Célia Lima Ferreira Professora. Poeta |
A vida, depois que ultrapassamos os 80 anos, é repleta de
recordações; destas, revivemos sempre as partes boas, que estão guardadas no
velho baú da saudade.
Hoje, como diz Boldrin, “vou voltar ao passado”. Vou trazer
de lá os velhos tempos da minha juventude, vendo-me aos quinze anos de idade,
envergando a briosa farda de Normalista, subindo aquela escadaria que nos
levava à entrada da Escola Normal, onde hoje funciona o Centro Universitário de
Cultura e Arte (CUCA). Parecia-me que estava subindo ao trono do mundo
encantado das Normalistas.
A nossa farda era a mais bonita, a mais perfeita c mais
conhecida em todo o Brasil: saia azul, blusa branca com mangas abaixo do
cotovelo, meias brancas que iam acima do joelho (depois soquete e as mangas
curtas). E sapato preto padronizado.
Reconheci a da ponta direita: Helena Assis |
Para as aulas de Educação Física tínhamos uma farda com um
calção especial, os galopins e um bastão de madeira. O destaque em galopins é
que as gerações posteriores à década de 40 não conheceram esse tipo de calçado.
Ele foi um sapato pobre que tem seus descendentes ricos. Foi o pai do atual
tênis. Era de lona branca, com uma sola fininha de borracha e que se limpava com
alvaiade.
A despeito de uma disciplina rígida, ainda fundamentada na
filosofia do positivismo, o convívio era excelente com as colegas e dentro de
uma disciplina amistosa com os Mestres. Tínhamos quinze Mestres para lecionar
18 matérias, além das duas censoras, Hermínia e Guiomar, e o porteiro Irineu.
É importante lembrar que não era só nas escolas
primárias que cumpríamos o ritual do respeito aos Mestres. Na Escola Normal,
logo que o sino soava anunciando o regresso às salas de aulas, todos os alunos
entravam, sentavam-se e aguardavam a chegada do Mestre. Assim que ele
aparecesse na entrada, todos ficavam em pé e em silêncio até que ele chegasse à
sua mesa, cumprimentasse (bom dia, ou boa tarde) e mandasse sentar. Mesmo nas
horas de folgas que estivéssemos sentadas em qualquer lugar e viesse um Mestre
passando, todos se levantavam até que ele passasse. Nós não nos sentíamos
inferiorizadas; ao contrário: sentíamo-nos orgulhosas das “boas maneiras” que
aprendíamos e praticávamos dentro e fora da Escola.
Ah! Quanta saudade... e as aulas de Literatura com
o Dr. Gastão Guimarães? Ninguém queria faltar. Era um show poético onde todos
assistiam, assimilavam e jamais esqueciam.
Da também competente Professora Sidrônia Junqueira,
lecionando História Universal, a cada parágrafo usava um “está”, talvez um
“Transtorno Compulsivo ou Obsessivo” como dizem os Psiquiatras, mas não ficava
satisfeita quando alguma aluna sorria... embora continuasse repetindo o “está”.
E a Prof.a Ursula,
que ao fim da sua aula de álgebra, recomendava ironicamente: “se não entenderam... estudem no livro. ”
Dr. Lourival dava suas aulas teóricas de Agricultura na sala
de aula e depois levava .idos para o Horto Agrícola, nos fundos da Rua ía
Aurora (hoje Filinto Bastos), onde ministrava . sua aula prática.
Trago vívidas em minha memória todas elas, mas o espaço
é muito pequeno para descrever as maravilhosas aulas dos Professores: Esmeralda
Brito - Geografia; Regina Vital - Português; Padre Mário -Francês; Judite Pedra
- Trabalhos Manuais; Terezinha Gusmão- Desenho e Pintura; Leonice - Música; Dr.
Hibelmon - Higiene e Puericultura; Dr. Péricles - Pedagogia
e Didática; Violeta - Psicologia, Estatística e Administração Escolar; e Alda
Marques - Ciências.
Tão lembrada a parte
educacional, imaginem a parte social, o convívio entre todas, as brincadeiras
nos “recreios”, os “mexericos” e os segredinhos com as colegas mais íntimas!
Meu Deus! Quanta lembrança e bendita saudade daquela época, há mais de 64 anos
passados e que me parece ter sido ontem... era jovem, feliz c tinha o coração
transbordante de amor por um jovem que hoje é o bisavô dos meus bisnetos e que
neste ano (2015) completaremos 65 anos de um feliz casamento, acontecido
exatamente no dia da minha formatura. Saí da felicidade que sentia e que hoje é
uma imensa saudade, para outra felicidade que se fez eterna.
Transcrito da revista "História e Estórias dos
Séculos XIX e XX (Escritas a cinquenta mãos).
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