Hugo Navarro da Silva |
Um dos fundamentos mais antigos da superioridade da
democracia sobre outros regimes políticos está na crença de que “a voz do povo é a voz de
Deus”, expressão usada por Hesíodo,
poeta grego, e pelo próprio Aristóteles, mas atribuída, pelo teólogo e
professor Albino Flaco Alcuino, ao imperador Carlos Magno e empregada pelo
arcebispo de Canterbury, Walter Reynolds,
na cerimônia de coroação do Rei Eduardo III. Já houve, entretanto, quem
qualificasse a afirmativa de “mal entendido máximo” e o conde Romanones condenou a frase
afirmando ser impossível esquecer que Jesus
Cristo foi crucificado pelo povo. Celebrado
teatrólogo francês escreveu que se o
povo é amo e senhor a anarquia fatalmente se estabelece e o nosso marquês de
Maricá não hesitou em dizer, nas suas “Máximas”, que a democracia é como a
tesoura do jardineiro. Decota para igualar. “A mediocridade é o seu elemento”.
Winston Churchill, a quem a humanidade muito deve por sua
tenaz luta de “sangue, sofrimento, lágrimas e suor” contra o nazi-fascismo que
estava avassalando o mundo, disse, em
discurso na Câmara dos Comuns, que faria referência favorável ao diabo se
Hitler invadisse o inferno, definiu
democracia como a pior forma de governo, mas tem de ser adotada porque
ainda não apareceu outra melhor. O mais conhecido conceito de democracia,
citado largamente pelos políticos e pelo povo em geral, é o de que “democracia
é o governo do povo, para o povo e pelo povo”, da autoria de Abraham Lincoln,
no célebre discurso de Gettysburg, de dois minutos, mas considerado o maior
discurso do mundo. Lincoln, o mais importante dos presidentes dos EE.UU.,
conquistou fama de sabedoria e bom senso, grandeza e sobriedade por sua conduta
na vida pública e na vida privada. Livrou os EE.UU. da escravidão, em guerra
sangrenta, e garantiu a unidade territorial de seu país. Era, no dizer de
Menotti Del Picchia, “estoico na dor e hábil no governo”. Mesmo assim tem
encontrado críticos mordazes, como Dale Carnegie, que o apontava como
simplório, bodoso e vítima de esposa que o tiranizava. Recente filme dá a
entender que o trabalho de Lincoln para aprovar, no Congresso, a emenda
constitucional da abolição da escravatura assemelhou-se ao do “mensalão”
brasileiro, que deu com os costados no Supremo Tribunal Federal. Pelo menos o
de lá tinha finalidade nobre.
Guardadas as proporções, no particular da preservação do
território nacional, a obra de Lincoln assemelha-se, no Brasil, à luta do
presidente Floriano Peixoto, sem cuja energia e destemor belicoso o país
provavelmente estaria, hoje, dividido sabe-se lá em quantas partes. Floriano teve de enfrentar, a ferro e fogo, inclusive a
perigosa Revolta da Armada.
A democracia tornou-se tão importante na vida política do
mundo, que não há tiranete de terceira classe
ou ditaduras de grandes potências que não se intitulem de democratas.
O regime democrático, entretanto, não é somente fruto da
vontade do povo. Vive, também, da diversidade dos partidos. A tendência para o
partido único, que se vem manifestando claramente neste país, é a negação do regime
democrático.
Uma democracia, que mereça tal nome, assegurando,
principalmente, o direito à liberdade em todos os sentidos, depende,
essencialmente, da existência de partidos independentes, que defendam posições
firmes e exerçam tenaz missão fiscalizadora.
O que vem ocorrendo, ultimamente, no Brasil, é que partidos
são criados (alguns já nascem fortes) somente para apoiar o governo e disputar lugar no banquete dos favores
governamentais. É o esboço da perigosa
ameaça do partido único, que por ora resulta em dificuldades e tropeços
insuperáveis porque se muitos são os chamados, poucos serão os escolhidos,
aqueles a quem são oferecidas migalhas e, às vezes, o caminho da cadeia.
Hugo
Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio
Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do
Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria
produzida
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