seu Roberto, sentindo muitas dores nas articulações, estava com artrite reumatóide, tinha joanetes nos dois pés, era hipertenso, estava diabético, tinha um esporão no calcanhar direito, tinha uma lesão no menisco do joelho direito, a epífise do fémur esquerdo estava atritando com o ilíaco, tinha uma lombalgia extrema, dois bicos de papagaio, uma escoliose, uma catarata no olho direito e estava com apenas dois dentes na boca. Deoclécio dizia que um dente era pra abrir cerveja pra ele e o outro era pra doer a noite inteira.

Victória Régia estava toda arrumada se sentindo a terceira dama da cidade.

Com tudo isso, seguiram todos para a cidade logo cedo, pois tinham que ajudar a arrumar tudo para o grande dia.

Ao chegar na cidade, Esmeraldina tratou de ir correndo para a escola. Tinha que se maquiar e arrumar para o desfile.

Tibúrcio deu um jeito de escapar e ir atrás do seu grande amor, Rodolpho com PH de Pharmácia.

D. Emengarda e Victória Régia foram pra casa do Dr. Silas, que embora muito doente, ainda estava vivo e D. Carmem, que ficou feliz em receber a amiga de tantos anos.

Seu Roberto ficou sentado perto do palanque vendo tudo o que se passava por lá.

O Coronel Salustiano estava percorrendo as ruas e verificando se tudo estava pronto para o desfile.

O locutor oficial da cidade de vez em quando anunciava:

- Senhoras e senhores, dentro de mais alguns instantes, estaremos dando início ao nosso desfile cívico. Solicitamos que não ultrapassem o cordão de isolamento pra não prejudicar o bom andamento do evento. Este desfile é uma iniciativa da Prefeitura de Nossa Senhora das Dores. Administração do competente coronel Salustiano. Contamos com o patrocínio da cachaça Chora no Pau, um produto da nossa região.

O povo ia chegando. Cada um mais bem vestido que o outro. Roupas coloridas, chapéus de palha, as mulheres com batom vermelho, enfim, todos procuraram se apresentar de forma elegante no evento.

O locutor informou mais uma vez:

- Senhoras e senhores, dentro de mais alguns instantes, estaremos dando início ao nosso desfile cívico. Solicitamos que não ultrapassem o cordão de isolamento pra não prejudicar o bom andamento do evento. Este desfile é uma iniciativa da Prefeitura de Nossa Senhora das Dores. Administração do competente coronel

Salustiano. Contamos com o patrocínio da cachaça Chora no Pau, um produto da nossa região.

A música ufanista era repetida sempre.

As escolas estavam alinhadas na rua principal. Tudo estava pronto para o primeiro desfile cívico da cidade.

O locutor anuncia:

- Sob o patrocínio da cachaça Chora no Pau, vamos iniciar nosso evento cívico, convidando as autoridades aqui presentes ou representadas para compor este palanque.

- Convidamos, em nome da cachaça Chora no Pau, Excelentíssimo Senhor Prefeito da nossa cidade, coronel Salustiano.

O povo aplaudiu entusiasticamente. (Também, diante de uma ditadura e com tantas mazelas, tinha mais que aplaudir mesmo).

- Convidamos agora, em nome da cachaça Chora no Pau, a Primeira Dama do Município e Presidente das Voluntárias Sociais de Nossa Senhora das Dores, a Senhora D. Emengarda.

- Convidamos, em nome da cachaça Chora no Pau, o Presidente do Poder Legislativo da nossa cidade, o vereador Antonio Esmeraldo de Oliveira, mais conhecido como Tonho da Cachorra.

E assim, de anúncio em anúncio, compuseram o palanque oficial por onde passariam as escolas e entidades do município. Sempre em nome da cachaça Chora no Pau, pois o Prefeito havia feito um acordo com o produtor da bebida que ele pagaria os custos do evento em troca de uma ampla publicidade.

A abertura foi feita pelo pelotão do Exército numa cadência acelerada e sem muito brilho, mas que o povo aplaudiu de forma entusiasmada. Após a passagem deste pelotão, o locutor anuncia:

- Com o patrocínio da cachaça Chora no Pau, convidamos o comandante do pelotão do Exército, presente em nossa cidade, o capitão Duarte.

Algumas pessoas aplaudiram, outras fizeram de conta que não ouviram.

O capitão subiu no palanque, cumprimentou as autoridades e se perfilou junto ao prefeito bem na frente do evento.

O desfile começou.

Primeiro passou o pelotão dos cavalos, montados por filhos dos fazendeiros da região. Os cavalos enquanto desfilavam cagavam no calçamento. Como a quantidade de cavalos era imensa, a rua ficou toda cagada, principalmente em frente ao palanque, onde se demorava mais.

O cavaleiro da frente carregava a bandeira nacional e os outros cavaleiros apenas bandeiras de papel.

Logo em seguida, veio a escola principal da cidade. Na frente da banda estavam três alunas. Cada uma carregava uma bandeira. A aluna do meio carregava a bandeira nacional, a da sua direita carregava a bandeira do Estado de Pernambuco e a da esquerda e bandeira do Município. Em seguida, vinham duas alunas carregando uma faixa com os dizeres:

                                        Eu te amo, meu Brasil

    As letras da faixa eram alternadas em verde e amarelo. Bem na baixa esquerda da faixa estava escrito com letras miúdas.

                                        Patrocínio: cachaça Chora no Pau

    Atrás da faixa vinha Esmeraldina, a filha do prefeito, com seu uniforme de baliza na cor branca. Tinha na cintura um trançado de fitas verde, amarela e azul. Na cabeça, um chapéu tipo cartola sem aba, com um penacho verde e amarelo e um cordão colorido passando por debaixo do queixo, para prender o chapéu. Calçava uma bota na cor branca com cano alto.

    O que mais chamava a atenção nela era uma verruga que tinha no queixo, que mesmo muito maquiada, não conseguiram esconder aquele arranjo. Tentaram inventar algo diferente pra esconder a feiúra da moça e pintaram seus lábios na parte de cima de verde e o lábio inferior na cor amarela.

    Ela carregava nas mãos um bastão na cor branca com um pompom em cada ponta sendo que um era verde e o outro amarelo. Este bastão subia de acordo com a cadência da banda.

    Esmeraldina vinha fazendo piruetas pela rua, escalava, fazia estrela, marchava, jogava o bastão para cima, rodava o bastão, passava ele entre as pernas e vinha marchando até chegar em frente ao palanque. Ali, ela teria que fazer todos os tipos de piruetas ensaiadas previamente para que depois a banda passasse numa cadência marcial, fazendo evoluções com um toque de caixa rufado constantemente.

    Durante os ensaios ficou determinado que Esmeraldina escalaria, jogaria o bastão para cima e rolaria no chão para pegar o bastão mais adiante. E assim foi feito.

    Mas, os cavalos haviam enchido o chão com merda, bem em frente ao palanque. Esmeraldina estava empolgada e escalou em cima de uma tuia, jogou o bastão e rolou por cima de outras tantas tuias.

Resultado: Esmeraldina estava totalmente verde, e a única coisa branca era o bastão que ela não havia deixado cair. O povo aplaudiu efusivamente, pois se tratava da filha do prefeito e o locutor falava:

    - Vamos aplaudir esta estrela da nossa cidade, sob o patrocínio da cachaça Chora no pau. 

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