DA ELEIÇÃO ATÉ A POSSE
[...] Não será
novidade alguma se eu disser que depois da eleição vieram os conchavos e os
acertos dos cargos e empregos. Os pagamentos das promessas de campanha sempre
têm um alto preço, mas quem sempre paga a conta é o otário do povo mesmo [...]
TERMINADO OS FESTEJOS
DA vitória, e passados alguns dias, o delegado começa a armar seu gabinete. A
nova administração do município ficou assim composta:
Poder Executivo:
Gilberto Moreira Cavalcante - Prefeito - PSD
Poder Legislativo:
Tonho da Cachorra - Reeleito - PSD
Carlito Bacalhau - Reeleito - PSD
Xéxeu de Tonha - Eleito - UDN
Paulo Corujebó - Eleito - UDN
Zeca Zoró - Eleito - PSD
Tonho Capenga - Reeleito - PSD
Anacleto Capanico - Eleito - UDN
Elias Roncolho - Reeleito - UDN
Boca de Sulapa - Reeleito - PSD
O prefeito eleito tinha maioria na câmara de vereadores. Cinco edis do PSD e quatro da UDN. Assim, era necessário ter muito cuidado para não perder um vereador, senão ficaria com a minoria no legislativo. Como Nossa Senhora das Dores era uma cidade pequena e aparentemente fácil de governar, o prefeito eleito não estava muito preocupado. No final de novembro, foi até Recife ter uma audiência com o Secretário de Segurança Pública, para consultar quem seria o novo delegado da cidade e pedir melhoria do efetivo policial bem como reparos na delegacia da cidade, pois havia apenas uma cela e as instalações do prédio estavam necessitando de uma reforma. Voltou da capital sem saber quem seria o novo delegado e sem garantias de que suas reinvindicações seriam aceitas.
Passada a euforia
política, padre José volta à cena da paróquia. Comedido e cauteloso, evitava
sempre falar em política.
Numa manhã de
sexta-feira, foi procurado logo cedo pelo prefeito eleito.
- Ora, ora... Prefeito, o que o traz aqui
tão cedo nesta humilde casa paroquial?
Abriu a porta e
fez as honras da casa.
Prefeito Gilberto
entrou, tirou o chapéu e sentou-se no velho sofá. Pigarreou, procurou um lugar
para cuspir, foi até a janela e cuspiu no passeio.
- Padre José, o que me trás aqui é a
solenidade de posse. Eli gostaria de combinar com o senhor para fazermos uma
festa linda. Quero que o senhor celebre uma missa na praça. Vou mandar
construir um altar para essa celebração.
O padre riu,
olhou fixamente nos olhos do prefeito Gilberto e falou pausadamente.
- Como o senhor sabe, não posso celebrar
nenhum santo ofício fora do templo da nossa madre Igreja.
- Mas padre, trata-se da minha posse como
prefeito da cidade...
- Eu tenho ordens a cumprir, senhor
prefeito. Fiz meus votos de obediência e tenho que segui-los à risca.
- Isso está me parecendo má vontade da sua
parte, padre José
- Não leve para este lado, senhor prefeito,
eu não vou celebrar nem para o senhor e nem pra ninguém. Se o senhor quer uma
missa de ação de graças pela sua eleição, que esta missa seja aqui na minha
paróquia, caso contrário, o senhor vai ficar sem missa.
- Está certo padre José, que seja na sua
igreja, mas que seja uma missa bem bonita e com alto-falantes pelo o lado de
fora, pra que o povo que me elegeu participe dessa cerimónia.
- Assim está melhor, prefeito, vamos fazer
uma celebração bonita para o povo.
- Já que estamos combinados, qualquer coisa
que o senhor precisar até o dia da missa, pode me procurar. Vou mandar minha
mulher, Catuta e minha filha, Maria Flor, ajudarem o senhor no que se fizer
necessário.
- Está bem, prefeito, vou precisar mesmo de
ajuda.
- Até mais, padre.
Senhor Gilberto
saiu apressado e foi se encontrar com os correligionários, a fim tratarem de
assuntos ligados aos gabinetes da prefeitura.
Na passagem pela
praça, o prefeito deu de cara com alguns jovens conversando perto do bar do Seu
Zeca.
A modernidade já
havia chegado por lá, e alguns estavam ouvindo rock num rádio de pilha no
último volume, mascando chicletes. Estavam vestido de calça de brim, tipo
rancheira, camisa xadrez, os cabelos penteados com brilhantina Glostora,
todos com topetes das mais variadas formas. Eram uns tipos estranhos à cultura
da região, mas era época de modernização. Tinha um jovem excêntrico sentado no
selim de uma lambreta de cor amarela. O prefeito Gilberto parou, olhou bem a
lambreta, bateu nos ombros do jovem e disse:
- Ótimo meu rapaz, você acaba de me dar uma
ideia fabulosa. Vou equipar minha prefeitura com alguns veículos desses. Quero que
nossa cidade bem visitada por todos os funcionários. Parabéns meu rapaz...
Parabéns.
O jovem sem
entender nada se limitou a rir.
No rádio tocava
uma balada romântica cantada por Pat Boone e o
prefeito se distanciou prestando atenção na música.
Na verdade, o que
havia era uma mudança de comportamento da juventude. Nascia a geração Coca-Cola,
os chicletes, a forte influência da cultura norte-americana. O milk-shake,
o hot-dog, o ketchup, o sundae eram hábitos que aos poucos
estavam sendo incorporados aos costumes de todos os brasileiros. A televisão já exercia fascínio nos jovens. Elvis
Presley, Paul Anka, Beatles já começavam a fazer sucesso
entre nós, e tudo o que era cultivado pelos jovens no eixo Rio - São Paulo,
embora demorasse um pouco, também chegava para a juventude do Nordeste do
Brasil. Aos poucos, essa nova geração vai ocupando espaço com uma nova forma de
vida.
Mas não era só o
americanismo que fazia a cabeça da juventude. Como havia a guerra fria,
capitalismo e comunismo lutavam por seus espaços num mundo que nem sonhava com
globalização.
A corrida
armamentista entre EUA e União Soviética estava fazendo com que houvesse
divisões ideológicas.
Embora fossem
minoria, os jovens que se dedicavam à leitura, eram jovens não alienados.
Faziam parte de uma minoria pensante que seria capaz de modificar a estrutura
social e cultural. Assim, alguns poucos desses jovens, em Nossa Senhora das
Dores, se dedicavam às reuniões no Centro Paroquial para debater junto com o
padre José, idéias socialistas que se aplicavam ao bem-estar das comunidades.
Esse grupo ganhou
a simpatia do novo prefeito e mesmo antes da posse, ele já havia participado de
uma reunião com essas lideranças para tratarem de assuntos sociais e políticos.
Padre José, aos
poucos foi simpatizando com o prefeito eleito e pactuando com suas idéias de
construir uma sociedade mais justa, com menos desigualdades sociais. Implantou
uma Comunidade Eclesial de Base, (CEB), para fazer um levantamento da sociedade
rural, pactuando com o projeto de reforma agrária do então presidente João
Goulart. Aos poucos, foram costurados acordos e tudo estava indicando que a
administração do prefeito Gilberto seria um sucesso.
Em primeiro de
Janeiro de 1963, o então prefeito eleito toma posse numa festa linda, onde toda
a comunidade se fez presente ao ato religioso e cívico. O prefeito que estava
deixando o cargo fez um discurso emocionado e passou a faixa com o brasão do
Município ao novo prefeito.
Era o início de uma nova era na história da cidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário