[...]
é ruim ter que contar fatos como o do capítulo anterior, mas foi o que
aconteceu no país inteiro. Que o fato sirva de exemplo para que gerações futuras
nunca repitam esse tipo de crueldade. Que essa página da nossa história sirva
de lição pra que nunca mais tenhamos que sentir vergonha da nossa pátria.
Desculpem, mas eu tinha que contar um milésimo de um todo [...]
VAMOS AVANÇAR- NO TEMPO
No 07 de
setembro de 1964, o coronel Salustiano organizou uma parada cívica. Mandou
armar um palanque na rua principal da praça, e meses antes havia solicitado
das escolas públicas e particulares que se organizassem para o evento. As ruas
estavam embandeiradas de verde e amarelo, as escolas estavam com as suas bandas
ensaiadas e tinha um detalhe importante, Esmeraldina, a filha do prefeito,
seria a baliza da banda da sua escola. A euforia era total, não se comentava
outra coisa na cidade.
O serviço
de alto-falante executava a todo momento a música de Dom e Ravel com a seguinte
letra:
Eu te amo
Meu Brasil
Eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco
Azul anil
Eu te amo
Meu Brasil
Eu te amo
Ninguém
segura a juventude do Brasil
Era o
ufanismo patriótico implantado pela ditadura militar que tentava induzir
palavras de ordem:
Brasil,
Ame-o ou
deixe-o.
Ou músicas
que vieram mais tarde:
Esse é um
país que vai pra frente
Ou, ou, ou,
ou
De um povo
feliz e bem contente
Ou, ou, ou,
ou.
A verdade é
que nesse 07 de setembro de 1964, a cidade de Nossa Senhora das Dores teria a
sua primeira parada cívica em comemoração ao dia da independência.
O desfile
estava marcado para as 09 horas da manhã.
O coronel
Salustiano havia mandado confeccionar para aquela data, uma farda verde-oliva
com as insígnias de coronel. Mandou comprar em Recife um quepe na mesma cor da
farda e estava bastante animado para o evento. Na sua casa era uma agitação
imensa. D. Emengarda era a única que estava triste, pois putaquepariu havia
morrido há poucos dias e ela tinha um carinho enorme pelo cão.
Deoclécio
estava comemorando 18 anos de idade exatamente nesta data. Era um motivo a
mais para ser uma data especial para ele.
Tibúrcio
estava morrendo de inveja da sua irmã, como ela seria a baliza da banda da sua
escola, ele a invejava, mas não poderia jamais demonstrar sua viadagem.
Seu Roberto,
sentindo muitas dores nas articulações, estava com artrite reumatóide, tinha
joanetes nos dois pés, era hipertenso, estava diabético, tinha um esporão no
calcanhar direito, tinha uma lesão no menisco do joelho direito, a epífise do
fémur esquerdo estava atritando com o ilíaco, tinha uma lombalgia extrema,
dois bicos de papagaio, uma escoliose, uma catarata no olho
Victória
Régia estava toda arrumada se sentindo a terceira dama da cidade.
Com tudo
isso, seguiram todos para a cidade logo cedo, pois tinham que ajudar a arrumar
tudo para o grande dia.
Ao chegar
na cidade, Esmeraldina tratou de ir correndo para a escola. Tinha que se
maquiar e arrumar para o desfile.
Tibúrcio
deu um jeito de escapar e ir atrás do seu grande amor, Rodolpho com PH de
Pharmácia.
D. Emengarda
e Victória Régia foram pra casa do Dr. Silas, que embora muito doente, ainda
estava vivo e D. Carmem, que ficou feliz em receber a amiga de tantos anos.
Seu Roberto
ficou sentado perto do palanque vendo tudo o que se passava por lá.
O Coronel
Salustiano estava percorrendo as ruas e verificando se tudo estava pronto para
o desfile.
O locutor
oficial da cidade de vez em quando anunciava:
- Senhoras e senhores, dentro de mais alguns
instantes, estaremos dando início ao nosso desfile cívico. Solicitamos que não
ultrapassem o cordão de isolamento pra não prejudicar o bom andamento do
evento. Este desfile é uma iniciativa da Prefeitura de Nossa Senhora das Dores.
Administração do competente coronel Salustiano. Contamos com o patrocínio da
cachaça Chora no Pau, um produto da nossa região.
O povo ia
chegando. Cada um mais bem vestido que o outro. Roupas coloridas, chapéus de
palha, as mulheres com batom vermelho, enfim, todos procuraram se apresentar
de forma elegante no evento.
O locutor
informou mais uma vez:
- Senhoras e senhores, dentro de mais alguns
instantes, estaremos dando início ao nosso desfile cívico. Solicitamos que não
ultrapassem o cordão de isolamento pra não prejudicar o bom andamento do
evento. Este desfile é uma iniciativa da Prefeitura de Nossa Senhora das Dores.
Administração do competente coronel
Salustiano.
Contamos com o patrocínio da cachaça Chora no Pau, um produto da nossa região.
A música
ufanista era repetida sempre.
As escolas
estavam alinhadas na rua principal. Tudo estava pronto para o primeiro desfile
cívico da cidade.
O locutor
anuncia:
- Sob o patrocínio da cachaça Chora no Pau,
vamos iniciar nosso evento cívico, convidando as autoridades aqui presentes ou
representadas para compor este palanque.
- Convidamos, em nome da cachaça Chora no Pau,
Excelentíssimo Senhor Prefeito da nossa cidade, coronel Salustiano.
O povo
aplaudiu entusiasticamente. (Também, diante de uma ditadura e com tantas
mazelas, tinha mais que aplaudir mesmo).
- Convidamos agora, em nome da cachaça Chora
no Pau, a Primeira Dama do Município e Presidente das Voluntárias Sociais de
Nossa Senhora das Dores, a Senhora D. Emengarda.
- Convidamos, em nome da cachaça Chora no Pau,
o Presidente do Poder Legislativo da nossa cidade, o vereador Antonio
Esmeraldo de Oliveira, mais conhecido como Tonho da Cachorra.
E assim, de
anúncio em anúncio, compuseram o palanque oficial por onde passariam as
escolas e entidades do município. Sempre em nome da cachaça Chora no Pau, pois
o Prefeito havia feito um acordo com o produtor da bebida que ele pagaria os
custos do evento em troca de uma ampla publicidade.
A abertura
foi feita pelo pelotão do Exército numa cadência acelerada e sem muito brilho,
mas que o povo aplaudiu de forma entusiasmada. Após a passagem deste pelotão, o
locutor anuncia:
- Com o patrocínio da cachaça Chora no Pau,
convidamos o comandante do pelotão do Exército, presente em nossa cidade, o
capitão Duarte.
Algumas
pessoas aplaudiram, outras fizeram de conta que não ouviram.
O capitão
subiu no palanque, cumprimentou as autoridades e se perfilou junto ao prefeito
bem na frente do evento.
O desfile
começou.
Primeiro
passou o pelotão dos cavalos, montados por filhos dos fazendeiros da região. Os
cavalos enquanto desfilavam cagavam no calçamento. Como a quantidade de
cavalos era imensa, a rua ficou toda cagada, principalmente em frente ao
palanque, onde se demorava mais.
O
cavaleiro da frente carregava a bandeira nacional e os outros cavaleiros apenas
bandeiras de papel.
Logo
em seguida, veio a escola principal da cidade. Na frente da banda estavam três
alunas. Cada uma carregava uma bandeira. A aluna do meio carregava a bandeira
nacional, a da sua direita carregava a bandeira do Estado de Pernambuco e a da
esquerda e bandeira do Município. Em seguida, vinham duas alunas carregando
uma faixa com os dizeres:
Eu
te amo, meu Brasil
As
letras da faixa eram alternadas em verde e amarelo. Bem na baixa esquerda da
faixa estava escrito com letras miúdas.
Patrocínio:
cachaça Chora no Pau
Atrás
da faixa vinha Esmeraldina, a filha do prefeito, com seu uniforme de baliza na
cor branca. Tinha na cintura um trançado de fitas verde, amarela e azul. Na cabeça,
um chapéu tipo cartola sem aba, com um penacho verde e amarelo e um cordão
colorido passando por debaixo do queixo, para prender o chapéu. Calçava uma
bota na cor branca com cano alto.
O
que mais chamava a atenção nela era uma verruga que tinha no queixo, que mesmo
muito maquiada, não conseguiram esconder aquele arranjo. Tentaram inventar
algo diferente pra esconder a feiúra da moça e pintaram seus lábios na parte de
cima de verde e o lábio inferior na cor amarela.
Ela
carregava nas mãos um bastão na cor branca com um pompom em cada ponta sendo
que um era verde e o outro amarelo. Este bastão subia de acordo com a cadência
da banda.
Esmeraldina
vinha fazendo piruetas pela rua, escalava, fazia estrela, marchava, jogava o
bastão para cima, rodava o bastão, passava ele entre as pernas e vinha
marchando até chegar em frente ao palanque. Ali, ela teria que fazer todos os
tipos de piruetas ensaiadas previamente para que depois a banda passasse numa
cadência marcial, fazendo evoluções com um toque de caixa rufado
constantemente.
Durante
os ensaios ficou determinado que Esmeraldina escalaria, jogaria o bastão para
cima e rolaria no chão para pegar o bastão mais adiante. E assim foi feito.
Mas,
os cavalos haviam enchido o chão com merda, bem em frente ao palanque.
Esmeraldina estava empolgada e escalou em cima de uma tuia, jogou o bastão e
rolou por cima de outras tantas tuias.
Resultado:
Esmeraldina estava totalmente verde, e a única coisa branca era o bastão que
ela não havia deixado cair. O povo aplaudiu efusivamente, pois se tratava da
filha do prefeito e o locutor falava:
- Vamos aplaudir esta estrela da nossa cidade, sob o patrocínio da cachaça Chora no pau.
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