DE COMÍCIO EM COMÍCIO
[...] Em respeito ao leitor, não vou narrar o que houve em cada
comício. Foi muita baixaria durante a campanha toda. Troca de insultos, brigas,
teve até tiroteio, mas só houve um ferido de raspão, portanto como tudo isso é
lixo vamos aos fatos da eleição. [...]
07 DE OUTUBRO
ESTAVA chegando. Os ânimos estavam alterados de ambos os lados. Todo pessoal do
PSD estava com medo da eleição, pois detectaram que havia um empate técnico. O delegado Gilberto continuava um pouco à
frente, mas com uma vantagem muito pequena. A maioria dos cabos eleitorais já
estava pegando as suas credenciais nos comitês de campanha. O comité dc
delegado era vizinho à delegacia, numa casa que fora emprestado por seu Zeca.
Já o comitê de campanha do coronel era colado com a Pharmácia do Senhor
Florentino.
A cidade de Nossa
Senhora das Dores estava fervendo. O delegado arrumou para o dia das eleições
quatro marinetes, a fim de conduzir o pessoal da zona rural que votava na sede.
Quando o coronel soube, tratou de contratar caminhões pau-de-arara e ônibus
para também fazer o mesmo. Na verdade, tinha mais transporte que passageiros no
dia da eleição, de forma que ficou confortável passear dos distritos pra cidade
e vice-versa.
Cada partido
procurava espionar as atitudes e estratégias do concorrente. Soube-se que houve
até transferência de eleitores de outros municípios. Fato comum em terra de
coronéis e cacique políticos.
Já estava tudo
pronto. Um juiz eleitoral foi designado para cuidar das eleições na cidade.
Vieram mais dois soldados para reforço policial no dia da votação. Duas
escolas municipais foram arrumadas com cabines de votação, um posto médico, a
delegacia serviria de local de votação também. Nenhum local dos distritos foi
escolhido e nem tampouco da zona rural. Todos teriam que vir votar na cidade.
Chega o grande
dia.
Amanhece o dia 07 de outubro de 1962. A sorte estava lançada.
O coronel Salú
amanheceu nervoso, tomou logo seu café da manhã e saiu acompanhado de alguns
correligionários que já o esperavam na varanda.
Sorriso forçado
no rosto roupa bem leve e colorida, chapéu de palha na cabeça, para parecer um
homem do povo, o coronel entra no seu Jeep acompanhado de Elias Roncolho. Atrás
dele vinha uma kombi com Zé Bijí como motorista, Aristides e Anacleto Capanico
na frente.
Aristides e
Anacleto eram candidatos a vereador pela primeira vez, e estavam animados com o
pleito.
No banco do meio,
estavam: Deoclécio, que mesmo não votando ainda, queria estar ao lado do pai,
acompanhando o movimento; seu Roberto, todo bem vestido para a votação; e
Victória Régia, no seu vestido floral, com babados e um chapéu de palha, que
segundo ela, era “mode protegê do sol”. No banco de trás, estava dona D.
Emengarda, toda orgulhosa por estar se preparando para ser Primeira Dama. No
bagageiro da Kombi, havia uma panela enorme com mininico de carneiro, outra
com arroz cozido e mais uma com pirão de farinha de mandioca pra acompanhar a
refeição. Tudo aquilo estava cheirando dentro do carro, de forma que quando
chegaram ao comité, todos que vieram na Kombi tinham o cheiro da mistura de
vários odores, inclusive dos perfumes e talcos colocados antes de embarcarem.
Ficou uma coisa estranha, insuportável. Mas não havia mais tempo a perder.
As panelas foram
levadas para os fundos da casa onde havia uma cozinha suja e fedida. Dona
Carmem apareceu para emprestar solidariedade e ajudar no que fosse preciso.
Dr. Silas estava ocupado com a eleição, pois era presidente de secção
eleitoral.
Por ironia do
destino, o comité do coronel ficava em frente ao comité do delegado Gilberto,
de sorte que cada um espionava o trabalho do outro.
Oito horas da
manhã!
Inicia-se a votação. O corre-corre na cidade era intenso. Gente bem vestida estava nas várias filas que começavam a se formar para o pleito. Os vários candidatos a vereança do município e seus correligionários andavam pelas ruas e escolas onde aconteciam as votações. Tudo transcorria normalmente.
Por volta do
meio-dia, como a justiça eleitoral atrasou com as refeições dos que estavam
trabalhando, D. Emengarda resolveu mandar para os correligionários e mesários,
alguns pratos com a comida que viera para ser servida aos partidários do
coronel.
Mas houve um
problema, o arroz que fora cozido um dia antes, azedou.
Com o cheiro do
mininico de carneiro e do pirão, o arroz azedo passou imperceptível e muita
gente comeu. Comeu quem era do lado do coronel e quem era do lado do delegado
também, Inclusive o candidato Gilberto se fartou na comida, por ser muito
guloso e ter a fama de comilão.
A eleição
transcorria normalmente até que um mesário sentiu forte contração na barriga e
teve que sair correndo para o sanitário. Minutos depois, o presidente da
segunda secção soltou um peido irresponsável. Pra quem não sabe, peido
irresponsável é aquele que você está com diarreia, pensa que é peido e não é.
Pois bem, a secção eleitoral teve que ser interditada por alguns momentos,
enquanto alguns voluntários ajudaram a limpar a sala.
Aquela tarde do
dia 07 de outubro entrou para a história. Quem comeu do mininico de carneiro
não escapou da diarréia precedida de cólica.
O fato mais
hilário do dia foi o delegado ter feito gozação do coronel por ter levado a
comida para o comité, e quando seguia pela praça, sentiu forte dor na barriga e
não deu tempo de correr para lugar nenhum. Sentou-se num banco da praça e lá
mesmo arriou o barro dentro das calças.
Por volta das 17
horas, a votação estava encerrada. Não tinha ninguém mais pra votar.
Como a delegacia
era um lugar suspeito para guardar as urnas, foi escolhida a Pharmacia do seu
Florentino, desde que os dois guardas montassem sentinela a noite toda. Para
evitar suspeitas, cada partido designou um correligionário, a fim de dar plantão junto com os soldados. E assim, aquela noite foi movimentada. As urnas
estavam bem guardadas até o dia seguinte, quando seriam contados os votos e o
juiz anunciaria quem fora eleito naquele pleito.
Dia 08 de
outubro.
A cidade
amanheceu nervosa.
De um lado, o
coronel tinha a certeza da vitória e do outro, o delegado já se anunciava o
prefeito eleito. O povo logo cedo ocupou a praça e a contagem seria feita na
própria Pharmacia. Os escalados pela justiça para as apurações já se
movimentavam na praça. Às 07 horas, o juiz chegou à porta da Pharmácia, acompanhado de seu Florentino. Apenas uma banda da porta foi aberta. O juiz entrou
acompanhado dos dois soldados, que fizeram juntos a conferência dos lacres. Em
seguida, foram chamados os escrutinadores que receberam as instruções de como
seriam as apurações.
Às 8 horas da
manhã, inicia-se a contagem dos votos. Os candidatos, nervosos e atentos,
acompanhavam a abertura das urnas, uma a uma, voto a voto. A primeira urna
aberta foi de secção de número 49 e por incrível que pareça, deu empate. Nessa
secção eleitoral tinham inscritos 74 eleitores.
O locutor do
serviço de alto-falante pigarreou e disse com a voz empostada:
- Da boca da urna para o ouvido do povo.
O silêncio tomou
conta da praça.
- Saiu o resultado da primeira urna
apurada. Secção de número 49.
Votos nulos - 03
Votos em branco -
08
Abstenções - 03
Delegado Gilberto
- 30 votos
Coronel
Salustiano - 30 votos
(continua: De comício em comício 2)
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