O “Blog Demais” está anunciando, para agosto, a exibição, em
Salvador, de filme/documentário sobre a vida e a obra de Cuíca de Santo Amaro. Posteriormente
será levado a outras cidades bahianas. O filme é baseado em relatos de pessoas
que conheceram o poeta, nos seus livrinhos de poesia e
outras fontes.
Consta que José Gomes, mais conhecido como “Cuíca de Santo
Amaro”, não era santamarense, como o apelido poderia sugerir, mas nascido em
Salvador em 1907. Faleceu em 1964.
Houve época em que “Cuíca” desfrutava de enorme popularidade
na capital do Estado não só pelos seus livretos, mas pelas apresentações em
portas de loja, na Baixa dos Sapateiros, onde aparecia geralmente de enorme
cartola, fraque preto de lamê e óculos escuros, com megafone a fazer propaganda
de mercadorias, recitar versos e contar piadas. Mereceu, de Jorge Amado, a denominação
de “trovador baiano” e a honra de figurar nos romances “Os Pastores da Noite” e
“Quincas Berro d’Água”.
Morou durante muito tempo no bairro de Baixa de Quintas e
constantemente visitava cidades do Recôncavo, principalmente Santo Amaro, o que
talvez lhe tenha dado origem ao apelido a que ele próprio teria acrescentado “o
tal”.
Figura conhecida e temida, nem alto nem baixo, Cuíca tinha a
cor peculiar de alguns nascidos no Recôncavo:
não era preto, muito menos branco ou mulato. Fazia versos, que mandava
imprimir em velha tipografia do Pelourinho, que tinha coleção de tipos meio
amassados, em livretos de capa que exibia xilogravuras primitivas, provavelmente
executadas a canivete em madeira de cajá. De tais produções encarregava-se da
propaganda nas ruas de Salvador.
Constantemente aparecia na estação da estrada de ferro da Calçada,
antes da saída do Automotriz de Feira de Santana e do Recôncavo, onde fazia o
sucesso de sempre. Certo dia ali surgiu a mostrar folheto cujo título passou a apregoar aos brados, como
sempre: “A Mulher que virou sariguê em São Gonçalo dos Campos dos Campos e
mordeu as canelas do Padre Bráulio.”
O Padre Bráulio, vigário desta Freguesia, teve que ser
transferido para São Gonçalo por intrigas de beatas que se sentiram preteridas por
outras certamente mais novas e atraentes.
Assim era Cuíca. Não havia escândalo, segredo de alcova,
boato, maledicência que não lhe estimulasse o estro para novos versos, muitos
dos quais jamais apareceram de público. Dizem que a troco de ouro dos
interessados. Era época em que ainda florescia, mesmo a custo de surras desancadoras e outros graves incidentes, certo tipo de jornalismo, felizmente
desaparecido, baseado em extorsão, que deve ter servido de modelo ao vate
popular. Havia até uma revista envolvida e periódicos outros como o
“Marche-Marche” de Cachoeira e a “Fôia dos Rocêros”, de Salvador, que em tom de
brincadeira ou de crítica participavam
de tipo de jornalismo que sobreviveu até os anos 80, movido até por gente de aspecto de alguma
respeitabilidade. Essa gente, com a redemocratização, passou a ver políticos
como possíveis vítimas. Um dos diretores da revista tentou agir nesta cidade.
Foi ignorado. A “Fôia” teve vasta circulação em Feira com lista dos que nomeava
de membros do “Clube do Beija Flor”, que não teve ressonância porque criou confusão. Em imóvel quase pegado à Praça
da Bandeira havia frequentado bar
denominado de “Beija Flor”, de Anísio “Rato Branco”.
Poucas vezes “Cuíca” se aventurou nesta cidade. Na última apareceu ameaçando publicar folheto contra a administração de prefeito que lutava para
salvar a Prefeitura do total descrédito em que se encontrava. Temendo surra, fugiu.
Que venha o filme. Conta
parte da história da Bahia.
Hugo
Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio
Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do
Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria
produzida
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