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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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segunda-feira, 19 de outubro de 2020

0 CORONELISMO NA BAHIA - III


HORÁCIO QUEIROZ DE MATTOS

O lendário Horácio Queiroz de Mattos, poderoso coronel baiano, intuía a importância deste legado. Nascido na fazenda Capim Duro, nas serranias da Chapada Diamantina, onde desde os primeiros anos aprendeu a labutar nos garimpos, não possuía instrução formal, mas era dono de uma capacidade ímpar para entender seu tempo, gente, preceitos e tradições. E deu mostras dessa clarividência, em junho de 1919, quando tomou duas decisões segundo o severo código de justiça e honra herdado dos antepassados.

Após cercar com seus jagunços e combater cruentamente por cinco meses, a povoação de Barra do Mendes, condenando os sitiados a sobreviver alimentando-se de animais de estimação, ratos e utensílios de couro como malas, selas e sapatos; Horácio recebeu na trincheira cavada em torno do lugarejo, a visita de uma delegação enviada pelo Coronel Militão Coelho, chefe da comuna e visceral inimigo da família Mattos, há décadas. Empunhando bandeira branca, os cavaleiros propunham uma rendição honrosa, já que não possuíam mais meios para combater o grupo de Horácio. Os sitiantes que também estavam bastante desgastados com aquela guerra sangrenta que já havia deixado mais de 400 mortos, entre os combatentes, aceitaram a rendição nos termos oferecidos.

Ficou acordado que no dia seguinte, 08 de junho, pacificamente, sem molestar os habitantes, Horácio de Mattos entraria na localidade, quando então o chefe dos vencidos deporia as armas e abdicaria do poder sobre Barra do Mendes. Porém, na noite do mesmo dia, o velho coronel Militão, contrariando uma antiga e universal tradição guerreira, ao invés de permanecer ao lado da sua grei, resolve fugir, levando consigo seu filho de 27 anos, e alguns jagunços de confiança; deixando para trás outros filhos, a esposa Maria da Glória, e o restante da parentela.

Na manhã seguinte, ao chegar triunfalmente na vila, montado em um belo cavalo baio, à frente de seus jagunços, Horácio ficou decepcionado ao ser recebido por Joaquim Sodré, o mesmo indivíduo que no dia anterior, havia chefiado a comitiva de capitulação. Subdelegado, e cunhado de Militão Coelho, foi visivelmente constrangido, que Joaquim Sodré reportou a abjurante e pouco digna atitude do velho coronel.

Após ter tomado posse da vila, e proibido qualquer represália contra os familiares do inimigo, como pretendiam alguns dos seus homens, Horácio de Mattos ordenou uma ferrenha caçada aos fujões.

Surpreendidos alguns dias depois, escondidos nas matas que circundavam a serra da Catuaba, não muito distante de Barra do Mendes, os fugitivos entraram em ligeiro combate com os perseguidores, e mais uma vez Militão Coelho deserta, deixando no campo da luta, Nestor Coelho, o filho que o acompanhara na escapada noturna. Capturado, o rapaz é conduzido à presença de Horácio, que numa decisão magnânima, já que tinha perdido dois irmãos, mortos em combate contra Militão, ordena que o prisioneiro seja libertado e encarrega-se pessoalmente, de entregá-lo ileso à mãe, D. Maria da Glória.

Este gesto de benevolência e também de astúcia política, rendeu ao chefe jagunço a simpatia da comunidade, sendo inclusive convidado para almoço de júbilo na casa de Joaquim Sodré, tio do recém liberto Nestor Coelho.

Estava Horácio ainda à mesa de refeição, quando um cavaleiro refreia a montaria na porta da casa, e muito sobressaltado, vem lhe dar conta de um grave incidente envolvendo jagunços das duas facções que estiveram em luta por meses. Conforme relatou, após o combate da serra da Catuaba, um dos sequazes de Militão, de nome José Auto, que conseguiu fugir durante o entrevero, voltou para sua moradia em uma distante povoação onde se homiziou. Informado do fato, Chico Moreira, jagunço de Horácio, partiu no encalço de José Auto; porém, chegando no endereço indicado, encontrou a esposa deste, sozinha e em avançado estado de gravidez. Inconformado com a viagem debalde, Chico Moreira iniciou uma sessão de tortura física e psicológica para que ela indicasse o paradeiro do marido. Após horas neste suplício, sem obter resultados, num ato de extrema perversidade, punhal à mão, ele decide que irá abrir a barriga da pobre infeliz como vingança. Neste momento, José Auto que estava escondido nas proximidades da casa, não mais resistindo às súplicas de sua esposa, por misericórdia, reúne a pouca coragem que possui e do terreiro da casa, atira no malvado jagunço, que, ferido, corre para a povoação de Barro Alto distante três léguas de Barra do Mendes. De lá, sem mais poder prosseguir, Chico envia por aquele portador, recado a Horácio de Mattos pedindo remédios para curar o ferimento.

O ainda jovem chefe sertanejo ouve a narrativa e percebe que as circunstâncias o estão levando a tomar difícil decisão. Apesar de reconhecer os serviços prestados por Chico Moreira durante os vários meses que estivera em peleja contra Militão, também sabe que o respeito à família, principalmente do inimigo inerme, é, sobretudo, um dever do combatente que luta com honra; regra inquebrantável transmitida por gerações da tribo dos Mattos.

Horácio, morigeradamente, despacha de volta o emissário dizendo-lhe que tomará as providências cabíveis. Em seguida, sinaliza para que se aproxime seu jagunço de maior confiança, de quem quase nunca se aparta, e diante dos anfitriões e demais comensais que, em silenciosa expectativa, aguardavam sua decisão, determina:

- Vá urgentemente providenciar o remédio do Chico Moreira.

O cabra apenas balança a cabeça afirmativamente e sai. Minutos depois retorna e pergunta hesitante: - Coroné, eu levo o remédio que o homem carece, ou o que ele merece?...

- E tu por um acaso, é dono de butica?

O jagunço retira-se sem mais perguntas e o almoço continua animadamente.

No dia seguinte, Chico Moreira é executado com dois tiros. Justiça feita conforme "merecimentos" da tradição jagunça.

Por outro lado, o coronel Militão Coelho, também demonstrou, de forma peculiar, que o desrespeito a princípios atávicos, não poderia ocorrer impunemente; sendo ele mesmo, réu, juiz e executor de sua sentença.

Após uma tentativa inócua de retomar, pela força das armas, a vila de Barra do Mendes, Militão refugia-se no município de Pilão Arcado, na casa do coronel Franklin Lins de Albuquerque, amigo e correligionário político. Sabendo-se estigmatizado pelo comportamento pusilânime ante seu maior inimigo, Horácio de Mattos, cai em profunda depressão. Finalmente enclausura-se num quarto, em absoluto silêncio, e num processo de autodestruição recusa água, alimentos, fuma incessantemente, até que morre por adinamia. Uma forma obstinada e cruel de suicídio, como a mostrar para sua gente, quanto prezava a dignidade perdida seis meses antes, naquela canhestra fuga de Barra do Mendes.

Seus restos mortais repousam atualmente sob as águas barrentas do rio São Francisco, no cemitério da antiga cidade de Pilão Arcado, inundada pelo lago de Sobradinho em 1977.

Horácio de Queiroz Mattos, naquele tempo, já avultava como o mais respeitado e temido coronel que a Velha República baiana conheceria. Seu nome passa a ser notícia nos jornais de Salvador; aqui como um líder regional, ali como um chefe de temíveis bandoleiros dos sertões. Pontos de vida díspares explicáveis pelo sectarismo dos jornais baianos, atendendo sempre a interesses momentâneos dos grupos oligárquicos a que pertenciam seus proprietários.

É nesta conjuntura que as eleições para o executivo baiano acontecem e sai vitoriosa a chapa governista encabeçada por José Joaquim Seabra, derrotando a chapa oposicionista representada por Paulo Martins Fontes, juiz Federal, apadrinhado por Rui Barbosa, o Águia de Haia. Eleição esta, como todas antes e muitas depois, feita a bico-de-pena, não refletindo necessariamente a vontade popular, haja vista que a posse do governador depende da Assembleia Legislativa, quase sempre controlada pelo partido dominante e pronta a proceder à verificação de poderes, proclamando eleito o candidato governista.

Exaltado como paladino da justiça, e defensor intransigente das instituições democráticas, Rui Barbosa, alegando falta de lisura nas eleições, não admite a derrota de seu candidato, e, junto com correligionários, busca uma forma de reverter o quadro eleitoral, lançando mão, entretanto, de expediente contrário as suas famosas pregações cívicas. O plano é convulsionar o Estado da Bahia de modo que deixe como única alternativa ao presidente Epitácio Pessoa, decretar uma intervenção federal, onde em última instância, resultará na anulação das eleições baianas. Mas o ardil só é exequível com a mobilização de homens, em armas, e para isso precisam do apoio dos belicosos coronéis interioranos. Alguém lembra então, o nome daquele jovem caudilho da Chapada Diamantina, famoso pela coragem, e imensamente prestigiado no seio da população sertaneja.

Aprovada a sugestão, os integrantes do partido oposicionista entre eles Ernesto Simões Filho, Luiz Viana, Otávio Mangabeira, Pedro Lago, João Mangabeira e outros baianos ilustres enviam através do amigo comum, Manoel Alcântara de Carvalho, carta a Horácio, convidando-o, em nome de Rui Barbosa, para uma suposta cruzada redentora dos sertões. Oferecem- lhe ainda ajuda financeira, armas e apoio nas imprensas baiana e carioca para liderar um levante armado que partindo do interior, chegue à Capital, deponha o atual governador Antônio Muniz, e impeça a posse do recém eleito, J.J. Seabra. Rui e os demais sabem que esta é uma façanha sangrenta e de resultado quimérico; mas de fato lhes interessam mesmo é alarmar o centro do poder no Rio de Janeiro, provocando a desejada intervenção.

Horácio, assim como uma parcela expressiva de outros chefes sertanejos, encontra-se profundamente revoltado com os desmandos do atual governante baiano; não é difícil, portanto, para os conspiradores, convencê-lo a capitanear o movimento armado, e o nome do ilustre Conselheiro da República entre os mentores do movimento é fator determinante para que aceite o convite.

Já naquele tempo, apontados nos discursos acadêmicos como uma mácula social; responsabilizados pelas mais brilhantes mentes da embrionária república brasileira, por cercear o desenvolvimento nas regiões agrárias, os coronéis, subitamente, passam a ser aclamados defensores das classes oprimidas, redentores do sertão. Esta transmutação engendrada por Rui e seus prosélitos, se evidencia nas apoteóticas matérias de jornais oposicionistas, em inflamados comícios relâmpagos improvisados nas ruas de Salvador, e até mesmo em pronunciamentos no Congresso Nacional.

Neste xadrez político-eleitoreiro, os líderes tribais são meros peões, e o sangue que borbotará nos carreiros, caatingas, vilas e lares do sertão baiano irá figurar na história como resultado de conflito entre jagunços sanguinários, eis a sordidez da política partidária amesquinhando homens; apequenando almas.

É, pois, entusiasmado com a possibilidade de estar ombreado com o notável Rui Barbosa, num levante popular, que Horácio de Mattos reúne sua tropa descalça. Aproximadamente dois mil homens, dorsos acobreados pele causticante sol diamantino, pés abrutalhados pelo cascalho cortante dos garimpos, mãos calejadas pelo cabo da foice ou bordas de bateia, músculos enrijecidos pela labuta diária nas grunas escarpadas, são alçados em questão de dias, à condição de guerreiros; irmanados e dispostos a seguir àquele que consideram um igual, nascido no mesmo berço humilde. Este é o perfil do Exército caboclo de Horácio de Mattos, o Coronel-Jagunço.

Ver também:

O CORONELISMO NA BAHIA I

O CORONELISMO NA BAHIA II


Horácio Queiroz de Mattos. Capitulo continuação final

Francisco Otávio L. Ferreira Secretário Adjunto do IFiGFS Estudante do Curso de Jornalismo (UNEF)

Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - Revista: Ano 1 Nº 1 2004

 

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