Hugo Navarro da Silva |
Os costumes mudam, transformam-se, como hábitos e usos, no decorrer do tempo e ao influxo dos acontecimentos que atingem a sociedade. Embora se diga que hábito prende-se à atividade individual de cada um, sem juízo de valor, como o hábito, que abrange uma comunidade, o costume, ao contrário de hábito o uso, tem que ter um certo conteúdo moral, decorrente da religião, da política ou da tradição.
Há, no costume, processo de imitação coletiva, forma específica de ordem existencial de grupo, sob a influência, principalmente, de dois fatores essenciais: as formas estabelecidas e a opinião pública, que ora se manifesta como forças conservadoras, ora como inovações ou tentativas inovadoras ditadas pelas transformações sociais.
As festas de junho, nordestinas, que abarcam todo o interior da Bahia, podem ser apontadas como costumes, que já gozam de enorme prestígio entre o nosso povo, destacando-se os tributados a São João, que assumiram cunho nitidamente popular com suas fogueiras e foguetórios, mas sem perder a influência religiosa.
As fogueiras, os fogos de artifício, as quadrilhas caracterizaram a festa durante séculos, tiveram tal importância que criariam, em certa época, ciclos de músicas juninas, como acontecia no carnaval, cantando as lendas que o povo desenvolveu em torno do santo casamenteiro, Santo Antônio, de São Pedro, que tem a guarda das chaves do céu e de São João, que dorme, durante a noite de sua festa, por determinação de Nossa Senhora, porque, se acordado ficasse, diante da beleza das comemorações, poderia fraquejar, perder o juízo e entrar na folia. Hoje, provavelmente, cairia no forró.
O São João já foi festa doméstica. Cada família tinha fogueira, mesa de canjica, milho assado, amendoim e bolos de puba, de aipim e de milho. Licores de todo gênero, mas, principalmente, de jenipapo, fogos conforme as posses e os entusiasmos de cada um. Pessoas se reuniam para comer, beber, pular fogueira e namorar. Não foram poucos os casamentos que surgiram de festas de São João.
As fogueiras, nesta cidade, tomavam as ruas, cheias de denso fumaceiro da queima de madeira e dos fogos. De tal sorte se desenvolveram que a Prefeitura certa ocasião determinou que se protegesse o calçamento usando camada de areia no local das fogueiras, determinação a que ninguém obedeceu.
O automóvel expulsou as fogueiras para sítios, fazendas e chácaras. As chácaras já foram moda e já deram status nesta cidade. Praticamente desapareceram depois de provocar a quebra de muita gente. Sumiram, também, as manifestações domésticas. Ninguém vai abrir as portas da casa, para festas, sem a certeza de sofrer dissabores, assaltos e, provavelmente, morte violenta.
Os céus, cheios de balões, inspiradores de inúmeros poetas e sonhadores, como os fogos de artifício, foram incluídos no rol das coisas perigosas e eliminados. Os foguetórios ainda existem, mas somente no futebol e na política.
O São João conserva modelo antigo, em parte, em fazendas e sítios afastados. Não apenas mudou. Foi extinto no meio urbano, resistindo, apenas, como festas oficiais, forrobolizadas, em raros locais, sob o influxo dos novos tempos e das bandas, em que o uso do licor, como das demais bebidas alcoólicas, quase assume as virtudes da santidade.
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