Gastão Guimarães viveu em Feira de
Santana, na primeira metade do século XX. Chegou em 1916 e permaneceu pelo
resto da vida, prestando inestimáveis serviços aos pobres e necessitados.
Durante as epidemias de varíola e
“cólera morbus”, respectivamente em 1920 e 1934 e 1935, socorreu a maioria das
vítimas. Algumas acometidas da forma mais terrível, a pneumônica; nestes casos,
além de socorrer os doentes, levava, às suas custas, seus amigos e familiares
para se vacinarem em Salvador.
Fez da profissão um sacerdócio.
Por ocasião do seu jubileu de formatura - em dezembro de 1937 - a efeméride foi
comemorada por sete dias.
Sua morte, ocorrida em 24 de
agosto de 1954, causou comoção pública. A massa humana que compareceu ao ato
fúnebre se apossou do ataúde e o levou, à mão, de sua residência até o
Cemitério da Piedade.
Outros médicos humanitários se
tornaram famosos em Feira de Santana: REMÉDIOS
MONTEIRO, SABINO SILVA e FERNANDO
JOSE DE SÃO PAULO.
Em 1978, disse o Prof. JOSÉ
SILVEIRA: “Inesperadamente as cousas se transfiguraram. O médico, de carinhoso,
dedicado e bom, passou a ser visto como um interesseiro vulgar, frio, desumano,
desidioso e incapaz. Por que tudo
isso? Tão grave e singular problema, que fere e abala os alicerces de nossa
vida profissional, está a exigir, com urgência, uma análise cuidadosa e
responsável, um julgamento equânime e seguro, de onde possam partir soluções
justas c salvadoras”.
Afinal, o que mudou? O médico, ou
a medicina? O médico, ou as condições de trabalho? O que se deve fazer, para
contornar tão grave situação?
Para ser médico, acredito eu, o candidato deve ser compreensivo e
humilde, viver em harmonia com variados tipos humanos, gostar da análise e da
reflexão, ter amor ao estudo, atualizar o conhecimento, ser persistente,
valorizar o próximo - amando-o e respeitando-o - e ter, acima de tudo, mente
aberta, firmeza de caráter e retidão de conduta.
O primeiro passo para o sucesso é ter vocação.
Na génese deste ideal, há, naturalmente, a influência de modelos. O Prof.
ADRIANO PONDÉ serve de exemplo. “Com simplicidade, disse ele, declaro que
praticar a Medicina foi a minha primeira ambição consciente, estimulada com o
exemplo aliciante de meu pai. Assim, nasceu a vocação, o apelo para uma
determinada forma de vida. Em meu pai conheci a completa personificação do
verdadeiro clínico pelo saber, nas qualidades do coração e pelos dons do
espírito”.
O ideal, uma vez fortalecido,
toma-se imbatível pois resiste ao desânimo. A palavra final fica com o Prof.
JOSÉ SILVEIRA, que nos legou a seguinte verdade: “A matéria prima com a qual
lidamos é tão pura, tão delicada, e tão transcendente; é um bem de tão alto
valor que um deslize, uma falha, qualquer engano, um simples erro justificável pela condição humana, assume
proporções dramáticas de uma irreversível catástrofe”.
Cito
mais uma vez o mestre SILVEIRA que, durante um simpósio promovido pela Academia
de Medicina da Bahia, declarou: “Torna-se necessário indagar - antes de tudo -
num cuidadoso exame de consciência, se para exercer tão difíceis e delicados
misteres que não dependem apenas de mãos hábeis e adestradas, mas de nobreza
d'alma, formação espiritual e alto sentido humano - estamos selecionando com o
devido escrúpulo os melhores e os mais capazes”.
Vencida
a seleção, o candidato entra na faculdade e se depara com um desafio que o
perseguirá pelo resto da vida: desenvolver e aperfeiçoar três qualidades
imprescindíveis para a conquista do almejado sucesso: CONHECIMENTO, ATITUDE e
HABILIDADE.
CONHECIMENTO
é o saber que se adquire no convívio acadêmico. Ele é passado pelos mestres,
durante a graduação e os estudos posteriores. É um saber que exige motivação
permanente e constante atualização. Para consegui-lo, é imperioso que o
estudante frequente com assiduidade as aulas teóricas e práticas, tenha amor
aos livros e a outras fontes de informação.
A
evolução do saber é tão intensa que um professor universitário renunciou à cátedra,
no México, sob a alegação de que, não obstante seu continuado esforço, nunca se
sentiu atualizado. E um saber que não tem preço mas, apesar de tudo, não é
suficiente. O médico, para ser bom médico, deve ter, além do conhecimento,
ATITUDE e HABILIDADE.
A
ATITUDE MÉDICA é um atributo próprio de quem exerce a Medicina. É um conjunto
de qualidades que acompanha o médico em toda a parte e em todas as ocasiões.
Inclui da postura ao traje, o modo de ouvir, de olhar, indagar, apalpar,
auscultar, percutir, confortar, aconselhar, agir e sorrir. Ainda ecoa em meu
espírito as palavras de JAYME DE SÁ MENEZES: “Não vos esqueçais que se toda a
medicina não está na bondade, menos vale quando está separada dela. A ciência
poderosa vence, domina, aniquila o sofrimento, e recolhe entre bênçãos o
condenado ao último suspiro, mas a bondade mitiga, consola, acaricia e,
sobretudo, mente, resignada perante o mal incurável que condena o paciente à
morte”.
Sorrir
é preciso. MOLIÈRE recrimina o médico sisudo dizendo: “É gracioso, gosto dele/É
um doutor sério / lembra logo o cemitério.”
É
necessário ser modesto. LAFAYETE SPÍNOL A ridiculariza o médico presunçoso,
recitando: “Este doutor, sabedório / a profissão leva a sério. / Abriu
consultório defronte do cemitério”.
É
preciso ser responsável. ROBERTO CORREIA condena o médico leviano quando diz:
“De muitos doutores sei / que todos nós acatamos / quando nos diz cheguei /
retruca a morte: chegamos!”
O
equilíbrio da relação médico-paciente é um requisito indispensável ao exercício
da Medicina.
HABILIDADE
é a capacidade de, analisando sinais e sintomas, chegar a um diagnóstico. É um
dom que se adquire com o tempo. É preciso enxergar longe, olhar na escuridão,
ter, como disse JAYME DE SÁ MENEZES, “raios X nos dedos,
nos ouvidos e no cérebro”. As doenças não se mostram à primeira vista, não se
insinuam; na maioria das vezes se escondem em um emaranhado de sinais e
sintomas, usando nomes arrevesados de síndromes que nunca imaginamos.
O clínico que se habitua a adivinhar ao invés de examinar,
observar e ponderar, encanta os leigos, mas cai no erro, e o erro em Medicina é
quase sempre fatal. O
conselho que posso dar aos que me ouvem, é que escutem as queixas dos doentes
com paciência, e os examinem da cabeça aos pés, aparelho por aparelho, sistema
por sistema, sem elaborar diagnósticos mirabolantes, sem ideias preconcebidas,
sem arrogância, com muita calma e muita paciência. Quem seguir este conselho
poderá cometer algum erro próprio à condição humana, mas nunca se dirá que
cometeu um erro por preguiça, pressa, otimismo exagerado, ou negligência. Nisto
consiste a ANAMNESE.
Com estas palavras exalto os médicos que levantaram bem alto
o conceito da medicina baiana: CÉSAR DE ARAÚJO com o Santa Terezinha, JOSÉ
SILVEIRA com o IBIT, OTÁVIO TORRES com o Leprosário de Águas Claras, ÁLVARO
BAHIA com o Hospital Martagão Gesteira, FERNANDO NOVA com o IBR, ARISTIDES
MALTEZ com o Hospital do Câncer, HUMBERTO CASTRO LIMA com o IBOPC e FERNANDO
FILGUEIRAS, com o exemplo de desprendimento.
Transcrito da revista "História e Estórias dos
Séculos XIX e XX (Escritas a cinquenta mãos). Edição Especial do Instituto Histórico e Geográfico de
Feira de Santana - 2015
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