Hugo Navarro da Silva |
A
história das comunidades é sempre cheia de hiatos, omissões, suposições,
fantasias e lendas na maioria das vezes criadas pela imaginação, interesse ou
crença de alguns, ou são decorrentes da incapacidade de muitos para o trabalho
da pesquisa e do raciocínio que os leva a aceitar o que está estabelecido como
verdadeiro sem indagação e sem dúvidas, as únicas virtudes que em verdade
colocam o gênero humano pouco acima da debilidade mental.
A
trajetória do Brasil está cheia de dúvidas, a começar de fatos importantes,
como o do descobrimento, se foi por acaso ou simples ato de posse; o Grito de Independência,
verdade ou lenda, que ganhou corpo com um quadro do pintor Pedro Américo, e se
o Mal. Deodoro, monarquista e amigo do Imperador, no 15 de novembro agiu por
convicção ou se procedeu, de saúde gravemente abalada, por imposição de
irredutíveis companheiros de armas.
Feira
de Santana, como qualquer outra comunidade, também possui seus mitos, uns
antigos e outros quase recém-criados. O primeiro, talvez o mais persistente, é
o de Domingos Barbosa de Araújo e Ana Brandão, que ganhou força porque envolve
algo de enternecedor e cheio de religiosidade, a história da Vila que teria
nascido à sombra de uma igreja, quando nem igreja havia, então, mas simples e
pobre capela de fazenda sertaneja do século XVIII.
A
lenda do nascimento de Feira tentou ganhar força, recentemente, com outra, a do
casarão dos Olhos d’Água, felizmente desmascarada a tempo.
Enquanto
as lendas ganham corpo e força, por conta de que acreditar é fácil e cômodo,
fatos e pessoas importantes na vida do Município são esquecidos e sepultados
como os graves acontecimentos da revolta que tomou o nome de Sabinada, cujo
aniversário, até 1.900, pelo menos, foi aqui comemorado com festa, discurso,
bandeira e hino, conforme “O Progresso” de 8 de novembro daquele ano.
Segundo
o jornal, a regência do Pe. Feijó teria suscitado forte oposição e a Sabinada
foi urdida entre altos escalões do Império. Estourou em Salvador, sob a
liderança do Dr. Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, em 1837 e chegou a
assumir o governo da Província. À falta de objetivos definidos, característica,
em geral, dos movimentos revolucionários brasileiros, enquanto tentava resolver
se proclamava, ou não, a independência da Bahia, e por qual sistema de governo
optava, república ou monarquia, o poder central reagiu e derrotou os
insurgentes.
Na
Vila de Feira, tropas de Higino Pires Gomes, que aderiram à Sabinada, foram combatidas
e vencidas em batalha travada contra forças legais em Terra Dura, freguesia de
São José das Itapororocas.
Combates
outros havidos em Feira foram registrados por historiadores como Arnold Silva e
José Álvares do Amaral.
Narra,
“O Progresso”, que as forças imperiais, depois de praticar toda sorte de
violências, retiraram-se desta Vila em 24 de janeiro de 1838, conduzindo os
últimos prisioneiros, entre os quais o Alferes Barauna, que teria comandado
tropas insurretas em Terra Dura, lamentando o povo a longa procissão dos
presos, que eram levados à corveta. Tratava-se da Corveta Presiganga, ancorada
na Bahia de Todos os Santos, a bordo da qual revolucionários foram submetidos a
tormentos. Foi barbaramente espancado o conhecido compositor e letrista
Domingos da Rocha Mussurunga.
Todos
os dias, afirmava-se, abriam-se os porões da Presiganga e cadáveres de
prisioneiros mortos de fome, sede e espancamentos eram atirados ao mar.
Em
toda a Província o número de prisioneiros teria passado dos três mil. Morreram
mais de mil combatentes. As armas usadas eram as carabinas de pedra, baionetas,
outras armas brancas e peças obsoletas de artilharia, às vezes tomadas à unha.
O
comandante em chefe das forças legais na Bahia, Mal. João Crisóstomo Calado, em
relatório ao Ministério da Guerra narra a selvageria dos recontros em que “as
armas se disparavam, mutuamente, sobre os peitos de vencedores e vencidos”.
Feira
tem o seu passado guerreiro, que não deve ser esquecido.
Hugo
Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio
Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do
Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria
produzida
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