MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.
O DIA SEGUINTE
[...] dizem que político não dorme de touca. Depois do comício de lançamento da candidatura do coronel, nenhum dos lados políticos dormiu mais, começou a corrida e o jogo sujo. [...]
O DIA SEGUINTE FOI como um dia de ressaca de cachaça. Ambos os lados acordaram, se é que dormiram, com sede de poder.
Coronel Salustiano, amanheceu sentado em sua cadeira de balanço. Estava com o olhar distante, pensativo e uma vontade enorme de iniciar aquele que seria o trabalho com as massas. Durante a noite toda, articulou inúmeros conchavos. Vislumbrou grandes apoios. Chegou até a pensar na composição do seu gabinete. Lembrou de nomes que poderiam ser secretários municipais. Pensou também na reforma que faria no prédio da prefeitura e em sua sala.
O delegado Gilberto não pregou os olhos. Primeiro por estar extremamente irritado com a possibilidade de competir com o coronel Salustiano e correr o risco de perder esta que seria a sua primeira eleição. Segundo, havia uma aranha caranguejeira no ri pão do telhado do seu quarto e que ele jamais conseguiria matá-la. Na verdade, o pé direito era alto e o delegado morria de medo de uma caranguejeira. Passou a noite numa única posição na cama, olhando para o telhado e pensando na política. Também fez planos de como seriam os comícios daqui por diante. Terceiro e mais trágico, durante a noite D. Catuta roncava muito. Parecia uma serraria trabalhando a todo vapor em época de produção constante. A mulher do delegado roncava tanto que, de vez em quando, acordava assustada com seu próprio ronco e mandava-o calar a boca, pensando que conversava dormindo.
O dia amanhece, afinal.
Seria um dia como todos os outros não fosse o ocorrido na noite anterior. O Zeca 's Drinks nunca tinha sido aberto tão cedo.
Seu Zeca estava varrendo o passeio, mas no intuito de encontrar alguém que lhe desse notícias novas. O delegado se levantou e ao passar na sala olhou pela fresta da janela, como fazia todas as manhãs, e viu que o bar do seu Zeca já estava aberto. Pensou que já era tarde e ao olhar para o relógio se deparou de que eram apenas seis e quarenta e cinco da manhã. Intrigado, abriu a porta da frente e conferiu que o comércio ainda estava fechado. Foi até a cozinha, esquentou um café dormido, bebeu numa xícara pequena, acendeu um cigarro e foi até ao banheiro, sentou-se ao vaso e concentrado começou a pensar no que faria nesse dia, quem procuraria dentro do partido para chefiar a sua candidatura, quem seria de confiança para ser o olheiro do outro lado, etc. De repente, algo estranho estava acontecendo no espaço que sobrara entre o vaso e a bunda do delegado. Algo se movimentava de forma lenta. O delegado lembrou-se da caranguejeira que vira durante a noite e como tinha pânico desse bicho, começou e gritar por socorro. Gritava tanto e tão alto que podia se ouvir os gritos até no bar do Seu Zeca.- Vamo tê que arrombá essa disgraça. As veis o delegado se intalou na privada.
- Mas ele não está mais gritando. Falou seu Zeca.
- Vamo arrombá...
E assim fizeram. Arrombaram a porta do banheiro e encontraram o delegado caído no chão desmaiado, todo cagado e a aranha caranguejeira num canto da parede, perto de um monte de papel higiénico sujo, jogado ao chão. Reanimaram o delegado Gilberto, deram a ele um pouco de água com açúcar e aos poucos foram saindo, mas não sem antes falarem com D. Catuta, frases prontas como:
- Ainda bem que não foi nada grave!
- É isso mesmo, tem gente que tem horror a
uma aranha!
- Ele vai ficar bom!
- Tenha forças, minha filha!
- Era um bom homem!
- E a vida continua!
- Entregue nas mãos de Deus!
- Qualquer coisa, é só me chamar!
D. Catuta, um
pouco envergonhada de tudo aquilo, agradecia a todos.
Maria Flor apenas
orava e chorava.
O último a sair,
claro, foi seu Zeca. Ele queria aproveitar até o fim o acontecimento, para
poder discorrer sobre o fato nos mínimos detalhes.
O delegado, ainda
assustado, foi se certificar se a aranha estava morta e constatou que ela já
não mais estava ali. Entrou no banheiro e depois de tomar um longo banho se
vestiu e foi pra delegacia cumprir o seu ócio.
No caminho, muita
gente o cumprimentava. Aqueles que assistiram a cena de perto e ao vivo,
sorriam por se lembrar do quadro. Os que não viram apenas saudavam o delegado.
Por volta das dez
horas, o Bar do seu Zeca estava quase lotado. O comentário do dia era o
delegado e a caranguejeira. Todos riam com as gozações feitas pelas pessoas,
até que o delegado entra no bar. Aí ninguém mais falou nada. Apenas seu Zeca
perguntou como estava sendo o seu dia.
O delegado, com a
cara fechada respondeu:
O meu dia promete
ser muito bom, seu Zeca.
- Pelo visto vai
ser mesmo, delegado...
O senhor tem
alguma dúvida disso?
Não senhor...
Acho que vai ser bom até pra mim.
Parece que vai
mesmo, o senhor abriu o bar bem cedo hoje, não foi seu Zeca? Algum motivo
especial?
- Não senhor... Acho que foi o comício
desta noite... Não consegui dormir e vim logo cedo pro estabelecimento.
- Eu vi o senhor varrendo o passeio...
- E se não fosse isso, delegado, quem
abriria a porta da sua casa quando teve o ocorrido?
O delegado tenta
desviar o assunto.
- Vai fazer muito sol hoje, não acha?
Coloca uma cerveja pra mim, seu Zeca.
Enquanto seu Zeca
foi pegar a cerveja, o delegado foi ao banheiro.
Entra no bar,
Elias Roncolho, vereador da oposição e aliado do coronel Salú.
- Bom-dia a todos...
Alguns
responderam e Elias foi logo se acomodando, pede uma cerveja e ironicamente
comenta em voz alta para os que estavam sentados à mesa ao lado.
- Vocês viram o comício de ontem? Sucesso
total...
O delegado ouviu
aquilo e ficou esperando dentro do banheiro, os comentários que viriam.
Alguns
comentários surgiram:
- O páreo vai ser duro neste ano.
- O delegado não vai encontrar moleza pra
vencer.
- O coronel Salú não ia entrar nessa pra
perder...
- Que nada, o PSD nunca perdeu aqui dentro.
O delegado ouvia
tudo com certa animação até que Elias Roncolho saiu com o comentário que estava
faltando.
- O delegado Gilberto não tem condições de vencer o coronel. Um homem que se caga todo por causa de uma
aranha de nada, não vence eleição.
Foi a mesma coisa
que ter dado um chute no saco do delegado. Ele pegou ar, e enfurecido como
touro na arena, saiu de dentro do banheiro já em direção à mesa de Elias.
- Seu capado de uma figa, repita se for
homem...
Segurou Elias
pelo pescoço e empunhou um revólver.
Uma correria se
formou dentro do bar de seu Zeca.
Elias caído ao
chão e o delegado grudado no seu pescoço e com uma arma apontada para a sua
cabeça, gritava:
- Diga seu miserável, repete o que você
disse cachorro, pra eu meter uma bala na sua cabeça...
Seu Zeca, nervoso
e angustiado, se aproxima do delegado e diz:
- Delegado, olha a sua reputação... Pelo
amor de Deus, delegado, não vá estragar a sua candidatura.
O delegado
Gilberto soltou Elias, guardou a arma e olhando pra todos, que indignados
presenciaram aquela cena e disse:
- Vamos esquecer o ocorrido aqui mesmo. Se
seu Elias quiser continuar aqui dentro do recinto, pode ficar. Vamos tomar
cerveja, que hoje é por minha conta. Vamos brindar a vitória.
Como o povo gosta
mesmo é de festa, a cervejada foi até o final da tarde. Elias Roncolho bebeu e
comeu o dia inteiro, mas sempre de olho no delegado.
Enquanto isso,
coronel Salú saiu pelos distritos e zona rural da região, costurando alianças e
pedindo apoio. Ele sabia que não seria fácil derrotar o delegado Gilberto, não
pela pessoa em si, mas pela força do partido. Teria que trabalhar muito para
convencer o eleitorado a desistir do PSD e votar na UDN, se bem que o seu nome
era benquisto na cidade.
O coronel centrou
sua campanha muito mais nos distritos do que na sede, mesmo sabendo que a soma
dos votos dos distritos não superava jamais a soma dos da sede do município. O
que fortaleceria mesmo a sua campanha era o corpo-a-corpo e as alianças que os
políticos da capital haviam prometido. Sua preocupação maior agora era medir o
numero de correligionários que teria durante a campanha e espionar os comícios
que o outro partido faria de agora em diante.
[...] Em respeito
ao leitor, não vou narrar o que houve em cada comício. Foi muita baixaria
durante a campanha toda. Troca de insultos, brigas, teve até tiroteio, mas só
houve um ferido de raspão, portanto como tudo isso é lixo vamos aos fatos da
eleição. [...]
(continua: De comício em comício)
Nenhum comentário:
Postar um comentário