Hugo Navarro da Silva |
Narra Lawrence de Besault, em biografia do general Rafael Leônidas
Trujillo, que certo dia perguntaram ao ditador, que governou a República Dominicana
com desatada roubalheira, durante vinte anos, e deu o seu nome e o de parentes
a quase todas as principais avenidas e equipamentos urbanos daquele pais,
inclusive ao aeroporto, quando lhe havia passado pela cabeça a idéia de ser
presidente, a que o energúmeno respondeu que desde que havia começado a pensar,
quando menino.
Fato semelhante teria ocorrido com o grande Nicolau Maquiavel, ainda
criança, cujos pais viviam a porfiar sobre o seu futuro. O pai queria que se
dedicasse à vida pública. A mãe, que entrasse para o serviço da religião.
Inquirido, Maquiavel, em meio a uma regurgitação de leite, coçou o nariz e o
rosto, esboçando sorriso indecifrável, pelo que decidiram, os pais, que ele
estava destinado à carreira política.
É assim a vocação. Geralmente cedo se manifesta, embora no Brasil não se
lhe dê a devida importância, pelo que não poucos enveredam, devido às
dificuldades que enfrentam, pelo primeiro buraco que aparece na cerca, o que
nem sempre resulta em bons frutos. Buraco na cerca é caminho de boi velhaco,
dizem os sertanejos.
Vocação, que no Inglês e no Alemão significa chamamento ou chamar e se
originou dos vocábulos latinos “vocatio” e “vocare”, é a convocação que alguém
recebe de determinado setor de atividade. Encontrando campo fértil para o seu
desenvolvimento torna-se irresistível.
As vocações, que movem indivíduos para certas tarefas e ofícios, deveriam
ser importante setor da educação, em nosso país, onde a juventude às vezes se
perde em busca do verdadeiro caminho.
O tipo de vocação que mais deveria preocupar, entretanto, é a do mando,
do poder, da autoridade. Quando unida à da política partidária sempre resulta
em acontecimentos desastrosos. Chegando a extremos, pode estar vinculada a
moléstias, como a encefalite, na infância, causadora de inúmeros casos de
carisma maníaco de que nos dá conta a História, em fatos geralmente atribuídos
a acendrado patriotismo, a sacrifícios em defesa do povo e da liberdade contra
a opressão dos poderosos.
Exemplo recente e gritante de
carisma maníaco, de todos conhecido, é o de Adolfo Hitler, que no dizer de
Joachim Fest “era dotado, diga-se em
benefício da verdade, de senso intuitivo extraordinário, quase feminino, que
lhe permitia dar corpo às aspirações de sua época e explora-las da melhor maneira
possível”. Afirma, também, que Hitler “não se contentava em aplicar uma
seqüência lógica a tudo o que empreendia, mas, ao mesmo tempo, sempre exagerava
em seus esforços. Havia nele um desejo infantil de realizar grandes feitos, que
transformassem tudo, uma grande vontade de impô-los a qualquer preço, o que o
levava a sonhar em termos superlativos”.
É claro que entre tais indivíduos, que sempre provocam rebuliços grandes
e pequenos, há graus, que vão desde Artur Bostock, que andava nas ruas desta
cidade dando voz de prisão a todo mundo, gritando que era delegado de polícia,
até ditadores que cometem terríveis crimes contra a humanidade, passando,
entretanto, por aqueles que não avaliam as próprias forças e vivem a se meter
em tudo e tudo querer resolver, invadindo responsabilidades e searas alheias, dando
a impressão de que desejam açambarcar o mundo, sempre em nome do povo, mas
incutindo receios até nos próprios correligionários, o que não está fora de
propósito, lembrando o professor do soneto de Emílio e Menezes: “O (......) não
ensina só gramática. / É, pelo menos, o que o povo diz. / Mete-se na dinâmica,
na estática, / E em muitas coisas mais mete o nariz”.
São do grupo fechado das personalidades messiânicas sempre esquecidas de
um fato: quem se mete a redentor pode acabar crucificado, principalmente se
houver malandros por perto. E malandragem é o que não falta.
É a dura realidade.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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