Hugo Navarro da Silva |
Segundo Luís da Câmara Cascudo a lenda apresenta quatro
características, as mesmas do conto popular: antiguidade, persistência,
anonimato e oralidade. A afirmação vem a pique do assunto que nos últimos dias
tem merecido espaço na mídia local, o do lobisomem que deu de aparecer em
bairro desta cidade, provocando sustos e correrias. Lobisomem é coisa antiga,
que assumiu importância na Europa com o aparecimento de pessoas peludas como
bichos (hipertricose), reforçada por malucos que acreditam poder transformar-se
em lobo (licantropia). Muito antes do cinema assumir o tema, fazendo a fama de
Lon Chaney Jr. e provocar calafrios nos frequentadores do “Cine Santana”, o
lobisomem já estava nos sertões bahianos, de preferência onde havia faceiras de
pais ou maridos descuidados. Nesta cidade, em certa época, lobisomem tinha pouso
principal na Avenida do Senhor dos Passos, no antigo “Beco do Amor”, onde
lâmpada do único poste ali existente nunca durava mais de vinte e quatro horas.
Ingressou no ideário popular de tal sorte que não eram poucos os que davam
testemunho de aterrorizantes encontros noturnos com o bicho, que frequenta até
a literatura. Pobres diabos, opilados, mal nutridos, pálidos, sofriam sérias
restrições, no interior da Bahia, sob a terrível suspeita de virar lobisomem e alguns
moradores da Senhor dos Passos, vistos
como antipáticos ou posudos, recebiam o apelido de “lobisomem da avenida”
A lenda é universal e ocupa lugar de destaque como criadora
de mitos, desde a antiguidade, inventando histórias de santos, bichos, líderes,
heróis e milagres. Dela saíram dragões, Robin Hood, os gansos de Capitólio, as
proezas de Hércules, Rômulo e Remo, Guilherme Tell, o labirinto de Teseu, as sereias,
o patriotismo de nossa Maria Quitéria de Jesus, a descoberta do Brasil e
milhares de crenças, algumas maravilhosas, que nossa gente sertaneja e simples
transformou no boto, da região amazônica, pai de muito menino em substituição
aos íncubos da Idade Média com a vantagem de não encarnar o Diabo; da mula de
padre, negrinho do pastoreio, mula-sem-cabeça e um sem número de outras
fantasias que tiraram o sono de muita criança pelo interior brasileiro.
Lendas, milagres e mitos são perpétuas carências do povo,
sempre necessitado de se agarrar a alguma crença, embora haja verdadeiros
milagres acontecendo sob o nariz de todo mundo e ninguém vê. É o caso do
participante de organização que veda, aos membros, o direito de propriedade
mas, ao morrer, deixa aos parentes patrimônio de milhões em forma da velha
malandragem da fundação. É milagre substancial!
No mundo moderno
crescem de importância as lendas urbanas, em virtude das quais pessoas se
preocuparam com jacarés nos esgotos de New York, as abduções por alienígenas, a
mulher do cemitério ou do velório e o roubo de órgãos humanos por quadrilhas
noturnas.
Feira não foge à regra.
Possui lendas urbanas. A principal, ultimamente, é a do aeroporto, que de
fato a cidade nunca teve. Quando invadiram e lotearam o campo de aviação do Campo
Limpo, certo governador, que montou morada em Jaíba, resolveu seus problemas de
locomoção construindo, no Distrito, pista asfaltada perto de sua fazenda. A pista
dispunha de alguns instrumentos de navegação aérea prontamente levados, pelo
governo estadual, para Vitória da Conquista. Tentaram, na pista, empresa de
taxis aéreos, que não vingou, escola de pilotagem, que não formou nenhum
aviador e a manutenção de aero clube, que acabou fracassando. Restou o asfalto,
cheio de azares, murcho de esperanças e carregado de fracassos. O barulho que
se faz, entretanto, em torno de aeroporto que nunca existiu, transforma-o em
verdadeira lenda urbana.
Queira Deus um dia se torne real e não apenas parte do mundo
publicitário vazio e do palavreado tolo da lenda.
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