Franklin Machado Pofº da UEFS |
Franklin Maxado foi o primeiro jornalista diplomado de Feira, tendo começado em a “Folha do Norte” e sido repórter de A Tarde, Jornal da Bahia e das Emissoras e Diarios Associados, Folha de São Paulo e TV Educativa da Bahia. É ex-gerente de Museus da UEFS (Casa do Sertão e Regional de Arte) Atualmente, é poeta e cordelista tendo livros e mais de 400 folhetos publicados.
Monumento ao tropeiro no Centro de Abastecimento Foto de autoria de Card Filho |
Franklin Maxado*
franklinmaxado@gmail.com
A Prefeitura inaugura
o Centro Comercial Popular (aliás já
está sendo chamado de “Chinaguai"), visando acolher os camelôs das ruas
da cidade, embora já venda lojas
para pequenos comerciantes. Virou “Popular” o que no projeto seria “do Camelô”. Assim, não vai acabar com os vendedores ambulantes nas ruas, principalmente os de frutas e verduras, com seus carrinhos de
mão, pois o acesso ao Centro de Abastecimento se torna mais problemático com o grande empreendimento em frente dos
seus galpões.
Também porque o
nome de “Feira” já revela que surgiu de um acontecimento sócio-comercial em frente a uma igreja
dedicada a uma santa , Sant`Ana, que
seria sua padroeira . Acontecimento este
que muito atraiu roceiros com seus
produtos rurais e tropeiros que traziam mercadorias de outras regiões bem como levavam daqui outras
precisadas nos sertões. Além de compradores que não eram só moradores do arraial. Sua posição geográfica como
entrada para a capital e para o litoral
do massapê da cana de açúcar, zonas mais
povoadas, tornava a feira uma parada obrigatória para essas
tropas e boiadas.
O gado
estava entre esses produtos
originando uma feira específica que
chega aos tempos atuais perfazendo mais
de 200 anos de existência. A princípio,
esses bois eram trazidos pelos boiadeiros e vaqueiros e agora por caminhões e
seus motoristas.
PRAÇA DO “TROPEIRO”
A chamada Praça
do Tropeiro em frente ao Centro Comercial Popular deveria ser reformada pela terceira vez,
adaptando-a aos novos tempos. Daríamos
a sugestão que a adequasse para paradas
de ônibus e de veículos alternativos que
fazem linhas para os distritos e zonas rurais colocando os meios-fios em ângulos de forma que esses veículos
estacionassem ou parassem em reentrâncias.
Os passageiros embarcariam
ou desceriam com mais conforto, embora a céu aberto sem abrigo para sol ou chuva já que é gente simples e sem muitas exigências. Talvez,
o empreendimento dispense esse tipo de consumidor e a praça seja mais
voltada para um usuário mais citadino,
perdendo até o sentido da sua denominação para homenagear um novo colonizador:
o chinês com suas bugigangas
eletrônicas.
Ressalte-se que
o roceiro , o lavrador, o carreiro, o vaqueiro e outros moradores do meio
rural trabalham duro durante a semana
para vir à cidade, geralmente, nos dias de segunda-feira, a fim de vender o
produzido e comprar o precisado. São ou
foram responsáveis por muito da nossa riqueza e quase nunca lhe
deram a atenção merecida. Esses tabaréus só são lembrados e adulados em épocas
de eleições.
O nome do artista
que confeccionou o monumento ao roceiro, exposto ali naquela praça construída pelo Prefeito
José Falcão não foi registrado , fazendo-se pouco caso do trabalho artístico de criação. E, na última reforma da praça e do monumento , constam os
nomes do Prefeito José Ronaldo e de
outras autoridades mas igualmente olvidou-se o nome do artista autor e
do Prefeito construtor da praça.
Atualmente, os
ônibus e os veículos que os transportam param
ali como de favor junto ao meio-fio da
rua ou da praça. Sem lugar sinalizado e sem ter onde estacionarem, causando confusão na hora da saída e
confundindo seus usuários. Um desrespeito ao cidadão pois o tabaréu o é,
considere-o ou não.
Se continuam no
Centro de Abastecimento, estes ônibus ou veículos deveriam ser mistos: para
passageiros e uma parte para cargas já que trazem produtos
da roça para vender, bem como levam mercadorias precisadas como sacos, caixas, rações, animais de
pequeno porte etc. O que se vê é
intolerância como se o transporte rural
fosse uma linha de ônibus urbano qualquer.
Muitas
autoridades não sabem bem o que é ser tabaréu ou roceiro. Suas maneiras de ser e
necessidades. Tanto é que esta praça que é dedicada ao “tropeiro”, ou seja, um homem transportador de cargas em burros ou
mulas no passado quando não havia o caminhão. Ele os tangia soltos. E não como está ali naquela praça: um homem
que puxa um único animal , que é um
cavalo, com sacos que lembram de farinha . E, não uma tropa de muares
para fazer jus à a denominação de “tropeiro’.
Como está, deveria ser chamada de Praça do Roceiro! Ou, sem
sentido pejorativo, Praça do Tabaréu!
TROPA DE BURRO OU DE MULA.
A verdadeira
praça do tropeiro, o Prefeito Colbert
Martins Filho deveria projetar na frente do centro atacadista que pretende
fazer em outro local mais viável
para entrada e saída de caminhões com
cargas. Aí, o tropeiro, que era o antigo transportador, poderá ser mais significativo. Um homem com chapéu
de abas largas para se defender do sol, com chicote longo ( manguá) nas mãos e
uma “tropa” de mais de duas mulas ou burros em passos de viagem e carregados
com baús, sacos, surrões, bruacas, cangalhas e outros apetrechos. O seu pai, o também Prefeito anteriormente e
que era fazendeiro , devia saber
disso e lhe falado a respeito.
Tanto o tropeiro
como o boiadeiro foram importantes na
colonização do Brasil. O boiadeiro por conduzir o gado para fazendas nos
sertões . O tropeiro para levar mercadorias como bacalhau, vinho, azeite doce
(óleo de oliva), farinha do reino (trigo), querosene, açúcar, aguardente,
ferramentas de trabalho etc., bem como
trazer produtos das roças, como café, algodão, fumo, requeijão, rapadura e outras mais para as vilas, portos e
povoados, Sem falar nas tropas para transportar
o ouro descoberto aos portos de embarque para Portugal.
Na Bahia mesmo,
tivemos as minas de ouro de Rio de Contas e de Jacobina, Destas últimas , vinham tropas que passavam pelo
arraial de São José das Itapororocas com destino ao porto da Vila de Nossa
Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira. Do vasto território da Freguesia de São José que compreendia localidades como Irará, Água Fria, Ouriçangas, Lustosa, Ipirá, Coração de Maria, Bento Simões, Retiro e outras
partiam tropas para transportar
fumo, algodão, farinha de mandiocas,
carne do sol e outros bens para
Cachoeira. O pai da heroína Maria
Quitéria, o português Gonçalo Alves,
mesmo, além de lavrador, chegou a ser
tropeiro para realizar viagens para o porto e feira de Cachoeira.
Essas tropas
podiam chegar até Santo Amaro e outras
partes do Recôncavo a fim de abastecer comércios e engenhos, trocando as
mercadorias por açúcar e cachaça.
É possível que um
pouso fosse no “Casarão dos Olhos d´Água” , fazenda que
ficava às margens da estrada real, ainda de pé e restaurado. Outro,
era no arraial de Santana dos Olhos d´Água por apresentar muitas aguadas
em torno da sua igreja, à beira dessas
“estradas reais”. Não é à toa que um dos seus bairros antigos se chama justamente “Pedra do
Descanso”. Estas eram trilhas
abertas por viajantes, por carros de boi, por boiadas,
por iniciativa do poder público ou não,
e que viraram estradas pelo uso continuado. Depois, melhoradas pelas
autoridades públicas, contribuindo para tirar povoados e fazendas do isolamento.
“ESTRADAS REAIS”
Algumas dessas
estradas eram mais movimentadas como as
que davam para a a crescente feira-livre da Vila de Santana da Feira. Outras eram verdadeiras trilhas por dentro
de matas e pastagens e que ensejavam assaltos e
emboscadas. O famigerado Lucas da
Feira mesmo chegou a formar bando para praticar esse tipo de ação. Deve-se
destacar que não havia agencias
bancárias espalhadas e que os
fazendeiros ou boiadeiros carregavam
o pagamento recebido em moedas e cédulas do dinheiro em espécie , o que não deixava de ativar a
cobiça de bandidos.
Também, a passagem por lugares ermos, sombreados e
estreitos eram usados para armar tocaias
por pistoleiros e jagunços a fim de executarem crimes de mando por parte dos coronéis . Crimes
motivados por perseguição política, por vinganças, por desafetos e até
mesmo para roubos.
A demanda por
víveres como doces, farinha de mandiocas, fumo, panos, ferramentas e armas nas
regiões de garimpos ensejavam muito a ida de tropas para Lençois, Mucugê ,
Andaraí e demais localidades
da Chapadas Diamantina. Seus
chefes políticos estavam sempre
em lutas ou na iminência delas e
assim encomendavam ou compravam armas e
munições, sendo que estas vinham escondidas embaixo da farinha ou de outros
mantimentos.
Assaltos ao
tropeiro eram mais raros pois eles sempre trocavam as mercadorias levada por
outras mais necessitadas nos seus locais de origem, carregando
dinheiro só para as despesas essenciais.
Suas trocas eram praticamente na lei ancestral
do escambo.
VENCENDO DISTÂNCIAS
As tropas grandes geralmente iniciavam suas longas viagens com despedidas
, algazarra e até rezas e festa com foguetes nos lugares de origem. Levavam a
produção para vender na expectativa de trazer as encomendas e os artigos que
ali precisavam. Essas travessias podiam durar meses. Era outra alegria na chegada, principalmente quando era época de seca no
sertão e se precisava de muitos víveres.
Como o pais
até finais do século XIX, era
fundamentalmente católico, havia muitos cruzeiros ou capelas com santos
nas entradas e saídas dos povoados,, arraiais, arruados e vilas para que os viajantes fizessem orações,
promessas ou agradecimentos pelas distâncias vencidas e a vencer, travessias de
rios, alagadiços, florestas e dificuldades em geral. Era costume acender velas ou dar esmolas em moedas para o santo
ou para as almas.
Quando enfrentavam a caatinga ou o semi-árido em estiagem,
um dos animais levava um ou mais sacos de milho, fubá ou de bró para alimentação.
(O bró é a raspa ou rejeito da mandioca quando dela se faz a farinha). Esta ração era servida na parada com os caroços botados dentro de um aió. Este
era uma espécie de bolsa, cestinha ou saquinho com alça que era colocado e
ajustado na cabeça do animal ficando sua boca dentro do aió e,
assim, podia comer aproveitando
todos os grãos ou porções, nada
esperdiçando da provisão. Depois, era só retirar e guardar para usar este
recurso adiante na viagem.
Normalmente, as tropas tinham costumeiramente pousos que
eram locais acolhedores e estratégicos
para a parada e descanso dos animais. Geralmente, vendas, fazendas ou sítios com pastagem e locais
cobertos, como casas, barracões, currais, galpões etc., para os tropeiros, almocreves ou tangedores dormirem ou prepararem sua
comida ou refeições. E terem água para
os animais beberem como aqui no povoado
de Sant´Anna em torno de sua igreja. Nas
regiões mais secas, elas se situavam em lugares onde havia tanques, barreiros, poços ou cacimbas cavadas.
Por falar em ouro, Minas Gerais foi a Província
que teve mais tropas para carregar essa riqueza em demanda
aos portos do Rio de Janeiro e, mesmo da Bahia, para embarcá-la nos navios de Portugal. Todavia, tropas ali
naquela Província montanhosa também foram
importantes para levar tecidos, ferramentas, armas e mercadorias precisadas em suas isoladas fazendas de criação de gado .
Ali, houve fazendeiros que se especializaram
em criar asininos para essas tropas. Antes, houve os bandeirantes penetrando no interior. Depois, os paulistas que também utilizaram os burros no transporte
do café a fim de o exportá-lo.
O EXEMPLO FOI EUROPEU
O modelo de
criação foi introduzido pelos jesuítas
na Argentina, principalmente de suas
fazendas em Córdoba. Eles trouxeram
cavalos e jumentas da Europa para
fornecer muares a fim dos espanhóis
transportarem o ouro tomado dos Incas e
de outras tribos em trilhas por montanhas da Cordilheira dos Andes. Travessia esta sempre arriscadas pelas
encostas e rios com correntezas.
O burro, assim,
foi providencial pois o animal de carga
dos Andes anteriormente era a
lhama, um parente do camelo africano ou asiático. Entretanto, ela não suporta muito peso , bem como é menor do que um jumento. Já este serve para formar uma tropinha, mais lenta e limitada para grandes distâncias. Os
mascates, geralmente sírios- libaneses, turcos e até judeus, usavam-no para
levar seus fardos de tecidos e suas
malas com artigos para costuras,
talheres, roupas, louças, panelas, porcelanas e encomendas para casas de família e fazendas.
Havia ainda os
ciganos que viajavam em bandos, negociando cavalos, burros e
jumentos pelo meio rural e acampavam em fazendas, praças e
terrenos baldios onde montavam suas tendas e forjas para confeccionar tachos de
cobre e armas.
Os circos
mambembes também usavam muito as
alimárias para transportar suas coisas e
lonas. Tinham carroções cobertos puxados pela tração animal. O burro estava
entre elas.
O burro nas cidades
e nas vilas foi (e ainda é) muito
útil para puxar carroças que servem para
mudanças, entrega de material de construção, retirada de entulhos, transportar
cargas de verduras e frutas e outras
precisões.
O burro ou a mula também são muito apreciados e valorizados por fazendeiros para
a sua montaria. Como é animal
resistente, foi muito usado por boiadeiros e compradores de gado em
longa viagens de negócios. Todavia, até
hoje tem serventia para desfiles,
cavalgadas e para montaria , principalmente se tem passo marcado e
estampa.
Tropa da firma Marinho, Santos & Cia. |
SUA EXCELÊNCIA: A
MULA
O burro é um animal híbrido, daí sua fêmea ser chamada “mula”.
Isto é: mestiça, resultado do cruzamento
da égua com o jumento, (ou do cavalo com
a jumenta) .É um animal rústico, que não
procria, bem resistente para peso e que vence longas distancias. Ele tem os
cascos menores e mais alteados do que os do cavalo, possibilitando andar mais seguro e
equilibrado, sem muito escorregar na
lama. Também são mais firmes em terrenos íngremes e mais duros para andar em leito de cascalho e
em pedras.
Devido
a essas qualidades, foram muito utilizados em guerras para transportar
canhões e apetrechos, além de montaria. Não têem a velocidade do cavalo, daí
serem preteridos para ataques da Cavalaria. Atualmente, o animal perde a importância nisso pois é
tudo mecanizado ou motorizado.
Talvez, por essa utilização em exércitos, o bando de burros carregados passou a ser
popularmente chamado de “tropa”. A
organização desse transporte foi evoluindo pela necessidade de levar e trazer suprimentos vencendo grandes
distâncias. Antes do caminhão e das rodovias chegarem, havia tropas sofisticadas com mais de 50
animais e tangidos por vários homens a pé (tropeiros).
Os burros eram amansados
e treinados para seguirem viagem
carregados e juntos sem se dispersarem.
À frente de todos, abrindo caminho e anunciando a tropa, ia geralmente
uma mula vistosa, exibindo arreios (às vezes, de prata) areados brilhando ao sol,
com o passo garboso sem carregar nenhuma
carga. Guiava as demais com um cincerro tilintando na cabeçada. Ou sininhos. Nela,
ainda ostentava uma pena grande ou um penacho
que lhe dava majestade. Era a
chamada “mula rainha”. Ou, mais comumente, “ a madrinha”.
REGISTRO
Por falar em tropeiro, morreu um dos últimos que conhecemos:
o sr. João de Firmina ou de dona Joana,
que, desde menino, levava lenha,
carvão, frutas, farinha de mandioca, sacos de milho, de feijão, jaca, abacaxi,
frutas e outros produtos dos Municípios de Coração de Maria e de Irará
para armazéns e feira de Feira de
Santana por trilhas vaqueiras ou estradas carroçáveis. Sem asfalto ou
calçamento, claro!.
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