Desembargador aposentado. Membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas e da Academia de Letras de Pão de Açucar(Al). Ex-presidente do Instituto Sergipano de Estudos da Constituição.
Talvez por alguma conexão cerebrina vem-me à memória a leitura que fiz, há muitos anos, do livro de autoria do escritor Paulo Setúbal, falecido em 1937, cujo título adotei para este texto.
Ali há relatos das estripulias
protagonizadas por Dom Pedro I , muitas
delas expondo-o ao ridículo.
Para ficar apenas numa
das diversas registradas pelo autor do
livro, assinalo uma passagem
interessante.
Uma companhia de teatro
fazia uma das suas exibições na
principal casa de espetáculos do Rio de
Janeiro (se é que havia outras, naquela época).
Na platéia, a entourage da Corte e as famílias mais
aristocráticas da Capital do Império.
Como parte da
apresentação artística, uma jovem bela e
sedutora integrante do elenco da
Companhia, cantava e bailava, rodopiava
e trinava, com absoluta harmonia nos gestos e na ondulação da voz em suas inflexões mais perfeitas.
Magnífica
apresentação!
Evohé, era a expressão dos mais exaltados, que
dominava o ambiente.
Dom Pedro, que não se
fazia acompanhar da sua esposa Dona Leopoldina, tomou-se de repentina e explosiva
paixão pela cantora e dançarina e, assim arrebatado, já aguardava na coxia o fechar da cortina
para prostrar-se, de joelhos, ante a sedutora jovem e declarar-lhe todo o seu
amor e devoção.
E foi o que fez.
Esquecera, porém, Sua
Majestade, de um detalhe que, no caso, dada a importância simbólica do
personagem varão, transfigurar-se-ia num
ridículo atroz: quando um artista em
cena é efusivamente aplaudido pela
platéia as cortinas que acabaram de
fechar-se são reabertas para suas novas mesuras de agradecimentos e para
deleite dos que o aplaudem.
Reabrem-se, então, as
cortinas e o Imperador é flagrado pelo público naquele burlesco gesto impulsivo que, mesmo os jovens, se
precatam em fazê-lo publicamente.
Foram vários e
igualmente nocivos para Sua Alteza e para o Brasil, os arreganhos
inconsequentes do Imperador.
E mais não ocorreram
graças à sobranceria e pertinência de um
José Bonifácio de Andrada e Silva, consagrado mais tarde como o Patriarca da
Independência.
Hábil, culto, respeitadíssimo
na ambiência política e fora dela, com coragem cívica e desapego a
títulos, credenciara-se para confrontar
as estultices de Sua Alteza;
habilitara-se a tentar despertar-lhe a
consciência das suas imprecações.
Obteve algum êxito em
seu propósito de racionalizar o Imperador, embora este mesmo o tenha mandado
para o cárcere certa feita.
Contudo, tanta era a
dignidade de José Bonifácio que, num dos seus lampejos de lucidez Dom Pedro I,
ao deixar o Brasil e retornar para
Portugal, o nomeara tutor do seu filho D. Pedro II.
Antônio Edson |
Atualmente
estamos assistindo a um torneio de insanidade, aguardando o surgimento de um
novo José Bonifácio, se não para eliminar, ao menos para conter alguns desses ímpetos de insensatez.
Texto enviado pelo santanopolitano Antônio Edson.
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