Hugo Navarro Silva |
A Semana Santa no passado era a semana inteira. Desde a
segunda-feira exigia-se redobrado respeito pelo silencio, convenções sociais e
costumes religiosos. A meninada sofria restrições infernais: nada de
brincadeiras, bola e algazarra. Silêncios tumulares somente quebrados na azáfama
da cozinha, no preparo dos acepipes, maravilhosos, que faziam as delícias da
época. As mudanças nos hábitos da população restringiram a Semana Santa
praticamente à noite da quinta e à sexta, transformada em feriado nacional. Houve
mudanças radicais. Em certa época a rapaziada, já na quarta-feira, à noite,
enchia a zona para o “fechamento do
balaio”, às vezes ruidosamente reaberto no sábado de aleluia, quando começavam
as inúmeras queimas de Judas com o que o povo voltava, gostosamente, ao velho
pecado de Adão e Eva, graças ao qual o mundo
é mundo. As transformações sociais reduziram as solenidades e os temores
da Semana Santa, que hoje ficou quase irreconhecível, de modo que não deixa de
ser interessante o esforço de alguns pelo retorno dos hábitos e contrições não dos
anos quarenta, mas da Idade Média,época que o Brasil não alcançou, na sua
inteireza, a não ser por intermédio de livros de
História.
Essas tendências para as restrições e costumes de antanho aparecem, de vez em quando, por intermédio de documentos
legislativos partidos ou de alguém desejoso
de nova época de trevas ou de
quem não resiste à insuperável tendência para a mais grosseira das demagogias, a que tenta explorar os sentimentos de
religiosidade do povo.
Às vésperas do “fechamento do balaio” foi lembrada, nesta
cidade, com as ameaças de praxe, Lei, que proíbe o funcionamento de bares e
congêneres na Sexta-Feira Santa. Não sabemos por que não se proíbe a Coelba de
fornecer iluminação pública naquele dia.
Tal Lei é maluquice. Não encontra
nenhuma justificativa válida, salvo, mal arranjada, a de que é necessário
coibir a criminalidade.
Ora, na Sexta-Feira Santa os bares nesta cidade naturalmente
estão fechados ou porque os donos têm motivos religiosos ou porque falta
freguesia em data de comemorações, contrições ou excessos domésticos até porque
“ninguém é de ferro” e a data pede vinho. A aplicação da Lei, pelo menos no
noticiário, assumiu proporções dramáticas, com o pronunciamento de várias
autoridades e a convocação da Guarda Municipal para a tarefa de punir donos de
bares e restaurantes que vendem bebidas alcoólicas, sujeitos, normalmente, às
penas da chamas dos infernos eternos
acrescidas de multas, fechamento compulsório e cassações. Somente
Torquemada, o “Martelo dos Hereges”,ou qualquer outro Inquisidor-Mor seriam
capazes de semelhante providência.
Felizmente, ao que tudo indicava, apenas órgãos do Executivo
estariam envolvidos na medieval fiscalização, pelo menos nas entrevistas e
alarmante noticiário em torno do momentoso assunto.
Tudo se complica, entretanto, quando encontramos, entre as
notícias divulgadas em blog, que vereadores, justamente os da pomposamente
chamada de Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor teriam
abandonado suas naturais e portentosas tarefas e se dirigiram a conhecido
supermercado para fiscalizar a aplicação da complexa legislação municipal sobre
a cobrança, não de taxa, que isto é outra coisa, mas da retribuição exigida
pelos depositários nos estacionamentos de veículos. A Câmara, ao legislar
profusamente sobre o problema, extrapolou. Para resolver o assunto bastaria
consultar o Código Civil, arts. 627 e seguintes e o caso estaria encerrado. Se
os vereadores se habituarem a praticar as tarefes de fiscalização do Executivo,
corremos o risco de sofrer fiscalização até na “abertura” e “fechamento do
balaio”, até agora livres, felizmente, das restrições governamentais.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
Simplesmente genial!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirIsmael Santana Bastos