Símbolos do Santanópolis

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sábado, 10 de agosto de 2019

"RODOVIÁRIA” DO ROCEIRO OU DO TABARÉU

Franklin Machado
Pofº da UEFS


Franklin Maxado foi o primeiro jornalista diplomado de Feira, tendo começado em  a “Folha do Norte” e sido repórter de A Tarde, Jornal da Bahia e das Emissoras e Diarios Associados, Folha de São Paulo e TV Educativa da Bahia. É ex-gerente de Museus da UEFS  (Casa do Sertão e Regional de Arte) Atualmente, é poeta  e cordelista tendo livros e mais de 400 folhetos publicados.



Monumento ao tropeiro no
Centro de Abastecimento
Foto de autoria de Card Filho
(Para os irmãos Cesário, Eulálio (este o Caboclão Vitória, meu avó materno) e Antonio, tropeiros de Mundo Novo
Franklin Maxado*
franklinmaxado@gmail.com

      A Prefeitura inaugura o Centro Comercial Popular  (aliás já está sendo chamado de “Chinaguai"), visando acolher os camelôs  das ruas  da cidade, embora já  venda lojas para pequenos comerciantes. Virou “Popular” o que no projeto seria  “do Camelô”. Assim, não vai  acabar com os vendedores ambulantes  nas ruas, principalmente os  de frutas e verduras, com seus carrinhos de mão, pois o acesso ao Centro de Abastecimento se torna mais problemático  com o grande empreendimento em frente dos seus galpões.
      Também porque o nome de “Feira” já revela que surgiu de um acontecimento  sócio-comercial em frente a uma igreja dedicada  a uma santa , Sant`Ana, que seria sua padroeira . Acontecimento  este  que muito atraiu roceiros com seus produtos rurais e tropeiros que traziam mercadorias de outras  regiões bem como levavam daqui outras precisadas   nos sertões. Além de compradores que não  eram só moradores  do arraial. Sua posição geográfica como entrada  para a capital e para o litoral do massapê da cana de açúcar, zonas  mais povoadas,  tornava  a feira uma parada obrigatória para essas tropas e boiadas.
      O gado  estava  entre esses produtos originando uma  feira específica que chega aos tempos atuais perfazendo mais  de 200  anos de existência. A princípio, esses bois eram trazidos pelos boiadeiros e vaqueiros e agora por caminhões e seus motoristas.
  
PRAÇA DO “TROPEIRO”
       A chamada Praça do Tropeiro em frente ao Centro Comercial Popular  deveria ser reformada pela terceira vez, adaptando-a aos novos tempos.   Daríamos a sugestão que   a adequasse para paradas de ônibus  e de veículos alternativos que fazem linhas para os distritos e zonas rurais colocando os meios-fios  em ângulos de forma que esses veículos estacionassem ou parassem   em  reentrâncias.
       Os passageiros embarcariam ou desceriam com mais conforto, embora a céu aberto sem  abrigo para sol ou chuva já que é  gente simples e sem muitas exigências. Talvez, o empreendimento dispense esse tipo de consumidor e a praça seja mais voltada  para um usuário mais citadino, perdendo até o sentido da sua denominação para homenagear um novo colonizador: o  chinês com suas bugigangas eletrônicas.
      Ressalte-se que o roceiro , o lavrador, o carreiro, o vaqueiro e outros moradores do meio rural  trabalham duro durante a semana para vir à cidade, geralmente, nos dias de segunda-feira, a fim de vender o produzido e comprar o precisado.  São ou foram  responsáveis  por muito da nossa riqueza e quase nunca lhe deram a atenção merecida. Esses tabaréus só são lembrados e adulados em épocas de eleições.
   O nome do artista que confeccionou   o monumento  ao roceiro, exposto  ali naquela praça construída pelo Prefeito José Falcão não foi registrado , fazendo-se pouco caso do trabalho artístico  de criação. E, na última  reforma da praça e do monumento , constam os nomes do Prefeito José Ronaldo e de  outras autoridades mas igualmente olvidou-se o nome do artista autor e do Prefeito construtor da praça.
       Atualmente, os ônibus e os veículos que os transportam param  ali como de favor junto ao meio-fio da  rua ou da praça. Sem lugar sinalizado e sem ter onde estacionarem,  causando confusão na hora da saída e confundindo seus usuários. Um desrespeito ao cidadão pois o tabaréu o é, considere-o ou não.
      Se continuam no Centro de Abastecimento, estes ônibus ou veículos deveriam ser mistos: para passageiros  e  uma parte para cargas já que trazem produtos da roça para vender, bem como levam mercadorias precisadas  como sacos, caixas, rações, animais de pequeno porte etc.  O que se vê é intolerância como se o transporte rural  fosse uma linha de ônibus urbano qualquer.
      Muitas autoridades  não sabem bem o que é  ser tabaréu ou roceiro. Suas maneiras de ser e necessidades. Tanto é que esta praça que é dedicada ao “tropeiro”, ou seja, um  homem transportador de cargas em burros ou mulas no passado quando não havia o caminhão. Ele os tangia soltos.  E não como está ali naquela praça: um homem que puxa um único animal , que é um  cavalo, com sacos que lembram de farinha . E, não uma tropa de muares para fazer  jus à a denominação de  “tropeiro’.
Como está, deveria ser chamada de Praça do Roceiro! Ou, sem sentido pejorativo, Praça do Tabaréu!

TROPA DE BURRO OU DE MULA.
      A verdadeira praça do tropeiro,  o Prefeito Colbert Martins Filho deveria projetar na frente do centro atacadista que pretende fazer em outro local mais  viável para  entrada e saída de caminhões com cargas. Aí, o tropeiro, que era o antigo transportador, poderá  ser mais significativo. Um homem com chapéu de abas largas para se defender do sol, com chicote longo ( manguá) nas mãos e uma “tropa” de mais de duas mulas ou burros  em passos de viagem e  carregados   com baús, sacos, surrões, bruacas, cangalhas e outros apetrechos.  O seu pai, o também Prefeito anteriormente e que era  fazendeiro , devia saber disso  e lhe falado a respeito.
     Tanto o tropeiro como o boiadeiro foram  importantes na colonização do Brasil. O boiadeiro por conduzir o gado para fazendas nos sertões . O tropeiro para levar mercadorias como bacalhau, vinho, azeite doce (óleo de oliva), farinha do reino (trigo), querosene, açúcar, aguardente, ferramentas  de trabalho etc., bem como trazer produtos das roças, como café, algodão, fumo, requeijão, rapadura  e outras mais para as vilas, portos e povoados, Sem falar nas tropas para transportar  o ouro descoberto aos portos de embarque para Portugal.
  Na Bahia mesmo, tivemos as minas de ouro de Rio de Contas e de Jacobina, Destas  últimas , vinham tropas que passavam pelo arraial de São José das Itapororocas com destino ao porto da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira. Do vasto território  da Freguesia de São José   que compreendia  localidades como Irará, Água  Fria, Ouriçangas, Lustosa, Ipirá, Coração  de Maria, Bento Simões, Retiro  e outras  partiam tropas para transportar  fumo, algodão,  farinha de mandiocas, carne do sol e outros bens para  Cachoeira. O pai da heroína  Maria Quitéria, o português  Gonçalo Alves, mesmo, além de lavrador, chegou a ser tropeiro para realizar viagens para o porto e feira de Cachoeira.
  Essas tropas podiam  chegar até Santo Amaro e outras partes do Recôncavo a fim de abastecer comércios e engenhos, trocando as mercadorias por açúcar e cachaça.
 É possível que um pouso  fosse  no “Casarão dos Olhos d´Água” , fazenda que ficava às margens da estrada real, ainda de pé e restaurado.  Outro,  era   no arraial de  Santana  dos Olhos d´Água por apresentar muitas aguadas em torno  da sua igreja, à beira dessas “estradas reais”.   Não  é à toa que um dos seus bairros   antigos se chama justamente “Pedra do Descanso”. Estas eram trilhas  abertas  por  viajantes, por carros de boi, por boiadas, por  iniciativa do poder público ou não, e que viraram estradas pelo uso continuado. Depois, melhoradas pelas autoridades públicas, contribuindo para tirar povoados e fazendas do isolamento.

“ESTRADAS REAIS”
    Algumas dessas estradas eram mais movimentadas   como as que davam para a a crescente feira-livre   da Vila de Santana da Feira. Outras eram verdadeiras trilhas  por dentro  de matas  e pastagens  e que ensejavam assaltos  e  emboscadas. O  famigerado Lucas da Feira mesmo chegou a formar bando para praticar esse tipo de ação. Deve-se destacar que não havia  agencias bancárias  espalhadas e que os fazendeiros ou  boiadeiros  carregavam  o pagamento  recebido em  moedas e  cédulas do dinheiro  em espécie , o que não deixava de ativar a cobiça de bandidos. 
    Também,  a passagem por lugares ermos, sombreados e estreitos eram  usados para armar tocaias por pistoleiros e jagunços  a fim de  executarem crimes  de mando por parte dos coronéis . Crimes motivados por perseguição política, por vinganças, por desafetos  e até  mesmo  para roubos.
     A demanda por víveres como doces, farinha de mandiocas, fumo, panos, ferramentas e armas nas regiões  de garimpos  ensejavam muito  a ida de tropas para Lençois, Mucugê , Andaraí e   demais   localidades  da Chapadas Diamantina. Seus  chefes políticos estavam sempre  em lutas ou na iminência  delas e assim encomendavam ou compravam  armas e munições, sendo que estas vinham escondidas embaixo da farinha ou de outros mantimentos.
   Assaltos ao tropeiro eram mais raros pois  eles  sempre trocavam as mercadorias levada por outras mais  necessitadas  nos seus locais de origem, carregando dinheiro só para  as despesas essenciais. Suas trocas eram praticamente na lei ancestral  do escambo.
 
VENCENDO DISTÂNCIAS
    As tropas  grandes geralmente  iniciavam suas longas viagens com despedidas , algazarra e até rezas e festa com foguetes nos lugares de origem. Levavam a produção para vender na expectativa de trazer as encomendas e os artigos que ali precisavam. Essas travessias podiam durar meses. Era outra  alegria na chegada,  principalmente quando era época de seca no sertão  e se precisava de muitos víveres.
    Como o pais até  finais do século XIX,  era   fundamentalmente católico, havia muitos cruzeiros ou capelas com santos nas entradas e saídas dos povoados,, arraiais, arruados e vilas  para que os viajantes fizessem orações, promessas ou agradecimentos pelas distâncias vencidas e a vencer, travessias de rios, alagadiços, florestas e dificuldades em geral. Era costume acender  velas ou dar esmolas em moedas para o santo ou para as almas.
   Quando  enfrentavam  a caatinga ou o semi-árido em  estiagem,  um dos animais  levava um ou  mais sacos de milho, fubá ou de bró para  alimentação.  (O bró é a raspa ou rejeito da mandioca quando dela se faz a farinha). Esta  ração era servida na parada  com os caroços botados dentro de um aió. Este era uma espécie de bolsa, cestinha ou saquinho com alça que era colocado e ajustado na cabeça do animal ficando sua boca dentro  do aió e,  assim, podia comer aproveitando  todos os grãos ou porções,  nada esperdiçando da provisão. Depois, era só retirar e guardar para usar este recurso adiante na viagem.
   Normalmente,  as tropas tinham costumeiramente pousos que eram locais  acolhedores e estratégicos para a parada e descanso dos animais. Geralmente, vendas,  fazendas ou sítios com pastagem e  locais  cobertos, como casas, barracões, currais, galpões  etc., para os tropeiros, almocreves  ou tangedores dormirem ou prepararem sua comida ou refeições.   E terem água para os animais beberem como  aqui no povoado de Sant´Anna em torno de sua igreja.  Nas regiões mais secas, elas se situavam em lugares onde havia tanques, barreiros, poços  ou cacimbas cavadas.
    Por  falar em ouro, Minas Gerais foi a Província que teve mais tropas para carregar essa riqueza em  demanda  aos portos do Rio de Janeiro e, mesmo da Bahia, para embarcá-la  nos navios de Portugal. Todavia, tropas ali naquela  Província montanhosa também foram importantes para levar tecidos, ferramentas, armas e mercadorias precisadas  em suas isoladas fazendas de criação de gado  .
   Ali, houve fazendeiros que se especializaram em criar asininos para essas tropas. Antes, houve  os bandeirantes  penetrando no interior.  Depois,  os paulistas que também utilizaram os burros   no transporte  do café  a fim de o exportá-lo.

O  EXEMPLO FOI EUROPEU
    O modelo de criação foi  introduzido pelos jesuítas na Argentina, principalmente de  suas fazendas em Córdoba. Eles trouxeram  cavalos e jumentas da Europa  para fornecer muares  a fim dos espanhóis transportarem o ouro tomado  dos Incas e de outras tribos em trilhas por montanhas da Cordilheira dos Andes.  Travessia esta sempre arriscadas pelas encostas e  rios com correntezas.
    O burro, assim, foi providencial pois o animal de carga  dos Andes  anteriormente era a lhama, um parente do camelo africano ou asiático. Entretanto,  ela não suporta muito peso ,  bem como é menor do que um jumento.  Já este serve para formar uma tropinha, mais  lenta e limitada para grandes distâncias. Os mascates, geralmente sírios- libaneses, turcos e até judeus, usavam-no para levar  seus fardos de tecidos e suas malas com   artigos para costuras, talheres, roupas, louças, panelas, porcelanas e encomendas  para casas de família e fazendas.
    Havia ainda os ciganos  que viajavam em  bandos, negociando cavalos, burros e jumentos  pelo  meio rural e acampavam em fazendas, praças e terrenos baldios onde montavam suas  tendas e forjas para confeccionar tachos de cobre e armas.
  Os circos mambembes  também usavam muito as alimárias para transportar  suas coisas e lonas. Tinham carroções cobertos puxados pela tração animal. O burro estava entre elas.
  O burro nas cidades e nas vilas   foi (e ainda é) muito útil para puxar carroças  que servem para mudanças, entrega de material de construção, retirada de entulhos, transportar cargas de verduras e frutas e outras  precisões.
O burro ou a mula também são muito  apreciados e valorizados por fazendeiros para a sua montaria. Como é animal  resistente, foi muito usado por boiadeiros e compradores de gado em longa viagens  de negócios. Todavia, até hoje tem serventia para  desfiles, cavalgadas e para montaria , principalmente se tem passo marcado e estampa.
Tropa da firma Marinho, Santos & Cia.
    
SUA  EXCELÊNCIA: A MULA
    O burro é um animal  híbrido, daí sua fêmea ser chamada “mula”. Isto é:  mestiça, resultado do cruzamento da égua com o jumento,  (ou do cavalo com a  jumenta) .É um animal rústico, que não procria, bem resistente para peso e que vence longas distancias. Ele tem os cascos menores e  mais alteados  do que os do cavalo,  possibilitando andar mais seguro e equilibrado, sem muito escorregar  na lama. Também  são mais firmes em  terrenos íngremes e  mais duros para andar em leito de cascalho e em pedras.
  Devido  a essas qualidades, foram muito utilizados em guerras para transportar canhões e apetrechos, além de montaria. Não têem a velocidade do cavalo, daí serem preteridos para ataques da Cavalaria. Atualmente, o  animal perde a importância nisso pois é tudo mecanizado ou motorizado.
   Talvez, por  essa utilização em exércitos,  o bando de burros carregados passou a ser popularmente chamado de “tropa”.  A organização  desse transporte foi  evoluindo pela necessidade  de levar e trazer suprimentos vencendo grandes distâncias.  Antes do caminhão e  das rodovias chegarem,  havia tropas sofisticadas com mais de 50 animais e tangidos por vários homens a pé (tropeiros).
   Os burros eram amansados e treinados para seguirem viagem  carregados e juntos sem se dispersarem.  À frente de todos, abrindo caminho e anunciando a tropa, ia geralmente uma mula  vistosa, exibindo  arreios  (às vezes, de prata) areados brilhando ao sol, com  o passo garboso sem carregar nenhuma carga. Guiava as demais com um cincerro tilintando na cabeçada. Ou sininhos. Nela, ainda ostentava uma pena grande ou um penacho  que lhe dava  majestade. Era a chamada “mula rainha”. Ou, mais comumente, “ a madrinha”.

REGISTRO
Por falar em tropeiro, morreu um dos últimos que conhecemos: o sr. João de Firmina ou de dona Joana,  que,  desde menino, levava lenha, carvão, frutas, farinha de mandioca, sacos de milho, de feijão, jaca, abacaxi, frutas e outros produtos dos Municípios de Coração de Maria e de  Irará  para  armazéns e feira de Feira de Santana por trilhas vaqueiras ou estradas carroçáveis. Sem asfalto ou calçamento, claro!.


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