Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, mais conhecido como Chatô jornalista, escritor, advogado, professor de direito, empresário, mecenas e político brasileiro. Destacou-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil entre as décadas de 1940 e 1960.
Se alguém perguntasse a
um gentleman este caso do Joaquim Camera, que desacatou o interventor da Bahia,
o inglês não trepidaria em nacionalizar o autor de semelhante gesto em alguma colônia
de horrores ou qualquer outra tribo africana. Para o jovem doutorando bahiano
só existe um epitheto: o de covarde. Quem leu a exposição serena, imparcial, do
capitão do porto da cidade de Salvador, mão poderá atingir outra solução.
Quando por duas vezes desacatou o chefe do executivo, sabia o protagonista dessa
façanha que estava em presença de um homem que não podia revidar-lhe. Pois como
presidente do Estado poderia atracar-se com o impostor, com um maleducado e dar-lhe
a lição que ele merecia, no próprio local da sua insolência? Logo, vexando como
vexou, o interventor da Bahia, aquelle que assim agiu estava certo, de antemão,
que nenhuma represália, seguramente certo, de antemão, que nenhuma represalia lhe
deveria vir pelo seu atrevimento. E tanto Joaquim Camara descontava o sucesso
da sua grosseria, que, chamado pelo dono da festa à ordem fez-lhe ouvidos de
mercador. Foi preciso que a festa fosse suspensa, para que o descessem ao
camarote do commandante do navio, onde ele continuou a se portar com
incoveniencia de que o capitão do porto da cidade de Salvador nos dá miudamente
notícia.
***
Juracy Magalhães |
A
primeira incivilidade do provocador do incidente com o capitão Juracy Magalhães
está, portanto, no local elegido por ele para o desacato. Convidado para uma
festa a bordo de um vaso de guerra, as regras mais elementares da educação
estavam lhe dictando a conduta a observar para os outros convivas do comandante
e officiaes do navio. Tinha Camera alguma differança a resolver com o
interventor da Bahia? Todos os pontos públicos da cidade estavam, por assim
dizer franqueados à sua coragem. Trepasse no carro do interventor e o aggredisse;
fosse espera-lo da rua, na porta do palácio, onde quer que lhe aprovesse. Mas
não escolhesse numa casa de outrem, qual se encontrara como convidado, para cometer
uma vilania, que só recomenda para mais ignóbeis missões na sociedade. Um
cavalheiro não se faz convidar a uma festa, no círculo de terceiros, para
transformar essa reunião em theatro de desforços pessoaes a exercer contra seus
inimigo se então precisa estar totalmente desequilibrado nunma paixão política...[1] o autor de uma[2] tão pouco recomendável[3] polidez daquele que teve o
desatino de a consumar. Se há Bahia jornaes que que estejam defendendendo
estudante destemperado, é que os dirctores desses periódicos terão batido em
pirralhos tudo que quiserem as normas agradáveis de polidez e da urbanidade,
estive já por duas outras vezes na Bahia, e não me canso de proclamar os
bahianos e as bahianas também, a gente talvez mais finas mais finas e graciosas
do Brasil. Quero crer que existam apllaaudindo o gesto do Camera. Mas
certamente os diretores dessas gazetas serão menos bahianos do que especimens
afro-brasileiros, mesclas de bantus com um vago sangue aryano...
***
Mas o protagonista scena estupida do “Vital Oliveira” ao
sofrer a escravidão de um ímpeto passional, não offendeu apenas os donos da
festa, de quem era ele hospede, nem a autoridade do primeiro magistrado de sua
terra, a quem se dispôs desacatar. Elle dansava com uma senhora. Tinha pelo
braço uma dama, que convidara a bailar, e não para que ella o assistisse a atropelar
um homem púbico com o qual premeditara um ajuste de contas, naquele momento,
abalroando-o duas vezes consecutivas. Que espécie de cavalheiro será esse moço
desequilibrado, tonto, que tendo uma senhora pelo braço, vai com ela
voluntariamente esbarrar em outro cavalheiro, que ele reputa seu adversário político?
Na vulgaridade dessa acção se reflete máo gosto de quem teve quase a demência de
a praticar. Pelo pouco que conheço da Bahia, não acredito que a sua sociedade,
esmaltada de nobres virtudes, chegue a se solidarizar com um adventício do círculo
de pessoas de bem, e que nelle se infiltrou como representação do que a suburra
conta de mais baixo e menos interessante.
***
Para
quem conhece de perto a índole do interventor bahiano um incidente como esse é
tudo quanto existir de menos agradável. O escândalo publico constitui um contraste
polar com sua natureza discreta ne retrahida. Contava-nos a saudosa Olivia
Penteado que quando esteve no congresso Eucarístico da Bahia o interventor
bahiano a acompanhou, bem como outras paulistas gratas, através de várias
excursões. Mais, porém, chegavam os photographos, logo ele se esquivava, como
quem se obstinava em não confundir um traço de hospitalidade com qualquer
especulação política. E na alma de todos os paulistas ficou gravada a finura
dalma daquele temperamento de eleição, em quem as lutas de fogo e sangue das
revoluções não fizera secar os tons íntimos da delicadeza e da sensibilidade. A
attitude do capitão Juracy Magalhães, defendendo a Bahia, é de um rude
trabalhador, cheio enthusiamo pela coisa pública e em guerra aberta aos
coveiros mais abomináveis do crédito e do trabalho bahianos. A Colligação
autonomista, formada contra o seu fecundo governo, tem como eixo a ambição e
como alvo o amando. Podem todos os carcomidos bahianos coligar-se. Nem por isso
a grande maioria desses fructos, com exceção de um Octavio Mangabeira, deixará
de ser a ultima expressão da politicalha, inimiga, dos melhores valores da sua
terra, inclusive Ruy Barbosa, a quem os colligados de hoje negaram tantas vezes
tudo que agora negam ao capitão Juracy Magalhães, a começar o gênio que
fulminavam os raios solares do velho servidor da democracia.
***
Esses amores passionais e dramaticos, de que os peores
exploradores da honra bahiana resolveram tomar-se pela autonomia do seu estado,
é uma velhaca atitude theatral, dos indivíduos mais vazios d’alma, que ainda conheceu
o Brasil. Fingem-se enamorados da honra bahiana , os sequazes dos tenentes de
1912, que bombardearam e ensanguentaram o seu Estado, sob aplllausos desses
artistas muito nossos conhecidos. Os que clamam contra o tenente administrador
excepcional de 1934, são os mesmos empreiteiros dos tenentes obscurantistas de há
22 annos atrás, que tomaram de assalto a Bahia, graças as bocas de fogo de São
Marcelo, às esporas de um general desabusado e ao repudio das leis mais transparentes
de inelegibilidade. Jornalistas e políticos encanzinados contra o tenente cearense,
que reabilitou a Bahia, salvando-lhes a prosperidade, eram em 1912 famulos e
alcovêtas dos militares adventícios, cuja passagem, pela história bahiana, Ruy
Barbosa gravou em paginas de fogo, eternas como a claridades estelares.
Publicado no jornal "Folha do Norte", 05 de janeiro de 1933.
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