Continuação final de Horácio de Mattos
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Pouco antes de iniciar o movimento reacionário, Horácio assina um
telegrama redigido por Manoel Alcântara de Carvalho, e envia ao velho
Conselheiro da República. Os termos mostram o entusiasmo febril que os
dominava:
"No momento em que o povo sertanejo marcha para a capital,
obedecendo às determinações impostas pelo sentido de sua liberdade, nós vos
saudamos, excelentíssimo senhor, porque sois a Fé que nos leva à salvação, e
Deus é nosso Guia".
Das ribeiras do São Francisco, passando pelo Raso da Catarina, até
chegar ao Vale do Jiquiriçá, outros três mil sertanejos são arregimentados por
diversos coronéis, também convencidos a participar da revolta. A um sinal do:
idealizadores do movimento na Capital, inicia-se a Reação Sertaneja!
Pelo sofrimento a que o descaso público os condenou por séculos,
pela' incursões punitivas enviadas pelos governadores ao longo dos anos,
aquele: cinco mil homens em marcha, são agora, um caudal de mágoas que desce
serras, serpenteia veredas, sulca a terra ressequida do semiárido e despenca em
redemoinho sobre povoações, fazendas e cidades que estão sob o domínio de
políticos governistas.
Neste turbilhão de violência, a classe dominante é quem menos
sofre, pois debanda rumo à capital ou retira-se para áreas não conflagradas,
deixando o combate nas mãos de pistoleiros contratados, peões e fiéis jagunços.
A força policial do Estado, composta de apenas dois mil homens, aquartela-se em
Salvador onde presumidamente dar-se-á o embate final. Na zona de conflito a
luta é ironicamente fratricida; jagunço contra jagunço, povo contra povo. O
resultado é trágico: cadáveres insepultos nas caatingas e tabuleiros; saques
nas casas comerciais; famílias desagregadas; tristeza e dor.
Horácio após conquistar os mais importantes municípios da Chapada
Diamantina, já se encontra às margens do rio Paraguaçu, não muito distante da
capital, pronto para o ataque a Salvador, quando o estratagema oposicionista
atinge parcialmente o objetivo.
Rui Barbosa |
É uma acachapante derrota política para Rui Barbosa, já que reivindicava uma intervenção Federal objetivando a "Manutenção da forma republicana", dado o regime anárquico instaurado na Bahia. Postulação sarcástica, analisando-se que procede de um dos incitadores daquela sangrenta conturbação social. Pouco mais de duas décadas separam estes acontecimentos de um outro, quando, também, sob alegação de salvar a República de supostos subversores, milhares de soldados do Exército atacaram um pequeno arraial, trucidando todos os seus habitantes: Canudos. Um latente mausoléu à intolerância, assentado sobre ossos do fanatismo.
General Alberto Cardoso Aguiar |
Cel. Manoel Fabrício de Oliveira |
A contrapartida resume-se apenas no apoio político do coronel ao
governador eleito J.J. Seabra, o que de fato ocorre, para desgosto dos seus
antigos correligionários, entre eles, Rui Barbosa que publicamente não se dá
por vencido, e em manifesto à Nação, afirma que os governos Federal e Estadual
foram os grandes derrotados ante as humilhantes imposições estabelecidas pelos
chefes insurretos.
J.J. Seabra |
Apesar de não possuir familiaridade com o universo cultural,
Horácio se comove com a obstinação do mestre em concluir a sede própria do
Instituto Geográfico e Histórico; e resolve ajudá-lo na realização do sonho que
acalenta há anos, cujas obras avançam lentamente no imenso terreno que dá
acesso para as avenidas Joana Angélica e Sete de Setembro, vizinho ao Senado
Estadual. Incentivado pelo caudilho, Bernardino viaja com a família, levando no
bolso do colete cartas de recomendação aos chefes políticos das comunidades
sertanejas. Em cada paragem, o professor e familiares fazem apresentações
musicais e levam polpudas contribuições financeiras doadas por amigos e
correligionários do prestigioso coronel da Chapada.
Ao final da improvisada turnê artística, foram arrecadados mais de
vinte contos de réis, uma fortuna para a época, contribuindo substancialmente
para a conclusão da magnífica obra, finalmente inaugurada em 02 de julho de
1923.
Sete anos se passaram até que, em 1930 eclode um golpe militar de caráter tenentista, mas tendo como líder aparente o civil Getúlio Dornelles Vargas. Horácio de Mattos, mais uma vez manipulado pela classe política dominante, inicia uma reação armada aos revolucionários, mas desta vez é dominado pelas forças vitoriosas antes mesmo de disparar um único tiro. Apesar de colaborar para o desarmamento de sua gente, conforme solicitação telegráfica e ameaça subliminar do coronel Juraci Magalhães, comandante das Forças
Juracy Magalhães |
Quis o destino, todavia, que à frente da Secretaria de Justiça do
Estado, estivesse o professor Bernardino José de Souza, recentemente nomeado
pelos comandantes da revolução. A prisão do amigo, sem culpa formalizada em
inquérito, angustia Bernardino, principalmente porque naquele momento de
exceção constitucional, muito pouco poderia ser feito. Mas mesmo correndo
riscos, faz cautelosas ingerências junto ao Tribunal Revolucionário, ao passo
em que parcela considerável da sociedade baiana também se mobiliza pública e
judicialmente, para promover a libertação de Horácio. Entre seus defensores está
o arcebispo Primaz do Brasil, o presidente da Associação Comercial,
magistrados, desembargadores e jornalistas. Finalmente, um pedido de
habeas-corpus impetrado pelo proprietário do jornal "O Imparcial", é
acatado pelo interventor, sutilmente influenciado por Bernardino de Souza.
Poucas horas se passam da soltura de Horácio, e já chegava a
informação aos ouvidos do vaidoso tenente Hamilton Pompa, que bebia cerveja em
um bar, na rua D'Ajuda, ao lado de outros oficiais do exército. Ele que
ultimamente vivia a jactar-se pela prisão do mais temido chefe sertanejo,
considera-se desmoralizado. Lançando imprecações contra o secretário de
Justiça, a quem acusa de ter facilitado a libertação, saca uma pistola que
conduz à cintura, faz alguns disparos para o alto no interior do bar, efetua a
recarga e decide que matará Bernardino. Descontrolado, sai à rua, seguido por
amigos que tentam contê-lo sem sucesso, até que ao subir os primeiros degraus
do Palácio da Aclamação, empunhando a arma, é fulminado por um tiro de fuzil
disparado pelo guarda palaciano.
A morte de Hamilton Pompa convulsiona o meio militar e seu
sepultamento no dia seguinte, acontece entre exaltados pronunciamentos de civis
simpáticos ao novo regime, e oficiais revolucionários. É o momento psicológico propício
e a oportunidade circunstancial, para execução de um crime há muito planejado:
a vítima está à solta e desprotegida.
Na noite do dia 15 de maio de 1931, vinte e quatro horas após o
enterro do tenente, Horácio de Mattos estando em liberdade condicional, mas sem
permissão para deixar Salvador, passa pelo Largo do Acioli, com destino à
residência de uma cunhada que se encontra em dificuldades financeiras; leva no
bolso dois mil réis para socorrê-la. Detêm-se por alguns instantes para
conversar com um conhecido, quando é furtivamente atacado por um Guarda Civil,
que o atinge com três tiros à queima-roupa. Há poucos metros dali, Horacina,
aos sete anos, toma sorvete com amiguinhas, ouve os disparos e grita
intuitivamente:
- Mataram papai!
O crime, urdido em gabinetes, consentido em quartéis, praticado em
praça pública, nunca teve a autoria intelectual revelada. O autor material e
réu-confesso, o Guarda Civil Vicente Dias dos Santos, que recebeu uma arma e
500 mil réis para a prática do assassinato, foi preso em flagrante julgado e,
curiosamente, inocentado. Algum tempo depois foi encontrar morto em um casebre
na ladeira do Céu, no bairro do Rio Vermelho.
Bernardino José de Souza, acreditando que seu empenho para libertar
amigo Horácio de Mattos, involuntariamente facilitou a ação dos algoze fica
profundamente amargurado. Passados alguns dias, renuncia ao cargo c Secretário
de Justiça e retorna para seu querido Instituto Geográfico Histórico da Bahia.
Inegável que o coronelismo, fenômeno da vida política brasileira,
com origem no período Imperial, graças a uma impressionante capacidade
metamórfica, ainda pode ser observado claramente neste alvorecer do século XXI.
Mudou-se a forma, os métodos; permanece, contudo, a essência daqui que o
mandonismo possui de mais perverso: o escambo envolvendo privilégios e
subserviência.
Francisco Otávio L. Ferreira Secretário Adjunto do IFiGFS Estudante do Curso de Jornalismo (UNEF)
Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - Revista: Ano 1 Nº 1 2004
[1] Nota do Blog - Manuel Fabrício nasceu em
Campestre - hoje pertencente a Seabra - filho Fabrício José de Oliveira e Ana
Nervilha de Oliveira (D. Biosa). Casou com Dursolina Honória em 1882, com quem
teve vários filhos.
Politicamente
aliou-se a José Joaquim Seabra o PRD em Campestre até 1920 e chefiava
um grande bando de jagunços (cerca de 200 homens), com os quais sustentava
as disputas com os membros da família Matos e outros tantos adversários.
Em
Campestre sustentou a defesa de suas posições em quatro ataques armados - sendo
finalmente derrotado por exigência de Horácio de Matos, quando do Convênio de
Lençóis, em 1920 que, numa das suas cláusulas, era exigida sua retirada da
cidade que, então, deixou de existir, passando a distrito de Seabra.
Em
compensação, exerceu funções estaduais em diversas localidades, morrendo no
mesmo ano que a esposa, morando no povoado de Itaíba, em Itaberaba. (
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