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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

0 CORONELISMO NA BAHIA - I

 É comum o uso da expressão "coronelismo", com acentuado cunho pejorativo, quase sempre com o intuito de ressaltar os aspectos negativos, da ação e influência, de indivíduos ou grupos dominantes. O vocábulo nos convida a recuar no tempo, até uma sociedade desamparada, onde a lei do mais forte era a única conhecida.

Impossível não associar o coronel da Guarda Nacional à imagem de um tirano bronco, parabellum à cintura, botas de cano longo, esporas de prata, rebenque à mão, olhar raivoso, sempre disposto a martirizar o humilde campónio pelo mais fútil dos motivos. Assim o encontramos descrito na tradição oral e em inúmeras literaturas, é assim, pois, que o inconsciente coletivo costuma caracterizá-lo. Não sem motivos. Abuso de poder, ambição desmedida e impunidade, são relatadas como prática ordinária entre os coronéis; quase todos donos de muitas terras, gado e gente.

Alguns destes homens ficaram conhecidos pela extrema crueldade com que tratavam desafetos, subalternos ou até mesmo, familiares que ousassem contrariá-los. Mas foram exceções. Em sua maioria absoluta, estes chefes interioranos, possuindo ou não a patente de coronel da Guarda Nacional, como tal eram tratados, graças ao respeito e liderança angariados no âmbito de suas comunidades. Liderança esta, assentada basicamente na prática do assistencialismo.

Diante da ausência de serviços públicos, na maioria dos municípios brasileiros, e em virtude da baixa qualidade de vida de seus habitantes, bastava que alguém tivesse alguns hectares de terra cultivada, acesso a três refeições diárias, um mínimo de conforto domiciliar, algum gado bovino e rudimentos de educação, para que fosse considerado afortunado, e de forma natural, galgado à condição de chefe da comuna. Era, portanto, para aquele considerado o mais venturoso dos munícipes, que recorria o miserável sertanejo ignorado pelo poder público.

O coronel substituía, de forma precária, e, muitas vezes, compulsória, importantes instituições sociais. De vezo, desempenhava a função da autoridade policial omissa, do juiz distante ou ausente, e do inexistente banqueiro; não necessariamente, nesta ordem.

Inegável que havia uma troca desigual, pois ao tempo que recebia parcos favores, o campesino emprestava prestígio político ao coronel através do conhecido "voto de cabresto", contribuindo assim, para maior ascensão social e política do suposto benfeitor, ao passo que ele quase nunca saía da situação de miserabilidade que nasceu, continuando na base desta rudimentar pirâmide social.

Com referência aos coronéis do sertão baiano, objeto deste ensaio, cumpre-nos resaltar que raros foram o que exerceram o poder pela força das armas frente à parcela mais humilde e desprotegida da sociedade. Mas quando assim agiram, foi de forma tão avassaladora, que ainda hoje essas façanhas, quando narradas nos terreiros das roças e fazendas, em volta das fogueiras, nas noites sertanejas prenhes de lendas e assombrações, provocam arrepios e insónia aos ouvintes.

Um nome sempre lembrado é o de Militão Plácido de França Antunes, poderoso e truculento coronel do vale do São Francisco, que já em idade avançada, arrebatou para si, a bela Sancha, jovem esposa de seu vaqueiro, elegendo-a senhora da Fazenda Caroá, reduto inexpugnável dos França Antunes.

O acaso, porém, conspirou para que Sancha fosse tomada de amores por Pedro Costa, humilde professor, contratado por Militão para ensinar as primeiras letras à sua linda e inculta concubina. Os rumores deste tórrido e perigoso romance, não tardaram a chegar aos ouvidos do coronel.

Interrogada, a infiel Sancha defendeu-se alegando ser vítima de assédio, não denunciando as investidas do educador para evitar uma tragédia. Arrebatado pelo ciúme, mas inteiramente subjugado pela amante a quem devotava cega paixão, Militão permitiu-se acreditar nesta versão.

Assim, satisfeitas as razões do coração, restavam as exigências do ego; então o ódio do velho tirano voltou-se para Pedro Costa, que avisado à socapa pela amante, saiu em fuga desesperada pelas ribeiras do rio São Francisco e matas adjacentes. Caninamente perseguido pela jagunçada de Militão, foi afinal capturado e conduzido à vila de Xique-Xique, distante muitas léguas da Fazenda Caroá.

Em julgamento presidido por um juiz tão aterrorizado quanto o réu, e um Conselho de Sentença composto por amigos e familiares de Militão, foi o professor condenado, insensatamente, à pena de morte pelo crime de sedução.

Relata-nos Wilson Lins, em seu excelente livro "O Médio São Francisco", que no dia determinado para a execução da sentença, foram transportadas em canoas para a pequena ilha do Miradouro, em frente à vila, várias pipas de vinho, fogos de artifício e comida em abundância. Ali, na presença de convidados pertencentes à aristocracia ribeirinha, foi realizado um banquete, onde além de vitelos assados, carneiros cozidos e bebida à vontade, foi oferecido aos convivas, o horrendo espetáculo do esquartejamento de Pedro Costa.

Durante dias, por ordem do déspota do Caroá, ficaram expostos aos olhos assombrados dos habitantes de Xique-Xique, as vísceras, os membros mutilados e a cabeça empalada daquela pobre vítima do poder absolutista.

Nesta galeria de coronéis truculentos, um outro nome que sobressai pé o de Aureliano Gondim, poderoso chefe político, proprietário de muitas terras e garimpos na Chapada Diamantina. Aurélio da Passagem como era mais conhecido, exercia o mandonismo, segundo relatos de contemporâneos, com crueldade peculiar, pois costumava temperar os castigos impostos a desafetos, com pitadas do mais autêntico humor-negro.

Conta-se que num dia de feira-livre, no povoado de Igatu, domínio e domicílio daquele coronel, um jovem garimpeiro, recém-chegado, emitiu um assobio malicioso ante a passagem de uma bela e desconhecida cabocla. Era filha do temível Aurélio.

Denunciado por bajuladores, o trémulo rapaz foi conduzido por cabras armados à presença do coronel, o diálogo ocorrido é uma peça de surrealismo:

- Intonce é você o moleque que assubiou pra minha filha?

-       Deus me livre sêo coroné! Essa atrapaiação todinha é porque eu sou muito alegre! Vivo assubiano o tempo todo. Lá nos garimpos o povo inté me chama de Passarim!... Nem vi que a filha de vosmicê tava de passage na minha frente...

Depois de um silêncio interminável onde parecendo absorto, Aurélio cofiava a longa barba, e o aflito garimpeiro antevia sua terrível punição, o veredicto foi anunciado com voz pausada e aparente simpatia.

- Já que o moço é quase um musico, então tá perdoado. Um artista merece nosso respeito!

Ante os olhares espantados da sua cabroeira, levantou-se, atravessou a sala, pegou o chapéu no cabide, e ao chegar à porta, conclui:

- Mas também não vamos perdera oportunidade de cunhecêa sua arte... Ele vai ficar aí, assubiando procês, que eu vou inté a fazenda vê os pastos e volto. Se parar de assubiar um minuto que seje... Cortem o beiço dele.

Dizem, que ao retornar já quase à noite, riu incontrolavelmente ao encontrar o infeliz rapaz, com o lábio inchado, cercado por homens ferozes, assoviando uma alegre melodia enquanto lágrimas lhe desciam pela face.

Em outra ocasião, Aurélio da Passagem, estando em viagem de inspeção a suas minas de diamantes, surpreendeu um dos transportadores de cascalho deitado em uma esteira, à sombra de uma árvore, enquanto outros trabalhavam. Indagando ao capataz do garimpo o motivo daquela suposta indolência, foi informado que o sujeito havia alegado forte dor estomacal após o almoço.

Os relatos oriundos da tradição oral divergem sobre o que motivou o procedimento despropositado que se seguiu; uns dizem que o coronel viu aquilo como um precedente perigoso, um mau exemplo a ser repetido por diversos garimpeiros a seu serviço; outros afirmam que ele apenas encontrou um pretexto para dar vazão ao sadismo que o dominava.

O fato, é que, imediatamente, apeou do cavalo e ordenou a um de seus capangas que fosse até uma das choupanas que serviam de rancharia para os garimpeiros, e lhe trouxessem óleo de mamona; produto bastante usado naquela época como combustível para candeeiros, mas eventualmente, também empregado como beberagem para animais de grande porte, dado seu forte poder purgativo. Em seguida, mandou trazerem à sua presença, o garimpeiro achacado e obrigou-o, sob a mira de uma pistola, a beber o conteúdo da candeia. Não satisfeito, concluiu sua diatribe com uma determinação perversa a seus jagunços.

- Levem este cabra preguiçoso pra bem longe daqui. E prestenção: se ele 'despachar' em meus garimpos, acabem com a vida dele!

Sentado à sombra de uma gameleira, enquanto fumava um forte charuto, o coronel observou seus capangas escoltarem o infeliz cascalheira para fora de seus domínios. Ao regressar horas depois, a jagunçada relatou ao histriónico chefe, que depois de algum tempo de caminhada, o garimpeiro começou a ficar agitado e a todo instante perguntava:

- Aqui já pode?

- Não!

Após penosa légua,  já não suportando as dores lacerantes no ventre, volta a inquirir:

- E agora posso fazer as "necessidades"?

- Aqui inda é o chão do coroné, continue andando.

À meia voz, o pobre miserável constata desalentado:

- Vige! O home é dono do mundo... Benza Deus!

Até que em um certo momento, num gesto de extremo desespero, arremete em tresloucada corrida mata à dentro, para contentamento da cabroeira que jocosamente efetua disparos para o alto. O garimpeiro escapou, levando consigo além da preciosa vida, calças e dignidade inteiramente borradas.

Como contraponto a estes régulos de aldeia, muitos outros coronéis foram imensamente estimados por sua gente. Dentre eles, não podemos esquecer de Francisco Dias Coelho, que durante anos comandou a vida política do município de Morro do Chapéu, sem nunca ter possuído uma arma ou jagunços a seu serviço. Diplomata por excelência, nos anos vinte, período particularmente convulsionado do sertão baiano, cenário de sangrentas lutas entre clãs da Chapada Diamantina; Dias Coelho tornou sua cidade conhecida todo o conflito. Era para Morro do Chapéu que parcela considerável da população residente nas zonas onde ocorriam enfrentamentos, e combatentes feridos ou derrotados, demandavam em busca de abrigo. Naquele território neutro, sabiam estar a salvo; um oásis de civilidade meio ao deserto da intolerância.

João Mendes da Costa. Capitulo seguinte

Francisco Otávio L. Ferreira Secretário Adjunto do IFiGFS Estudante do Curso de Jornalismo (UNEF)

Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - Revista: Ano 1 Nº 1 2004

Um comentário:

  1. Olá, onde posso encontrar registros/fontes sobre a fazenda caroá e os França Antunes?

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