Hugo Navarro Silva |
O calçado vem assumindo importância sem limites. Dizem até que o refinamento e a elegância começam nos pés, o que tem levado mulheres a formar imensas coleções de sapatos de todas as cores e formatos, que exibem como troféus e demonstração de destaque no mundo social e financeiro.
Assumindo tais alturas, o calçado passou a ser motivo de constantes crimes contra o patrimônio, em que criminosos habituais ou de ocasião buscam principalmente os tênis, objetos, hoje, de ilimitados desejos e de elevados preços, pretendidos por jovens e velhos, homens e mulheres, transformados em motivo de orgulho e exibição. Com certeza, se algo, em matéria de moda, subiu de valor e de conceito foi o tênis, sucessor do galopim, eficiente fábrica de chulé, calçado de pano, geralmente branco, com solado de borracha, de baixo custo, exigido, em certo tempo, nas escolas, pelos professores de Educação Física e usado por todos os que desejavam se apresentar com alguma dignidade, embora sem dinheiro.
Em outras épocas nem sempre o calçado era encontrado com as facilidades de hoje, comprado, em prestações, nas dezenas de sapatarias que formam um dos principais segmentos do nosso comércio, com faturamento garantido e lucro certo.
No início do Século XX no Brasil quase não havia fábricas de sapatos. Em Feira de Santana existiam tendas de sapateiros, resquícios das corporações de ofício, chefiadas por respeitados artesãos que trabalhavam sob encomenda, para o que tomavam a medida dos pés dos clientes, muitos dos quais, sofrendo de joanetes e outros males, possuíam suas próprias formas, geralmente importadas da Europa.
Quem desejasse sapato para as Festas de Sant’Ana, casamento ou qualquer outro importante acontecimento tinha que procurar Zeca de Mané Simão, na Praça da Bandeira, João de Sá, na Rua Marechal Deodoro, Minervino Silva, na Rua Sales Barbosa ou Mané César, na Rua Conselheiro Franco, capazes de produzir verdadeiras obras de arte. Eram os mais afamados e importantes mestres-sapateiros da cidade. É claro que havia muitos outros, mais remendões do que sapateiros, como foi o caso de Chico Pelotaço, que ultimamente, à falta de sapatos que fazer ou remendar, consertava bolas de futebol no moralmente recuperado Beco da Energia, hoje freqüentado por famílias devido ao comércio de verduras e frutas que ali se instalou.
A primeira casa especializada na venda de calçados a se estabelecer nesta cidade talvez tenha sido a dos sapatos Bostock, importados, de trabalhadores e honrados comerciantes que terminaram por acrescentar, a seus apelidos de família, o nome dos sapatos que vendiam.
A essa laboriosa grei pertencia impagável figura popular, a de Artur Bostock, ovelha negra, carão gordo e barbudo, que levado por excesso de libações e culto ao deus Baco, de vez em quando fazia a alegria das ruas. Sua mania preferida era a de se proclamar delegado de polícia, querendo endireitar tortos e prender quem julgasse fora da lei, aos brados, com farta e teatral gesticulação.
Tipos de rua, como Artur Bostock, parte abundante da nossa fauna urbana, o tempo levou. Hoje seriam recolhidos ao xadrês pela polícia.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
Nenhum comentário:
Postar um comentário