CARLOS ALBERTO ALVES LIMA
-Graduado no curso de licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Mestre pelo Programa de Pós Graduação em História PGH/UEFS. Atualmente além de exercer a docência em espaço socioeducativo, aventura-se enquanto Guia Turístico, fazendo parte do Projeto: Na carona do Conhecimento: turístico pedagógico.
JULIANO MOTA CAMPOS
O que as pinturas
rupestres nas cavernas (chapada diamantina), a Reserva Sapiranga (Praia do
Forte), o Solar do Unhão - que abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia
(Salvador) a Irmandade da Boa Morte (Cachoeira) e a Biblioteca Pública do
Estado da Bahia (Salvador) têm em comum? Resposta rápida e fácil: todos são
considerados patrimónios culturais brasileiros. Estes são definidos pela atual
Constituição Federal do Brasil (1988), no artigo 216, como bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, e que têm o IPHAN (Instituto do Património Histórico e
Artístico Nacional), fundado em 13 de janeiro de 1937, como órgão federal cuja
incumbência é preservá- los, divulgá-los e fiscalizá-los, além de garantir sua
utilização pela atual e por futuras gerações.
Mesmo com um órgão fiscalizador atuante,
é comum no território brasileiro, sobretudo em municípios que não fazem parte
dos grandes e visíveis roteiros turísticos, a negligência e descaso por parte
do poder público com o conjunto de bens culturais, como é o caso de Feira de
Santana, maior cidade do interior da Bahia, principal entroncamento rodoviário
do norte-nordeste do país (próximo também da capital) e um dos polos económicos
e políticos mais efervescentes do Nordeste. Infelizmente, mesmo a Lei Orgânica
Municipal, no artigo 149, reconhecendo, em consonância com a comunidade, a
importância da promoção e proteção, por meio de um plano permanente, do
património histórico e cultural local, através de inventário, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, observa-se uma política do “bota
abaixo”, especialmente nos últimos 20 anos. Incontáveis Prédios e Casarões na
região central da cidade foram demolidos, seja para o erguimento de construções
modernas, seja apenas para abertura de espaços urbanos, obedecendo à sanha do
mercado imobiliário e/ou à criação dos muitos estacionamentos privados.
Para refletirmos um pouco mais sobre a
política patrimonial de Feira de Santana, faremos uma caminhada pelo centro
comercial da urbe, cartografando alguns dos bens culturais que resistiram ao
processo de silenciamento perpetrado ao longo do tempo. Caminharemos por aquela
quadra histórica que, desde o começo do século XX, vem sendo o lócus vital da
metrópole sertaneja. Assim, nossos passos . cortarão a Avenida Senhor dos
Passos, a Rua Marechal Deodoro, a Sales Barbosa (antiga Rua do Meio) e a Rua
Conselheiro Franco (antiga Rua Direita).
Como marco zero, escolhemos a
encruzilhada da Avenida Senhor dos Passos com a Avenida Getúlio Vargas, espaço
marcado desde sempre como um metro quadrado que resguarda parte importante da
memória coletiva e identitária do loironse. De cara, observamos o Paço
Municipal Maria Quitéria, sede da administração municipal desde 1926, cujo
projeto fora iniciado pelo Intendente Bernardino Bahia e inaugurado por Arnold
Silva. Obra pomposa que custou ao todo cerca do 400 contos de réis, tendo como
responsável técnico o grande engenheiro Acciolly Ferreira da Silva; construção
em estilo eclético, comum nos projetos desde os fins do século XIX, tem traços
de arquitetura clássica (representado por colunas) e barroca (na riqueza de
detalhes), além da imponência e suntuosidade. De acordo com o historiador
Clovis Ramaiana de Oliveira, o prédio moderno e funcional, que também servira
de Câmara Municipal, Biblioteca Pública, Posto de Higiene e Fórum, fora
construído em ângulo inicial a uma nova avenida - chamada, num primeiro
momento, de Avenida Maria Quitéria, posteriormente, de Avenida Getúlio
Vargas - e seria um ponto relevante de progresso e da grandeza das terras de
Santana. E isto, não só por se utilizar
na empreitada as mais modernas técnicas da construção civil, mas, principalmente,
por serem usados como matéria-prima na obra produtos ditos industrializados -
argamassa, alvenaria de tijolos, cimento etc. em contraposição às obras
tradicionais, bem comuns na cidade. Vivia-se uma luta do “Tijolo x Barro”,
inaugurando-se, assim, a era do tijolo, do cimento e do ferro, em detrimento do
barro, do adobe e da taipa. Dessa forma, o “Palácio da Municipalidade”, como os
jornais da época se referiram à construção, imageticamente servira para
consolidar, aos olhos dos feirenses e visitantes, em especial daqueles que
viriam para a grande feira semanal, a consolidação de uma urbanicidade na
Princesa do Sertão.
Prefeitura de Feira de Santana |
Não é surpresa que o mesmo arroubo que a elite política teve lá na longínqua década de 1920, apanhe, na primeira década do século XXI, seus herdeiros de projeto, que buscaram, através de financiamento com recursos do município, bancar uma obra de restauração do Paço, concluída e inaugurada com pompa e festejos em 2007. É válido acrescentar, que esse foi o único dos patrimónios feirenses que teve a benevolência do poder público municipal.
Nessa mesma região nodal, na calçada contrária, encontramos a Igreja Senhor dos Passos, uma catedral em estilo neogótico em pleno sertão. A verticalidade de suas torres pontiagudas e esguias, bem como o esplendor religioso e monumental da construção, chama, ainda hoje, a atenção de quaisquer visitantes. Os vitrais laterais e a rosácea central com temas bíblicos, ornamentam o ambiente e, ao mesmo tempo, permitem uma maior entrada de luz, deixando a igreja, contraditoriamente, iluminada e misteriosa. O processo de construção desse património material merece destaque. Ela começou como capela, ainda no século XIX, para devoção da Família Pedreira, por volta de 1917 fora demolida totalmente, sendo encomendado, ao prestigiado engenheiro Manoel Acciolly Ferreira da Silva, o projeto de um novo templo. Em 1921, a planta estava pronta e aprovada pelo Arcebispo Primaz da Bahia, Dom Jerônimo Tomé da Silva. No projeto, destacavam-se, além do estilo neogótico, o interior em escariole e uma mistura de vidro e argamassa na parte externa. A obra demorou, nada mais, nada menos, do que 53 anos para ser concluída, sendo inaugurada em 25 de dezembro de 1979. Em 2010, a Igreja foi fechada por conta de problemas estruturais que ofereciam perigo aos frequentadores. O templo católico foi reformado pelo Instituto do Património Artístico Cultural da Bahia (Ipac) e pela Superintendência de Construções Administrativas da Bahia (Sucab). Dentre as reparações feitas, foram realizadas a restauração do revestimento da fachada, a recuperação do passeio em pedra portuguesa, a instalação do sistema de prevenção de descargas atmosféricas, a recuperação dos gradis de proteção e a recuperação das estruturas da torre, do telhado, dos pináculos e platibandas. A Igreja foi reinaugurada no dia 17 de julho de 2012.
Seguindo nossa caminhada, optamos pela Praça da Bandeira, local que, durante muitos anos, foi o ponto de maior movimento da grande Feira livre. Antes de atravessarmos a avenida, deparamo-nos com o monumento “Todos os caminhos”, de autoria do renomado artista e arquiteto Juraci Dórea. Criado em 1991, faz alusão à cidade como ponto de passagem e é fortemente inspirado no Projeto Terra. Para Dórea, esse projeto, composto por obras bidimensionais, em couro curtido e madeira,
Chegou a hora de atravessar a Avenida
Getúlio Vargas. Movimento intenso, comum ao comércio numa segunda-feira; mesmo
assim, precisamos desvendar aquele prédio de esquina com a Sales Barbosa: o
Mercado de Arte Popular. Engana-se quem pensa que ao visitar as suas origens
encontraremos apenas artesanatos. Neste Mercado tinha de tudo; era uma síntese
da feira livre, ou, melhor, representava a necessidade de um espaço de
entreposto para as atividades comerciais de uma feira que, de tão livre,
ultrapassou os limites geográficos propostos inicialmente pelo poder público.
Passear pelos caminhos da história desse Mercado constitui uma via necessária
para nossa narrativa. Por isso, voltemos a um tempo em que era a Câmara
Municipal a protagonista nas decisões em torno das obras públicas e a
prefeitura chamava-se Intendência.A primeira, Prefeitura, Câmara de vereadores,
biblioteca. Foi também Filarmônica Euterpe.
Em 1901, foi aprovada pelos vereadores uma lei que tratava da construção do Mercado. O município não tinha o dinheiro e precisou de 100 contos de réis emprestados para que, só a partir de 1906, fosse iniciada a obra de construção do mercado municipal. Concluído em 1914 e inaugurado em 1915, sob a gestão do intendente Bernardino Bahia, com uma arquitetura neoclássica, abrigou por décadas o comércio de carne farinha, cereais, verduras, frutas e afins. Foi também o principal ponto da grande feira de gado que acontecia aos sábados e às segundas-feiras, reunindo os caboclos do sertão que negociavam produtos nordestinos.
Uma construção que impressionava pelo
estilo do telhado e pelas fachadas envolvidas em arcos, sustentadas por colunas
que ligavam os boxes; também chamava atenção pela imponência numa área que
ainda não contava com obras grandiosas em tamanho e/ou importância. Esse modelo
de mercado municipal não é exclusividade de Feira. Municípios como Lençóis,
Barra, Rio de Contas e São Félix possuem construções que apresentam similaridades
com o nosso mercado. Na é movido por uma cena ainda hoje comum na caatinga: os
couros de boi espichados sobre varas e deixados à mercê do tempo. Dessa
maneira, o trabalho referido coloca em foco certas questões da arte
contemporânea, optando por uma mudança radical no que diz respeito ao processo
de veiculação das obras: elas não seriam mostradas em museus ou galerias de
arte, mas no próprio espaço do sertão.
Mercado Municipal hoje Mercado de Arte Popular |
Chegou a hora de atravessar a Avenida
Getúlio Vargas. Movimento intenso, comum ao comércio numa segunda-feira; mesmo
assim, precisamos desvendar aquele prédio de esquina com a Sales Barbosa: o
Mercado de Arte Popular. Engana- se quem pensa que ao visitar as suas origens
encontraremos apenas artesanatos. Neste Mercado tinha de tudo; era uma síntese
da feira livre, ou, melhor, representava a necessidade de um espaço de
entreposto para as atividades comerciais de uma feira que, de tão livre,
ultrapassou os limites geográficos propostos inicialmente pelo poder público.
Passear pelos caminhos da história desse Mercado constitui uma via necessária
para nossa narrativa. Por isso, voltemos a um tempo em que era a Câmara
Municipal a protagonista nas decisões em torno das obras públicas e a prefeitura
chamava-se Intendência.
Em 1901, foi aprovada pelos vereadores
uma lei que tratava da construção do Mercado. O município não tinha o dinheiro
e precisou de 100 contos de réis emprestados para que, só a partir de 1906,
fosse iniciada a obra de construção do mercado municipal. Concluído em 1914 e
inaugurado em 1915, sob a gestão do intendente Bernardino Bahia, com uma
arquitetura neoclássica, abrigou por décadas
o comércio de carne, farinha, cereais,
verduras, frutas e afins. Foi também o principal ponto da grande feira de gado
que acontecia aos sábados e às segundas-feiras, reunindo os caboclos do sertão
que negociavam produtos nordestinos.
Uma construção que impressionava pelo estilo do telhado e pelas fachadas envolvidas em arcos, sustentadas por colunas que ligavam os boxes; também chamava atenção pela imponência numa área que ainda não contava com obras grandiosas em tamanho e/ou importância. Esse modelo de mercado municipal não é exclusividade de Feira. Municípios como Lençóis, Barra, Rio de Contas e São Félix possuem construções que apresentam similaridades com o nosso mercado. Na segunda metade do século XX, a Princesa do Sertão crescia de tal forma, graças à urbanização, que o seu comércio não mais cabia nos sábados e nas segundas, muito menos numa estrutura física em deterioração.
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