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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - III

 

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - II

O DIA SEGUINTE

[...] dizem que político não dorme de touca. Depois do comício de lançamento da candidatura do coronel, nenhum dos lados políticos dormiu mais, começou a corrida e o jogo sujo. [...]

O DIA SEGUINTE FOI como um dia de ressaca de cachaça. Ambos os lados acordaram, se é que dormiram, com sede de poder.

Coronel Salustiano, amanheceu sentado em sua cadeira de balanço. Estava com o olhar distante, pensativo e uma vontade enorme de iniciar aquele que seria o trabalho com as massas. Durante a noite toda, articulou inúmeros conchavos. Vislumbrou grandes apoios. Chegou até a pensar na composição do seu gabinete. Lembrou de nomes que poderiam ser secretários municipais. Pensou também na reforma que faria no prédio da prefeitura e em sua sala.

O delegado Gilberto não pregou os olhos. Primeiro por estar extremamente irritado com a possibilidade de competir com o coronel Salustiano e correr o risco de perder esta que seria a sua primeira eleição. Segundo, havia uma aranha caranguejeira no ri pão do telhado do seu quarto e que ele jamais conseguiria matá-la. Na verdade, o pé direito era alto e o delegado morria de medo de uma caranguejeira. Passou a noite numa única posição na cama, olhando para o telhado e pensando na política. Também fez pla­nos de como seriam os comícios daqui por diante. Terceiro e mais trágico, durante a noite D. Catuta roncava muito. Parecia uma ser­raria trabalhando a todo vapor em época de produção constante. A mulher do delegado roncava tanto que, de vez em quando, acor­dava assustada com seu próprio ronco e mandava-o calar a boca, pensando que conversava dormindo.

O dia amanhece, afinal.

Seria um dia como todos os outros não fosse o ocorrido na noite anterior. O Zeca 's Drinks nunca tinha sido aberto tão cedo.

Seu Zeca estava varrendo o passeio, mas no intuito de encontrar alguém que lhe desse notícias novas. O delegado se levantou e ao passar na sala olhou pela fresta da janela, como fazia todas as manhãs, e viu que o bar do seu Zeca já estava aberto. Pensou que já era tarde e ao olhar para o relógio se deparou de que eram apenas seis e quarenta e cinco da manhã. Intrigado, abriu a porta da frente e conferiu que o comércio ainda estava fechado. Foi até a cozinha, esquentou um café dormido, bebeu numa xícara pequena, acendeu um cigarro e foi até ao banheiro, sentou-se ao vaso e concentrado começou a pensar no que faria nesse dia, quem procuraria dentro do partido para chefiar a sua candidatura, quem seria de confiança para ser o olheiro do outro lado, etc. De repente, algo estranho estava acontecendo no espaço que sobrara entre o vaso e a bunda do delegado. Algo se movimentava de forma lenta. O  delegado lembrou-se da caranguejeira que vira durante a noite e como tinha pânico desse bicho, começou e gritar por socorro. Gritava tanto e tão alto que podia se ouvir os gritos até no bar do Seu Zeca.
Foi uma correria.
D. Catuta tentava abrir a porta, mas estava trancada por dentro. Maria Flor gritava pelo pai e tentava ajudar a mãe a abrir a porta.
O delegado gritava cada vez mais alto, a vizinhança agitada queria arrombar a porta da frente da casa e pediam para que abrissem a porta de qualquer maneira, até seu Zeca veio ajudar a abrir. Com um pedaço de pau, fizeram uma alavanca e, enfim, arrombaram a porta da sala e entraram correndo até onde estava D. Catuta e Maria Flor. Fez-se um silêncio absoluto. O delegado havia parado de gritar. Todos se olharam e Maria Flor começou a chorar, e num gesto histérico, gritou que o pai havia morrido.
Cada vez mais entravam pessoas dentro da residência do delegado, até que seu Nezinho que morava duas casas depois do delegado, gritou:

- Vamo tê que arrombá essa disgraça. As veis o delegado se intalou na privada.

-  Mas ele não está mais gritando. Falou seu Zeca.

-  Vamo arrombá...

E assim fizeram. Arrombaram a porta do banheiro e encontraram o delegado caído no chão desmaiado, todo cagado e a aranha caranguejeira num canto da parede, perto de um monte de papel higiénico sujo, jogado ao chão. Reanimaram o delegado Gilberto, deram a ele um pouco de água com açúcar e aos poucos foram saindo, mas não sem antes falarem com D. Catuta, frases prontas como:

- Ainda bem que não foi nada grave!

- É isso mesmo, tem gente que tem horror a uma aranha!

- Ele vai ficar bom!

- Tenha forças, minha filha!

- Era um bom homem!

- E a vida continua!

- Entregue nas mãos de Deus!

- Qualquer coisa, é só me chamar!

D. Catuta, um pouco envergonhada de tudo aquilo, agradecia a todos.

Maria Flor apenas orava e chorava.

O último a sair, claro, foi seu Zeca. Ele queria aproveitar até o fim o acontecimento, para poder discorrer sobre o fato nos mínimos detalhes.

O delegado, ainda assustado, foi se certificar se a aranha estava morta e constatou que ela já não mais estava ali. Entrou no banheiro e depois de tomar um longo banho se vestiu e foi pra delegacia cumprir o seu ócio.

No caminho, muita gente o cumprimentava. Aqueles que assistiram a cena de perto e ao vivo, sorriam por se lembrar do quadro. Os que não viram apenas saudavam o delegado.

Por volta das dez horas, o Bar do seu Zeca estava quase lotado. O comentário do dia era o delegado e a caranguejeira. Todos riam com as gozações feitas pelas pessoas, até que o delegado entra no bar. Aí ninguém mais falou nada. Apenas seu Zeca perguntou como estava sendo o seu dia.

O delegado, com a cara fechada respondeu:

O meu dia promete ser muito bom, seu Zeca.

- Pelo visto vai ser mesmo, delegado...

O senhor tem alguma dúvida disso?

Não senhor... Acho que vai ser bom até pra mim.

Parece que vai mesmo, o senhor abriu o bar bem cedo hoje, não foi seu Zeca? Algum motivo especial?

- Não senhor... Acho que foi o comício desta noite... Não consegui dormir e vim logo cedo pro estabelecimento.

- Eu vi o senhor  varrendo o passeio...

- E se não fosse isso, delegado, quem abriria a porta da sua casa quando teve o ocorrido?

O delegado tenta desviar o assunto.

- Vai fazer muito sol hoje, não acha? Coloca uma cerveja pra mim, seu Zeca.

Enquanto seu Zeca foi pegar a cerveja, o delegado foi ao banheiro.

Entra no bar, Elias Roncolho, vereador da oposição e aliado do coronel Salú.

- Bom-dia a todos...

Alguns responderam e Elias foi logo se acomodando, pede uma cerveja e ironicamente comenta em voz alta para os que estavam sentados à mesa ao lado.

- Vocês viram o comício de ontem? Sucesso total...

O delegado ouviu aquilo e ficou esperando dentro do banheiro, os comentários que viriam.

Alguns comentários surgiram:

- O páreo vai ser duro neste ano.

- O delegado não vai encontrar moleza pra vencer.

- O coronel Salú não ia entrar nessa pra perder...

- Que nada, o PSD nunca perdeu aqui dentro.

O delegado ouvia tudo com certa animação até que Elias Roncolho saiu com o comentário que estava faltando.

- O delegado Gilberto não tem condições de vencer o coronel.  Um homem que se caga todo por causa de uma aranha de nada, não vence eleição.

Foi a mesma coisa que ter dado um chute no saco do delegado. Ele pegou ar, e enfurecido como touro na arena, saiu de dentro do banheiro já em direção à mesa de Elias.

- Seu capado de uma figa, repita se for homem...

Segurou Elias pelo pescoço e empunhou um revólver.

Uma correria se formou dentro do bar de seu Zeca.

Elias caído ao chão e o delegado grudado no seu pescoço e com uma arma apontada para a sua cabeça, gritava:

- Diga seu miserável, repete o que você disse cachorro, pra eu meter uma bala na sua cabeça...

Seu Zeca, nervoso e angustiado, se aproxima do delegado e diz:

- Delegado, olha a sua reputação... Pelo amor de Deus, delegado, não vá estragar a sua candidatura.

O delegado Gilberto soltou Elias, guardou a arma e olhando pra todos, que indignados presenciaram aquela cena e disse:

- Vamos esquecer o ocorrido aqui mesmo. Se seu Elias quiser continuar aqui dentro do recinto, pode ficar. Vamos tomar cerveja, que hoje é por minha conta. Vamos brindar a vitória.

Como o povo gosta mesmo é de festa, a cervejada foi até o final da tarde. Elias Roncolho bebeu e comeu o dia inteiro, mas sempre de olho no delegado.

Enquanto isso, coronel Salú saiu pelos distritos e zona rural da região, costurando alianças e pedindo apoio. Ele sabia que não seria fácil derrotar o delegado Gilberto, não pela pessoa em si, mas pela força do partido. Teria que trabalhar muito para convencer o eleitorado a desistir do PSD e votar na UDN, se bem que o seu nome era benquisto na cidade.

O coronel centrou sua campanha muito mais nos distritos do que na sede, mesmo sabendo que a soma dos votos dos distritos não superava jamais a soma dos da sede do município. O que fortaleceria mesmo a sua campanha era o corpo-a-corpo e as alianças que os políticos da capital haviam prometido. Sua preocupação maior agora era medir o numero de correligionários que teria durante a campanha e espionar os comícios que o outro partido faria de agora em diante.

[...] Em respeito ao leitor, não vou narrar o que houve em cada comício. Foi muita baixaria durante a campanha toda. Troca de insultos, brigas, teve até tiroteio, mas só houve um ferido de raspão, portanto como tudo isso é lixo vamos aos fatos da eleição. [...]

(continua: De comício em comício)



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