Hugo Navarro da Silva |
Na vida social não há fatos
despiciendos. O hábito de andar arrastando chinelas ou sandálias costuma ser
condenado e apontado como atitude no mínimo deseducada, hábito que os bons
costumes reprovam, havido por forte indício de grosseria, desafio, preguiça e
ignorância.
A tendência, muito humana, para a
rapacidade, é algo que pode encontrar justificativa. O Padre Antônio Vieira,
sábio e extraordinário pregador, disse, em famoso sermão, na Misericórdia de
Lisboa, que o primeiro homem recebeu o nome de Adão, palavra que para ladrão
faltam, apenas, algumas letras e que de fruto, para furto, não falta nada.
Quais os motivos, então, para a ojeriza
votada ao arrastar de chinelas e sandálias? Os negros, retirados da África para
alimentar a escravidão, capturados por outros negros que os vendiam a
traficantes brancos, vinham descalços e descalços permaneciam no eito, salvo os
que se tornavam livres, os destinados ao serviço de casas ricas ou conseguiam
fortuna, o que não era acontecimento raro. Negros e negras endinheiradas
vestiam-se com luxos que tocavam o exagero, para demonstrar poder e fortuna,
usando chinelas nas ruas e nas festas religiosas, calçados que arrastavam,
ruidosamente, ou porque os pés, desacostumados, não as seguravam corretamente,
ou por simples ato de desdém à burguesia de pele clara que geralmente tinha
mais empáfia do que dinheiro.
Chinelas são diferentes de sandálias.
Formam as chinelas base de couro com rosto do mesmo material, ou de pano, a
demandar habilidade para conserva-las nos pés. Sandálias têm cordas, cordões ou
tiras que lhes dão estabilidade. Às vezes cobrem o calcanhar. Ultimamente podem
ostentar salto alto o que segundo Erasmo de Rotterdam levanta e destaca ancas
femininas. São antigas como as chinelas. A Bíblia fala em sacudir o pó de
sandálias e há o caso do filósofo Empédocles, que ganhou fama de ter subido aos
céus, até que descobriram suas sandálias na encosta do Etna, vulcão em cuja
cratera o pensador mergulhou, dando fim à vida.
Sandálias sempre foram preferidas do
sexo feminino. Chinelas, nem tanto. Descendentes diretas dos tamancos, grande
contribuição portuguesa à civilização brasileira, usados, obrigatoriamente,
durante muito tempo, por comerciantes e caixeiros, servem a ambos os sexos. E
não é de outra forma que aparecem na música popular brasileira, como apanágio
da malandragem carioca, nos pés de sambistas em geral, que durante certo tempo
faziam questão de usar chinelas importadas da França, além de navalha, lenço de
seda no pescoço e chapéu de banda.
O arrastar de chinelas e sandálias é condenado por suas vinculações com
a malandragem, ou por ter nascido de escravos forros?
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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