Evandro J.S. Oliveira |
AMORIM, UM SOBREVIVENTE
Em novembro de 2011, postei no Blog do Colégio Santanópolis[1],
a fala mais espetacular que já tinha ouvido, acho até muito difícil alguém
proferir relato tão formidável. Necessário já ter 92 anos, memória excepcional,
capacidade de relato, coragem para contar sua vida, que por si só é novelesca.
Joselito Falcão Amorim |
O evento que possibilitou Amorim fazer esta dissertação, foi a outorga da
“Comenda Maria Quitéria”, pela Casa da Cidadania. Baseado no vídeo e em
conversas com o autor tento reproduzir sua trajetória.
Manoel Ribeiro Falcão, patriarca de uma das famílias mais
abastadas no início do século vinte, casou três filhas; Áurea Marques Falcão
com o Sr. Pedro Carvalho, família tradicional de nossa terra; Alzira Marques Falcão
com Adalberto Pereira, um dos maiores fazendeiros da região; Leolinda Marques
Falcão, com Sr. Arsênio Oliveira, mais conhecido por ter sido o pai do maior
pintor já nascido em Feira de Santana, Raimundo Oliveira.
Diolinda Marques Falcão No covento |
Sr. Manoel Falcão teve uma quarta filha, Diolinda Marques
Falcão, a mais nova, era solteira. O grande escândalo da época foi que ela
apareceu grávida. Naquele tempo, pecado imperdoável. “Mancha que contaminava
toda a família” para uma família da elite, uma desgraça.
Sr. Manoel Falcão, homem duro, não perdoou a filha, não
aceitou o neto, entregando-o à parteira, sem querer saber o destino. A parteira
que era também lavadeira, tinha ido levar a roupa lavada, quando se deparou com
uma jovem em processo de parto. Após ter nascido um menino homem, entregaram a
criança a parteira para que fosse levada.
A parteira/lavadeira[2],
sabendo que um casal: Sr. Manoel Bispo Amorim e Senhora Esmeria Boaventura
Amorim queria adotar uma criança se dispôs a entregá-lo a eles, os quais receberam
o rebento com alegria, imediatamente colocaram o nome de JOSELITO FALCÃO
AMORIM.
Lado esquerdo da Igreja da Matriz, ainda sem a torre, estação ferroviária, na época |
A mãe biológica foi despachada,
para o Convento da Lapa. Contam, os mais velhos, que quando do bota fora dela na Estação do Trem, que
ficava na praça da Matriz, compareceu metade da população de Feira de Santana.
Amorim só desconfiou desta história quando já com 11 para 12
anos, em um local onde hoje é o Hospital D. Pedro, era um terreno que servia de
brincadeiras, futebol... parou um carro com um garoto dirigindo, era uma
novidade, primeiro automóvel não era comum, segundo dirigido por um garoto que
gritou para ele, hei primo! Era Nilton Falcão.
Em casa perguntou aos pais, o que significava a fala de Nilton,
estes contaram parte da sua história. Aí foi entendendo o apreço especial do
Sr. Adalberto Pereira, não era só seu padrinho, também era seu tio. Dos seus
ascendentes, ficou ligado a ele até final da sua vida.
A mãe adotiva, D. Esmeria, levou Amorim, ainda criança, duas
vezes ao convento para Diolinda vê-lo. Como era proibido, a Freira o viu por
traz de uma tela de madeira. Mas Amorim não a viu.
Diolinda faleceu no Convento da Lapa.
Em 1924 faleceu Sr. Manoel Falcão, grande comerciante, vendia
entre outras coisas, fumo e couro para o exterior. Era empregado especial o
sobrinho João Marinho Falcão, sendo promovido pela viúva a gerente do Empório.
Posteriormente, João Marinho, já como proprietário da empresa, juntou-se ao Sr.
Hermínio Santos e Sr. Arsênio Oliveira adquirindo a filial de Ramos & Cia, na
rua de Aurora, criaram a casa Marinho, Santos @ Cia Ltda.
Amorim estudou sempre no Santanópolis. Depois dos quatro anos
do curso ginasial mais um ano no curso de Bacharel em Ciências e Letras, tempos
depois no Curso Comercial, hoje Técnico em Contabilidade.
Terminado o curso de Bacharel em Ciências e Letras, para
continuar os estudos no 2º Grau, teve uma promessa de bolsa para Salvador,
pediu transferência, mas houve imprevisto não conseguindo o intento, o que
mudou seu destino.
Foi ser balconista em Marinho, Santos @ Cia Ltda.
Já tinha pago a transferência, resolveu pegar a documentação.
Naquela época o Ginásio tinha acabado de ficar sem professor de Matemática, então
meu pai, Áureo Filho, diretor do Ginásio, viu o seu currículo, vendo que suas
notas em Matemática eram excelentes, perguntou-lhe para onde ele iria:
respondeu decepcionado, por não ter alcançado sua intenção, iria ser cacheiro
na casa comercial de João Marinho. Áureo falou, “não vai não, procure Catuca, Edelvira
d’Oliveira, minha irmã”, fundadora, professora de Português e também Diretora do Ginásio.
Amorim ocupou todos os cargos possíveis no Santanópolis,
Professor; Diretor do Internato; Inspetor do MEC para o Ensino Comercial;
Diretor do Curso Noturno.
Orgulhosamente ostenta ter servido em todas as áreas no serviço
público: Exército, foi convocado no tempo da Segunda Guerra Mundial; no Legislativo,
vereador de Feira de Santana; no Executivo, Prefeito da mesma cidade e no Judiciário,
Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia.
No final da vida de seu padrinho e tio Adalberto Pereira,
perguntou a este se sabia quem era seu pai, Adalberto então contou que Diolinda
morreu sem dizer o nome, mas a família tinha uma suspeita muito forte: todos os
anos vinham alemães comprar couro e fumo no empório de Manoel Falcão, este
achava que naquele tempo não existia em Feira de Santana um hotel digno para
hospedar europeus, então o acomodou em sua residência, nove meses após nasceu
JOSELITO FALCÃO AMORIM.
Cartão enviado a Amorim, pelo seu primo José da Costa Falcão, um dos grandes empresários, sucessor de João Marinho Falcão |
Esta história gerou um excelente romance, “O FILHO DA MADRE”
com 325 páginas, escritor Jailton Batista.
Postagem concomitante à matéria do jornal "Metropolitano".
[1] https://ginasiosantanopolis.blogspot.com/2011/11/comenda-concedida-joselito-falcao.html
[2]
Amorim, adulto, já sabendo da sua história, procurou essa senhora que o trouxe
ao mundo. Nunca conseguiu saber o nome, soube apenas que morava em uma invasão
no “Tanque do Urubu”, onde antigamente se desfaziam dos escravos mortos, mais
não sabiam para onde foi nem se estava viva.
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