Para compreender a condição
das mulheres em Feira de Santana, entre os anos de 1879 a 1930 e, por conseguinte
a construção dos vários ideais sobre as mulheres e as práticas femininas na
cidade, o presente estudo analisa o tema a partir de três principais
vertentes: casa, rua e trabalho, considerando-os como principais espaços de
atuação do sujeito feminino. Assim, "casa", significou o ideal de mulher
recatada construído através da "imposição" do casamento na mais pura
tradição da "Santa Madre Igreja Católica", ratificando os papéis de
dominação do homem e tentativa de exclusão da mulher do espaço público, tendo
como objetivo torná-la cada vez mais a "dona de casa". No espaço
feirense, destaca-se como propagador desse ideal o Asilo de Nossa Senhora de
Lourdes, que recolhia órfãs da região com o propósito de "educá-las"
a partir das normas católicas, bem como, servia de modelo para as "moças
de família" que aprimoravam sua educação com vistas ao casamento.
Ao "belo sexo" seria apenas
permitido, pelo menos em tese, casar e ter filhos. A ela caberia o papel de ao
contrair o matrimônio tornar-se uma só carne, isto é, uma só vida, de maneira que marido
e mulher são vistos como inseparáveis, unir indica a sentença da
indissolubilidade do casamento, que reduz dois cônjuges a uma unidade, a um
mesmo ser. O casamento indissolúvel e a sua formação segundo os padrões hoje
conhecidos permite entender como a concepção de poder e do controle exercido
por este sacramento, dentro da esfera social, mais especificamente, da moral
cristã voltada para o casamento monogâmico e indissolúvel assegurava à mulher -
no imaginário social - a sua dignidade e, consequentemente, a de sua família.
Nesse contexto, percebe-se que a mulher possuía um
papel significante na sociedade, mesmo levando em consideração a normalização a
que era submetida, dentro da conduta moral feminina. Nesse momento,
foram formadas as Sociedades das Damas de Caridade na segunda metade do século
XIX. Estas sociedades ou associações, compostas por ilustres e ricas senhoras
e senhorinhas da sociedade local, passaram a desempenhar o comando de instituições voltadas para o apoio à educação da juventude feminina e instituições de caridade para o amparo às órfãs e as mulheres pobres.
Padre Ovídio fundou, em
Feira de Santana, no dia 25 de março de 1879, o Asilo de Nossa Senhora de
Lourdes. Com o princípio de que o"modelo" de mulher é o exemplo da
Virgem Maria, a formação moral e espiritual das meninas órfãs do Asilo se
exprimiu na dimensão de três conceitos fundamentais: virgem, esposa e mãe.
Esses conceitos unidos no interior da instituição se expressavam no social
como a normalidade do cotidiano, onde as mulheres deviam exprimir o seu talento
feminino do serviço e da obediência.
A conduta feminina adequada era, então,
aquela que estava associada ao conceito de honra, que por sua vez, era
manifestada através do "controle dos impulsos e desejos do próprio corpo.4"
Era preciso que se mantivesse um comportamento sério e austero perante a
opinião social, já que pertencer à boa sociedade e/ou ser aceita por ela,
fazia-se necessário não ferir a moral e os bons costumes. Daí a importância da
castidade feminina, quando solteira e a fidelidade aos maridos na condição de
casada. O ideal de mulher, pregado pela sociedade feirense através do Asilo de
Lourdes, fundamentava-se nos papéis a serem desenvolvidos pelas mulheres, de
elite ou das camadas pobres, ligados à condição de esposas e de mães zelosas. O
ideal de mulher era o sinónimo da honra e da virtude, e a sua preservação
circundava as relações entre os sexos, pois a necessidade de ser uma mulher
virtuosa não era apenas interesse exclusivo seu, mas, sim, de sua família e da
sociedade.
É nesse sentido, que a formação das meninas
órfãs do Asilo de Lourdes baseava-se no ideal de mulher santa, prendada,
recatada e serviçal do marido e do lar, ou seja, esta formação estava toda ela
voltada para o "modelo de obediência". O trabalho de formação das
meninas órfãs para o matrimónio se dava a partir da faixa-etária de zero a
vinte e um anos de idade, com naturalidades conhecidas ou não. São
mencionadas as atividades e princípios morais a que se destinavam a educação e
instrução, com maior ênfase para as atividades domésticas realizadas pelas
internas, as quais possuíam o objetivo de formar a mulher para a família.
Existia ainda o serviço de instrução e educação das meninas sãs ao nível de
externato e pensionato onde, as mesmas eram treinadas para executar trabalhos
manuais como o bordado, a arte culinária e a costura, a fim de prepará-las com
prendas para o matrimónio. Essa preocupação se expressava no currículo escolar
onde a disciplina "The- oria da Economia Doméstica" era ministrada
com o objetivo de fazer com que as futuras esposas conhecessem o valor do
dinheiro e pudessem colaborar com uma economia complementar no orçamento
doméstico, além, é claro, de reconhecer na prática dos serviços da casa, a boa
formação da mulher que desejasse constituir família.
Fica
evidente que o ideal de mulher na sociedade feirense, ou melhor, a sua
formação,
deveria estar baseada em valores que garantissem a estabilidade e a moralidade
social.
- Aquellas que hoje rendem graças à Nossa Senhora de Lourdes, por terem encontrado um abrigo contra o ermo da miséria, um alento contra a fraqueza da orphandade, um baluarte contra os ataques da seducção, uma fonte de luz para saciar a sede do espírito, e um meio seguro que as fará entrar na sociedade honrando o nome de família, derramaram, constantemente lágrimas de gratidão ao seu grande benfeitor (o Pe. Ovídio); e não poderia haver pérolas mais preciosas para a coroa de glórias d'aquelle soberano do bem, do que esses aljôfares colhidos em um mar mais puro - o perennal reconhecimento de corações angélicos.
Vale assinalar, as normas de vida impostas por tal formação cultural, onde a mulher solteira, casada ou viúva era submetida.Obrigações das moças
Nesse sentido, o matrimônio para as meninas órfãs do Asilo de Lourdes se configurava como uma regra da sociedade que lhe preparava para o mesmo, escolhendo o marido e pagando o seu dote. O casamento de uma interna era reconhecido socialmente por aqueles que arranjavam o marido para que ela pudesse assumir sua vocação, que além do dote, contavam com padrinhos (hoje testemunhas) de renome e prestígio social.
- 1. Em todas as situações guardar grande modéstia e recato.
- 2. Ser a alegria do ambiente familiar.
- 3. Ser, na conversação, caridosa e pura.
- 4. Habilitar-se para ser boa dona de casa.
- 5. Trajar honestamente e evitar excesso de luxo.
- 6. Excluir bailes, certos cinemas e o namoro com quem não pode ou não deve casar.
- 7. Não fugir à vigilância paterna, durante o namoro e o noivado.
- 8. Evitar a ociosidade.
- 9. Levar vida de profunda piedade.
- 10. Pedir a Deus a graça de acertar na escolha do estado.
Obrigações das esposas
- 1. Amar e estimar o próprio marido.
- 2. Respeitá-lo como chefe de família.
- 3. Obedecer-lhe como seu superior.
- 4. Assisti-lo e ajudá-lo em tudo o que for preciso.
- 5. Ser extremamente carinhosa e delicada quando o vir dominado pela tristeza.
- 6. Responder-lhe sempre com mansidão.
- 7. Calar-se quando ele estiver zangado.
- 8. Ser económica e trazer a casa asseada e ordenada.
- 9. Ser anjo da paz da família.
Obrigações das viúvas
- 1. Ser modelo de virtudes para donzelas e casadas.
- 2. Ser amiga da vida retirada.
- 3. Ser inimiga da ociosidade
- 4. Ser amante da mortificação.
- 5. Ser assídua na oração.
- 6. Zelosa do seu bom nome.
Nesse sentido, o matrimônio para as meninas órfãs do Asilo de Lourdes se configurava como uma regra da sociedade que lhe preparava para o mesmo, escolhendo o marido e pagando o seu dote. O casamento de uma interna era reconhecido socialmente por aqueles que arranjavam o marido para que ela pudesse assumir sua vocação, que além do dote, contavam com padrinhos (hoje testemunhas) de renome e prestígio social.
- Realisaram-se no dia 12 d'este mez, no Asylo de Lourdes, os casamentos de duas orphãs do mesmo Asylo.
- A sra. D. Thereza de Jesus consorciou-se com o Sr. Felix Anastácio dos Santos, residente na Freguesia de S. Domingos de Saubara, tendo por padrinhos o Sr. Coronel Raymundo Barbosa de Sousa e sua virtuosa e digna esposa a sra. D. Leolinda de Castro Barbosa. A sra. D. Maria Rufina Gonçalves da Silva casou-se com o Sr. Dyonisio Pereira Sampaio, residente também na mesma freguesia de Saubara, sendo paranymphos o Sr. Comum Targino Ribeiro de Macedo e sua distincta senhora d. Luiza Pedreira de Macedo.
- Aos noivos desejamos constantes alegrias e intermináveis felicidades.
A mulher que era formada no Asilo representava muito bem os interesses de uma sociedade senhorial, onde o matrimônio era concebido pelo patrimônio. O casamento adquiriu na sociedade feirense dos fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX uma importância moral e social bastante significativa, mas não se pode esquecer que, no caso das mulheres das camadas mais populares, este era realizado apenas com fins simbólicos, enquanto na elite feirense o propósito era de unir o simbólico (moral e bons costumes cristãos) com o material. O que não impedia, contudo, que as mulheres pobres, em especial, as mulheres educadas pelas Senhoras de Caridade reproduzissem os valores dos grupos dominantes, aspirados pelas órfãs do Asilo. Essa importância significativa dada ao matrimônio é bastante salutar tendo em vista a circularidade dos valores da elite com as camadas mais humildes da sociedade feirense.
Ao que tange à "rua" busca-se entender
como as mulheres mantiveram suas relações entre si e com o sexo oposto,
analisando suas práticas cotidianas, seus pensamentos, seus desejos, gestos e
influências, as quais se tornaram importantes mecanismos para burlarem a ordem
nas diversas tentativas de resistência. Enquanto as mulheres pobres se
apresentavam, no espaço urbano feirense, exercendo atividades que lhes
rendessem a garantia de "alguns trocados", as mulheres de elite ou de
setores medianos da sociedade, (nesse período em Feira de Santana o prestígio
social era mais apreciado do que o poder econômico propriamente dito),
figuravam com o trabalho filantrópico, que era mais uma possibilidade de entrar
no cenário público podendo, assim, sociabilizar-se com suas congêneres e,
mesmo, com o sexo masculino. O assistencialismo era, na prática, uma forma de
atuação e ocupação de posições de prestígio no meio em que viviam, além de
colocar- se à frente de uma realidade que não era a sua: a mendicância e a
pobreza e do contato com outras mulheres de camadas sociais diferentes da qual
pertencia. Através do trabalho de filantropia, as mulheres de elite tinham nas
mãos a possibilidade de tomada de decisões que se encontravam fora do âmbito
dos lares.
Paripassu, a pesquisa realizada em jornais que circularam na cidade
no período estudado, revelaram anseios e desejos de uma figura singular que
vivem em Feira de Santana no início do século XX: a professora Eulina Eugênia
de Miranda. Falar sobre mulheres a partir do seu próprio ponto de vista é
tarefa difícil. Mas, graças à 'gentil' Eulina Eugênia de Miranda isso se tornou
possível. Não foram seus diários de confissões, mas as suas inestimáveis
poesias, dedicatórias, pensamentos, que permitiram uma viagem ao seu mundo,
registrados nos jornais Folha do Norte, O Município e O Republicano entre os
anos de 1909 a 1912. Nestes jornais sempre lhe era dado o título de
colaboradora.
A senhorita Eulina Eugênia de Miranda, em 1911, era
aluna-mestra do curso complementar do Asilo de Lourdes, onde além de atributos
de "inteligente e hábil" lhe foram conferidos dotes de "finos
traços de esmerada educação." Porém, o que salta-nos aos
olhos na figura de D. Eulina não foi apenas a frequência com que escrevia para
os ornais locais, mas os elementos que compunham a sua literatura. No poema
intitulado "O jardim de Elzita", num primeiro momento, foge à
regra as limitações de recato que eram impostas às mulheres de então. A reserva
na vida social feminina era uma constância ao conjunto de todas as mulheres, ou
seja, esposas solteiras e viúvas estavam sob a égide das recomendações dos
fundamentais princípios de recato e reserva.
Paradoxalmente, D. Eulina fazia parte do círculo de senhoras e senhoritas
bem comportadas, desenvolvendo o bom magistério, porém, também, circulava com
tranquilidade em meios que pertenciam, originalmente, aos homens-a imprensa,
renunciando ao espaço fechado, a casa. Nesse espaço, escrevia sobre o amor, a
amizade, a devoção, o magistério e outros temas, tornando público o seu
"ser feminino". No poema aqui mencionado, ela expõe sem medos, e por
que não dizer, com o consentimento da sociedade local, o "ninho de
amor", nomeando o seu amante - Álvaro. É interessante notar, que Eulina no
seu poema, em nenhum momento parece renunciar ao poder de querer sentir
desejos, quando ela fala sobre as delícias de "um verdadeiro éden",
chamando a si o cenário do pecado original. Ainda sobre o cenário, é importante
destacar que as juras de amor entre os carinhos trocados pelos amantes
acontecem fora do âmbito sagrado do casamento. Eulina prepara toda uma
circunstância propícia a um ato sexual, onde perfumes emanados por flores e
pequenos animais formam o cenário perfeito para o encontro, sem a presença de
olhares vigilantes. Com certeza, as rígidas leis que barram os desejos e
declarações de uma mulher não estão presentes neste poema. Um outro detalhe a
ressaltar neste conjunto, é que o encontro se dá, em plena luz do dia, ao
contrário dos encontros noturnos tão evocados como sendo escusos e impuros.
Percebe-se, então, quanto os dois amantes são livres de qualquer impedimento.
Eis "O jardim de Elzita".
O jardim de Elzita:
Resplandece o sol.
O céo de um azul límpido e sereno, apresenta-se
magnífico, athraente, provocador! Um favônio suave percorre a amplidão.
Nas grades do espaçoso jardim
de Elzita, trepadeiras viçosas e odorentes formam um emmaranhado gentil onde
pousam borboletas graciosas.
Açucenas, lyrios, violetas, myosotis e camélias, em
maravilhoso conjunto, murmurando em segredo... amores!
Rosas
variadíssimas e soberbas, ostentam o brilho de suas corollas e a graça de suas
formas sobre excedendo às demais flores. No centro do jardim há um bonito
carramanchão de mimosos jasmins, donde se evola o mais fino e delicado perfume!
N'uma
palavra, é este jardim um verdadeiro éden de delícias, um verdadeiro ninho de
amor!
E aí a sombra do carramanchão, protegido sempre por
este ceo azulado, por reste sol resplandecente, e por este favônio suave, que
Elzita ouve todos os dias as juras sinceras e as promessas vehementes que,
entre carícias e beijos, lhe faz Álvaro seu amante adorado. Abril de 1911.
Eugenia Miranda.
Merecem nota, poemas onde Eulina mostra todo o seu
sentimento de vocação ao magistério exercido por ela. Nestes, mestra e mãe se
confundem no tratamento aos alunos. A mulher-professora via no magistério o ato
de educar o aluno como se fosse seu filho, pois num tratamento meigo e maternal
a formação das professoras estava voltada para uma extensão da vida do lar,
onde além de virtudes, a querida mestre tinha que desempenhar a função de
ensinar as primeiras letras a filhos de outrens. No entanto, deixa claro que o
magistério lhe parecia um avanço da mulher moderna ao ingressar no mercado de
trabalho, deixando para traz a clausura do lar.
Tais características seriam ainda mais salutares no
ano de 1926, quando retorna à sua terra natal, casada e assinando com o nome de
Eulina Thomé de Souza. O Jornal folha do Norte registra a seguinte manchete:
"Em propaganda do feminismo: a Conferência de D. Eulina Thomé de
Souza". A conferência foi realizada no Paço Municipal, demonstrando assim
a importância do evento, levando um "seleto e vultoso auditório, com a
presença das dignas senhoras e os exmos. senhores da sociedade local." Pode se imaginar a repercussão da presença feminista em Feira de Santana com
suas ideias revolucionárias, porém não se pode medir o grau de envolvimento das
mulheres da sociedade local com as mesmas.O assunto foi tratado através de confrontos e
paralelos do ponto de vista racional e prático entre os dois sexos e suas ações
no lar e na sociedade. A partir desta perspectiva, D. Eulina Thomé de Souza
afirmava e exaltava o importante papel da mulher como mãe numa "sublime
missão formadora do coração e do caráter desses pequeninos seres que viriam a
ser os homens e as mulheres de amanhã." Destacava-se aí o potencial
civilizador da mulher revelando a sua emancipação através da educação, a partir
do pressuposto de que a mulher tendo acesso à cultura, informação, escolas,
poderia ministrar com maior perfeição, a educação e criação dos filhos e o
apoio aos maridos, favorecendo o bom desenvolvimento da vida cotidiana dos seus
lares e, consequentemente, o reflexo desse bem-estar na sociedade, podendo
"usar a própria liberdade em
benefício de si e da sua família, para inculcar os valores morais no futuro
cidadão e garantir o crescimento profissional do marido. Conseguindo uma
profissão e entrando no mercado de trabalho, por outro, ela deixaria de ser
frívola e fútil, com todas as ameaças que isso representava e ainda prevenia-se
contra os acasos do futuro."
Os documentos consultados
revelam que a sacralização de sua função como mãe devotada, numa organização
natural e, portanto, biológica dentro das demarcações dos papéis sexuais não
foram fixas e estagnadas à esfera da casa e de sua família. Isso fica evidente
nos envolvimentos de mulheres em atividades de caridade e pecuniárias, brigas e
queixas em delegacias e em momentos de ordem e desordem social.
O ideal de comportamento
feminino foi mais facilmente encarnado pelas mulheres de elite que refletiam o
modelo burguês veiculado pelos novos discursos do seu papel na família. É claro
que no dia-a-dia estas se apresentaram de formas diferenciadas de modo a burlar
esses discursos normativos. Por outro lado, as mulheres das camadas mais
humildes da população representavam uma "ameaça" para o progresso da
cidade. As mulheres pertencentes às camadas mais populares da população
feirense não foram "ouvidas" por seus escritos ou por seus feitos
realizados no campo do assistencialismo social, registraram sua presença no
"burburinho" das ruas e praças da cidade. A mulher do povo era aquela
que ia ao samba, à delegacia e aos jornais prestar queixas contra os seus
companheiros e/ou suas vizinhas, se expondo à opinião pública, ao contrário da
mulher de elite e dos setores medianos da sociedade, que se apresentava sempre
(ou quase sempre) de maneira "honesta e recatada". Contudo, todas
essas mulheres coexistiam no ambiente da rua, mesmo que atuassem de formas
variadas.
Por fim, "trabalho"
versa sobre as atividades com fins pecuniários desenvolvidas pelas mulheres.
Nesse âmbito a sua atuação como mantenedora de lares se confunde com o espaço
da rua, já que Feira de Santana era, e ainda é, uma cidade comercial e
aparentemente só teria homens negociando na sua praça comercial. O tão aclamado
comércio feirense, também teve a participação de mulheres de elite e do povo,
figurando como importante elemento na produção, circulação e prestação de
serviços.
É bem verdade, que as
atividades vistas como pertencentes à "natureza" feminina, fizeram
parte da vida daquelas que, por estarem sozinhas no encargo de sustentar a
família, ou de buscar complementar a economia da casa, juntamente com o salário
do marido, tinham na máquina de costura uma importante fonte de renda. Essas
mulheres montaram verdadeiras fábricas domésticas que produziam artigos para
toda a sua família e para a de suas freguesas, destacando-se na fabricação de
artigos para o "belo sexo".
As atividades extra-casa se deram a nível de faxina,
da venda de pequenas mercadorias e de quitutes, da prestação de serviços em
casas de famílias, que, na
própria liberdade em benefício de si e da sua
família, para inculcar os valores morais no futuro cidadão e garantir o
crescimento profissional do marido. Conseguindo uma profissão e entrando no
mercado de trabalho, por outro, ela deixaria de ser frívola e fútil, com todas
as ameaças que isso representava e ainda prevenia-se contra os acasos do
futuro."
Os documentos consultados revelam que a
sacralização de sua função como mãe devotada, numa organização natural e,
portanto, biológica dentro das demarcações dos papéis sexuais não foram fixas e
estagnadas à esfera da casa e de sua família. Isso fica evidente nos
envolvimentos de mulheres em atividades de caridade e pecuniárias, brigas e
queixas em delegacias e em momentos de ordem e desordem social.
O ideal de comportamento feminino foi mais
facilmente encarnado pelas mulheres de elite que refletiam o modelo burguês
veiculado pelos novos discursos do seu papel na família. É claro que no
dia-a-dia estas se apresentaram de formas diferenciadas de modo a burlar esses
discursos normativos. Por outro lado, as mulheres das camadas mais humildes da
população representavam uma "ameaça" para o progresso da cidade. As
mulheres pertencentes às camadas mais populares da população feirense não foram
"ouvidas" por seus escritos ou por seus feitos realizados no campo do
assistencialismo social, registraram sua presença no "burburinho" das
ruas e praças da cidade. A mulher do povo era aquela que ia ao samba, à
delegacia e aos jornais prestar queixas contra os seus companheiros e/ou suas
vizinhas, se expondo à opinião pública, ao contrário da mulher de elite e dos
setores medianos da sociedade, que se apresentava sempre (ou quase sempre) de
maneira "honesta e recatada". Contudo, todas essas mulheres
coexistiam no ambiente da rua, mesmo que atuassem de formas variadas.
Por fim, "trabalho" versa sobre as
atividades com fins pecuniários desenvolvidas pelas mulheres. Nesse âmbito a
sua atuação como mantenedora de lares se confunde com o espaço da rua, já que
Feira de Santana era, e ainda é, uma cidade comercial e aparentemente só teria
homens negociando na sua praça comercial. O tão aclamado comércio feirense,
também teve a participação de mulheres de elite e do povo, figurando como
importante elemento na produção, circulação e prestação de serviços.
É bem verdade, que as atividades vistas como
pertencentes à "natureza" feminina, fizeram parte da vida daquelas
que, por estarem sozinhas no encargo de sustentar a família, ou de buscar
complementar a economia da casa, juntamente com o salário do marido, tinham na
máquina de costura uma importante fonte de renda. Essas mulheres montaram
verdadeiras fábricas domésticas que produziam artigos para toda a sua família e
para a de suas freguesas, destacando-se na fabricação de artigos para o "belo
sexo".
As atividades extra-casa se deram a nível de
faxina, da venda de pequenas mercadorias e de quitutes, da prestação de
serviços em casas de famílias, que, na maioria dos casos, se perpetuava por
toda a vida e de tantas outras que fizeram da mulher feirense uma trabalhadora,
na "briga" pelo seu sustento e de sua família. Essas trabalhadoras
faziam parte de um mercado informal "colorindo" o espaço urbano
feirense, fosse no pequeno comércio que atendia, principalmente, as camadas
mais pobres da população ou nos serviços domésticos, estas mulheres buscavam
nestas atividades a sua sobrevivência.
Também houve o envolvimento, de uma parte das
mulheres pertencentes aos setores de elite, em atividades pecuniárias.
Entende-se aqui, o conceito de elite não apenas na sua dimensão económica, mas,
também, na sua perspectiva sócio-cultural. Estas, ao contrário das mulheres do
povo, circulavam nos meios sociais não como serviçais, e sim como patroas e
exemplo da boa educação. Desenvolveram atividades distintas dentro de uma
conjuntura que fomentou a instalação da Escola Normal Rural de Feira de
Santana, abrindo novas oportunidades para que essas mulheres não ficassem
apenas nos lares. Estas atividades estão relacionadas ao grande número de
internatos que foram fundados para abrigarem moças oriundas das regiões
vizinhas,que vinham estudar na Escola Normal. A maioria dos internatos era de
senhoras ilustres que abriam seus lares, garantindo aos pais das moças um
ambiente estritamente familiar, onde o credencial de tais abrigos era o nome da
proprietária.
Outras atividades exercidas por mulheres no
espaço feirense foram registradas nos livros de "registros de indústrias e
profissões", entre os anos 1908 a 1929. Os tipos de atividades
correspondem a dezoito diferentes ramos, a saber: quitandas, cocheiras, giro,
molhados, ambulantes, hotéis, negociantes de galinhas e leite, celeiro, pensão,
açougue, oficina, fábrica de charutos e tavernas. Essa relação segue a ordem
cronológica de apresentação das atividades.
Os
questionamentos sobre os papéis e práticas femininas em Feira de Santana, foram
desenvolvidos de modo a apresentar uma história feita também por mulheres, que
mantiveram semelhanças e distâncias entre si, num movimento histórico
construído a partir das relações de gênero, permeado de resistências e
contradições.
Cristiana
Barbosa de Oliveira Ramos
Historiadora e Diretora do Museu Casa do Sertão
O presente
artigo é originário da Monografia intitulada A mulher no espaço feirense: casa, rua e trabalho.
1879-1930.
Replicando: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana Ano I nº 1 2004
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