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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sexta-feira, 4 de março de 2022

VILA DO SOURE: O BERÇO DA PRÁTICA DO TERMALISMO NA BAHIA OITOCENTISTA - I

JOÃO BATISTA CERQUEIRA

1. INTRODUÇÃO

0 uso terapêutico das águas termo-minerais já é conhecido desde a antiguidade. No século XIX, na região nordeste da então província da Bahia, a nascente conhecida por Mãe D'ÁguadoSipó, localizadas na margem direita do Rio Itapicuru, território da Vila do Soure, despertou a atenção do governo da província e de terapeutas com formação acadêmica. À época, as populações ribeirinhas faziam uso desses recursos naturais, que por cerca de 60 km afloram em diversas fontes situadas às margens do Rio Itapicuru[1].

Por sua vez, "termalismo" ou "balneoterapia" são termos utilizados para designar o uso de banhos com água termo-mineral no tratamento de doenças. Dentre as termas mais antigas do mundo estão as fontes de Tiberíades, em Israel. Em Portugal, segundo Correia (1999), em 1484, a rainha D. Leonor de Avis (1458-1525), determinou a fundação do Hospital das Caídas que "Destinava-se principalmente a tratamento de diversas doenças que se sabia beneficiarem com as aguas sulfurosas, utilizando-se os banhos [...]"[2].

No Brasil colonial, foi Bartolomeu Bueno da Silva Filho (1672-1740), em 1722, quem informou a descoberta de uma fonte de água termal, localizada na capitania de Goiás. Por sua vez na Bahia, em 1730, através de carta endereçada ao vice-rei do Brasil, o padre Antônio Monteiro Freire, que possuía uma sesmaria "até a estrada da Baixa Grande que vem da Aldeia da Natuba até Água Fria", deu ciência sobre as águas termais de fontes às margens do rio Itapicuru. Entretanto, no Brasil, à oficialização do uso das águas termo-minerais com fins terapêuticos, aconteceu em 1818, mediante decreto assinado por Dom João VI (1767- 1826)[3]

Na Bahia oitocentista, foi por um profissional vinculado ao governo da província, nascido e residente na vila de Nossa Senhora da Conceição do Soure, atual cidade de Nova Soure, quem começou a prática do termalismo de acordo com a orientação médica. Situada na região nordeste da Bahia, a vila se originou a partir das ações de padres da Companhia de Jesus e outros colonos portugueses, que desde o início do século XVII, seguindo o curso do Rio Itapicuru e seus afluentes, entre os quais o Riacho Natuba, adentraram pelo interior da capitania.

2. ALDEIA DA NATUBA: A ORIGEM DA VILA DO SOURE.

1.Praça Central de Feira do povoado de Cipó,
 
na Vila do Soure. Em destaque o barracão
 central  e a Igreja -1927 
 (Arquivo
 Teodoro Sampaio do IGH da Bahia).
 Diferentes trabalhos historiográficos, entre os quais o clássico "A História da Casa da Torre", da autoria de Pedro Calmon (1902-1985), registram que o grande desbravador e proprietário de terras na então capitania da Bahia, foi o português Garcia de Souza D'Ávila (1528-1609), fundador da Casa da Torre, dono de terras da Bahia até o Piaui. Esse colonizador português, que chegou a Bahia acompanhado Tomé de Souza (1503- 1579), fundou o mais extenso latifúndio do Brasil colonial, importou gado vacum da índia para o Brasil, e difundiu a pecuária bovina pelos sertões do Nordeste[4].

No nordeste baiano setecentista, o mestre de campo Antônio Guedes de Brito (1627 - 1692), que de acordo com Erivaldo Fagundes Neves (2011), fundou a Casa da Ponte, competia com os herdeiros de Garcia D'Ávila, possuído terras do Rio Inhambupe até o Rio Itapicuru. Ademais, segundo Godofredo Filho (2004), datado de 1612, a declaração de bens de Antônio Guedes de Brito demonstra que esse colonizador lusitano, também era possuidor de sesmarias na região nordeste da Bahia, e uma tinha por fronteira com os descendestes de Garcia de Souza D'Ávila, exatamente o Riacho Natuba[5].

" Possuo as fazendas dos Tocoz por hum título de sesmaria dada a minha mãe Maria Guedes, ao Padre Manoel Guedes Lobo, a Sebastiana de Brito, a Ana Guedes, em 14 de dezembro de 1612, pelo governador d. Diogo de Menezes. E o dito Padre meu Thio me fez doação do que lhe tocava, em 9 de setembro de 1651. E o Cap. Francisco Barboza de Paiva, marido da minha thia Sebastiana de Brito, fizeram venda a meu Pay do que lhe pertencia na dita data em 16 de julho de 1652, as quais terras povoei, descobrindo-as, fazendo estradas e pazes com os índios Cariocas Orizes, Sapoyas e Caparaus, descendo Aldeias para as mesmas terras, com qual se segurarão as fronteiras do Inhambupe e Natuba...[6] "

Quanto a religiosos, a presença de padres jesuítas nos sertões banhados pelo Rio Itapicuru, onde já atuavam pelo menos há três décadas, voltou a acontecer em 1666, ano no qual os padres João de Barros (1639-1691) e Jacob Roland (1638-1684), deslocaram-se do do litoral, juntamente com o coronel Francisco Gil D'Araújo, foram os, responsáveis pela fundação da Aldeia de Nossa Senhora da Conceição da Natuba, situada nas proximidades do Riacho Natuba, que no dialeto kipéa significa fonte que não seca[7].

Barracão central e Igreja Nossa Senhora da Saúde povoadode Cipó, 
 na Vila do Soure-1927  (Arquivo Teodoro Sampaio do IGH da Bahia).
Referente à data de fundação da aldeia, de acordo com José Gomes. Ribeiro, o evento aconteceu no ano de 1674. Por sua vez, quanto ao dia fundação, tomando-se por referência o orago da nova povoação, a Aldeia da Natuba foi instituída no dia 25 de março, uma vez que, em Portugal, desde 1646, por provisão do rei D. João IV (1604-1656), Nossa Senhora da Imaculada da Conceição foi elevada a condição de padroeira do reino e de todas as colônias ultramarinas. Naquela época, era habitual o uso de nomes de santos da Igreja para denominar descobertas, a exemplo do Rio São Francisco, descoberto no dia 4 de outubro, Dia de São Francisco, e a Baía de Todos os Santos, descoberta no dia 1 de novembro, Dia de Todos os Santos (BNRJ, 1759. Doc: 7).

Na Aldeia da Natuba, posterirormente à fundação, residiram inúmeros padres da Companhia de Jesus a exemplo de João Mateus Falleto (1648-1730), Antônio Maria Bonucci (1651-1729) e Antônio de Andrade (1700-1732), que foi professor de Filosofia e Teologia reitor do Colégio dos Jesuítas da Bahia, tornou-se um árduo defensor da demarcação das terras da Aldeia da Natuba e, inclusive, em 13 de novembro de 1716, encaminhou representação ao rei de Portugal, D. João V.
Diz Antônio de Andrade da companhia [...] "procurador da Província do Brasil, que a Missão e Aldea da Natuba
nos Certões da Bahia onde ele esteva alguns anos tem perto de oitocentas almas, e compõem se de cinco Aldeotas, que ali se ajuntarão quando não havia moradores ou outros vizinhos. Talvez porque não lhe assignarão, nem demarcarão logo de terras na forma que ordena a Provisão Real [...] forão se ocupando as terras vizinhas com fazendas de gados, de tal sorte que já não tem desse nem hum palmo de terra, antes está cercada e oprimida com três fazendas de gados, huma que não dista de la mais que hum tiro de mosquete e as duas não mais que meio quarto de legoas..[8]"

Além disso, o padre Antônio de Andrade foi responsável pela construção da Igreja Nossa Senhora da Conceição, edificada com o apoio do procurador geral da Companhia de Jesus, padre Antonio Cardoso. Até falecer na Natuba, dia 13 de janeiro de 1732, o padre Antônio de Andrade lutou sem sucesso pela demarcação das terras dos índios. Por certo, um daqueles que se opuseram resistência à demarcação foi o Capitão Gaspar Carvalho da Cunha que, em 1717, um ano depois do requerimento de demarcação das terras feito pelo padre Antônio de Andrade, tornou-se proprietário das terras que circundavam a Aldeia Natuba[9].

Nascido em Canedo, Portugal, o capitão Gaspar Carvalho da Cunha, filho de Francisco Carvalho do Passo e Maria Sobrinha, em leilão na Praça da Bahia, arrematou as terras nas quais ficava a Fazenda Bananeira, onde fica a nascente o Riacho Natuba, que após receber as águas do Riacho do Saco, desagua no Rio Itapicuru. Ao falecer, o Capitão Gaspar Carvalho da Cunha deixou viúva Thereza de Oliveira Lima, que se tornou proprietária das Fazenda Bananeira, ao sul da aldeia; Lagoa Funda, a oeste e distando uma légua; e a Fazenda do Saco, ao norte. Ademais, um dos bisnetos de Gaspar Carvalho da Cunha, batizado como o nome de Ignácio Moreira do Passo, em 1840, formar-se-ia pela Faculdade de Medicina da da Bahia[10].

3.      A FUNDAÇÃO DA VILA DO SOURE

Na metrópole portuguesa, em 1758, religiosos da Companhia de Jesus foram acusados pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), da participação no atentado contra o rei D. José I (1714- 1777). Em seguida, por força de provisão régia, a Ordem Jesuíta foi expulsa das colónias ultramarinas portuguesas. Em decorrência da expulsão dos inacianos, aconteceram desdobramentos nos campos eclesiásticos e político-administrativos: as aldeias administradas pelos padres jesuítas foram elevadas à condição de vilas, e as igrejas dessas aldeias foram elevadas à condição de sedes de freguesias[11]

Por conseguinte, na Bahia, em 8 de maio de 1758, a Arquidiocese Primaz do Brasil, instituiu a freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Soure e o bacharel José Gomes Ribeiro, juiz de fora da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, em 22 de dezembro de 1758, foi nomeado para formalizar a instalação da vila. Para tal, no cumprimento da missão, logo no início do ano de 1759, Gomes Ribeiro viajou para a nova vila, que em razão da provisão de 3 de fevereiro passou a ser denominada Nossa Senhora da Conceição do Soure, sendo instalada no dia 10 de março de de 1759 [12]

Ademais, além de instalar o Senado da Câmara e dar autonomia administrativa à nova vila, José Gomes Ribeiro fez a descrição do povoado, da gente, da flora e da fauna local. Seis décadas depois, documentos oficiais oferecem a oportunidade para conhecer alguns dos agentes públicos da Vila do Soure. Em duas dessas fontes, datadas de 22 de fevereiro e 7 de março de 1822, portanto antes da declaração de independência do Brasil, encontram se as assinaturas de Valentim da Silva Mattos, juiz de fora que presidia o Senado da Câmara; Florêncio de Almeida Soares, procurador; e dos vereadores Domingos dos Santos, João Rodrigues e José Gomes[13].

Continua na postagem II (final)

1] (BAHIA, 2007. p. 23; SANTOS NETO, 2013. p. 81). 

[2] (CORREIA, 1999. p. 480)

[3] CARVALHO, 2008. p. 24; FREIRE, 1998. p. 123; HELLMANN; DRAGO, 2007. p. 312).

[4] (BITTENCOURT, 1983. p. 23; FREIRE, 1988. p. 21).

[5] (FREIRE, 1988. p. 28; FIGUEIREDO FILHO, 2004, p. 27; NEVES, 2011. p. 254).

[6](FIGUEIREDO FILHO, 2004, p. 27).

[7] (DANTAS, 2007. p. 258; POMPA, 2003. p.322, SANTOS, 2017. p. 5, 7, 24). 

[8] AHU1716. CX. 11. DOC. 917).

[9] (AHU, 1725. CX. 21 DOC. 72; GALVÃO, 1990. p. 2).

 [10] (FREIRE, 1998. p. 167; REPOSITÓRIO HISTÓRICO, 2020).

 11 (GALDEANO, 2013. p. 9)..

[12] (ACAS, 1877. p. 80; BAHIA 2007. p. 449; IBGE, 2020; SANTOS, 2007. p. 119; VIANA, 1893. p. 552).

[13] (APEB, 1822; BNRJ, 1759. DOC. 7, 2, 13).

Transcrito Revista da Academia Feirense de Letras - 2021. Ano XV - 11  

 

 

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