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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 15 de março de 2020

ESPAÇOS FEMININOS EM FEIRA DE SANTANA: CASA, RUA E TRABALHO, 1879-1930

Para compreender a condição das mulheres em Feira de Santana, entre os anos de 1879 a 1930 e, por conseguinte a construção dos vários ideais sobre as mulheres e as práticas femininas na cidade, o presente estudo ana­lisa o tema a partir de três principais vertentes: casa, rua e trabalho, conside­rando-os como principais espaços de atuação do sujeito feminino. Assim, "casa", significou o ideal de mulher recatada construído através da "imposi­ção" do casamento na mais pura tradição da "Santa Madre Igreja Católica", ratificando os papéis de dominação do homem e tentativa de exclusão da mulher do espaço público, tendo como objetivo torná-la cada vez mais a "dona de casa". No espaço feirense, destaca-se como propagador desse ideal o Asilo de Nossa Senhora de Lourdes, que recolhia órfãs da região com o pro­pósito de "educá-las" a partir das normas católicas, bem como, servia de modelo para as "moças de família" que aprimoravam sua educação com vistas ao casamento.
Ao "belo sexo" seria apenas permitido, pelo menos em tese, casar e ter filhos. A ela caberia o papel de ao contrair o matrimônio tornar-se uma só carne, isto é, uma só vida, de maneira que marido e mulher são vistos como inseparáveis, unir indica a sentença da indissolubilidade do casamento, que reduz dois cônjuges a uma unidade, a um mesmo ser. O casamento indisso­lúvel e a sua formação segundo os padrões hoje conhecidos permite enten­der como a concepção de poder e do controle exercido por este sacramento, dentro da esfera social, mais especificamente, da moral cristã voltada para o casamento monogâmico e indissolúvel assegurava à mulher - no imaginário social - a sua dignidade e, consequentemente, a de sua família.
Nesse contexto, percebe-se que a mulher possuía um papel significante na sociedade, mesmo levando em consideração a normalização a que era submetida, dentro da conduta moral feminina. Nesse momento, foram for­madas as Sociedades das Damas de Caridade na segunda metade do século XIX. Estas sociedades ou associações, compostas por ilustres e ricas senho­ras e senhorinhas da sociedade local, passaram a desempenhar o comando de instituições voltadas para o apoio à educação da juventude feminina e instituições de caridade para o amparo às órfãs e as mulheres pobres.
       Padre Ovídio fundou, em Feira de Santana, no dia 25 de março de 1879, o Asilo de Nossa Senhora de Lourdes. Com o princípio de que o"modelo" de mulher é o exemplo da Virgem Maria, a formação moral e espiritual das meninas órfãs do Asilo se exprimiu na dimensão de três conceitos funda­mentais: virgem, esposa e mãe. Esses conceitos unidos no interior da insti­tuição se expressavam no social como a normalidade do cotidiano, onde as mulheres deviam exprimir o seu talento feminino do serviço e da obediência.
A conduta feminina adequada era, então, aquela que estava associada ao conceito de honra, que por sua vez, era manifestada através do "controle dos impulsos e desejos do próprio corpo.4" Era preciso que se mantivesse um comportamento sério e austero perante a opinião social, já que pertencer à boa sociedade e/ou ser aceita por ela, fazia-se necessário não ferir a moral e os bons costumes. Daí a importância da castidade feminina, quando soltei­ra e a fidelidade aos maridos na condição de casada. O ideal de mulher, pre­gado pela sociedade feirense através do Asilo de Lourdes, fundamentava-se nos papéis a serem desenvolvidos pelas mulheres, de elite ou das camadas pobres, ligados à condição de esposas e de mães zelosas. O ideal de mulher era o sinónimo da honra e da virtude, e a sua preservação circundava as relações entre os sexos, pois a necessidade de ser uma mulher virtuosa não era apenas interesse exclusivo seu, mas, sim, de sua família e da sociedade.
É nesse sentido, que a formação das meninas órfãs do Asilo de Lourdes baseava-se no ideal de mulher santa, prendada, recatada e serviçal do mari­do e do lar, ou seja, esta formação estava toda ela voltada para o "modelo de obediência". O trabalho de formação das meninas órfãs para o matrimónio se dava a partir da faixa-etária de zero a vinte e um anos de idade, com natu­ralidades conhecidas ou não. São mencionadas as atividades e princípios morais a que se destinavam a educação e instrução, com maior ênfase para as atividades domésticas realizadas pelas internas, as quais possuíam o ob­jetivo de formar a mulher para a família. Existia ainda o serviço de instrução e educação das meninas sãs ao nível de externato e pensionato onde, as mes­mas eram treinadas para executar trabalhos manuais como o bordado, a arte culinária e a costura, a fim de prepará-las com prendas para o matrimónio. Essa preocupação se expressava no currículo escolar onde a disciplina "The- oria da Economia Doméstica" era ministrada com o objetivo de fazer com que as futuras esposas conhecessem o valor do dinheiro e pudessem cola­borar com uma economia complementar no orçamento doméstico, além, é claro, de reconhecer na prática dos serviços da casa, a boa formação da mulher que desejasse constituir família.
Fica evidente que o ideal de mulher na sociedade feirense, ou melhor, a sua
  formação, deveria estar baseada em valores que garantissem a estabilidade e a moralidade social.
  • Aquellas que hoje rendem graças à Nossa Senhora de Lourdes, por terem encontrado um abrigo contra o ermo da miséria, um alento contra a fraqueza da orphandade, um baluarte contra os ataques da seducção, uma fonte de luz para saciar a sede do espírito, e um meio seguro que as fará entrar na sociedade honrando o nome de família, derramaram, constantemente lágrimas de gratidão ao seu grande benfeitor (o Pe. Ovídio); e não poderia haver pérolas mais preciosas para a coroa de glórias d'aquelle soberano do bem, do que esses aljôfares colhidos em um mar mais puro - o perennal reconhecimento de corações angélicos.
É patente que a preocupação em amparar meninas órfãs se devia, principalmente, em "resguardá-las" do desregro da vida que a rua e a miséria poderiam oferecer. Essa preocupação foi também a causa da fundação, em 1883, da "Associação Protectora da Mulher Pobre" (também sob os auspícios do Padre Ovídio), que visava amparar com recursos as donzelas pobres moradoras da cidade, a fim de poderem se casar.
Vale assinalar, as normas de vida impostas por tal formação cultural, onde a mulher solteira, casada ou viúva era submetida.Obrigações das moças
  • 1. Em todas as situações guardar grande modéstia e recato.
  • 2. Ser a alegria do ambiente familiar.
  • 3.         Ser, na conversação, caridosa e pura.
  • 4.         Habilitar-se para ser boa dona de casa.
  • 5.         Trajar honestamente e evitar excesso de luxo.
  • 6.         Excluir bailes, certos cinemas e o namoro com quem não pode ou não deve casar.
  • 7.         Não fugir à vigilância paterna, durante o namoro e o noivado.
  • 8.         Evitar a ociosidade.
  • 9.         Levar vida de profunda piedade.
  • 10.       Pedir a Deus a graça de acertar na escolha do estado.
Obrigações das esposas
  • 1.         Amar e estimar o próprio marido.
  • 2.         Respeitá-lo como chefe de família.
  • 3.         Obedecer-lhe como seu superior.
  • 4.          Assisti-lo e ajudá-lo em tudo o que for preciso.
  • 5.         Ser extremamente carinhosa e delicada quando o vir dominado pela tristeza.
  • 6.         Responder-lhe sempre com mansidão.
  • 7.         Calar-se quando ele estiver zangado.
  • 8.         Ser económica e trazer a casa asseada e ordenada.
  • 9.         Ser anjo da paz da família.

Obrigações das viúvas
  • 1.         Ser modelo de virtudes para donzelas e casadas.
  • 2.         Ser amiga da vida retirada.
  • 3.         Ser inimiga da ociosidade
  • 4.         Ser amante da mortificação.
  • 5.         Ser assídua na oração.
  • 6.         Zelosa do seu bom nome.

Nesse sentido, o matrimônio para as meninas órfãs do Asilo de Lourdes se configurava como uma regra da sociedade que lhe preparava para o mesmo, escolhendo o marido e pagando o seu dote. O casamento de uma interna era reconhecido socialmente por aqueles que arranjavam o marido para que ela pudesse assumir sua vocação, que além do dote, contavam com padrinhos (hoje testemunhas) de renome e prestígio social.
  • Realisaram-se no dia 12 d'este mez, no Asylo de Lourdes, os casamentos de duas orphãs do mesmo Asylo.
  • A sra. D. Thereza de Jesus consorciou-se com o Sr. Felix Anastácio dos Santos, residente na Freguesia de S. Domingos de Saubara, tendo por padrinhos o Sr. Coronel Raymundo Barbosa de Sousa e sua virtuosa e digna esposa a sra. D. Leolinda de Castro Barbosa. A sra. D. Maria Rufina Gonçalves da Silva casou-se com o Sr. Dyonisio Pereira Sampaio, residente também na mesma freguesia de Saubara, sendo paranymphos o Sr. Comum Targino Ribeiro de Macedo e sua distincta senhora d. Luiza Pedreira de Macedo.
  • Aos noivos desejamos constantes alegrias e intermináveis felicidades.

A mulher que era formada no Asilo representava muito bem os interesses de uma sociedade senhorial, onde o matrimônio era concebido pelo patrimônio. O casamento  adquiriu na sociedade feirense dos fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX uma importância moral e social bastante significativa, mas não se pode esquecer que, no caso das mulheres das camadas mais populares, este era realizado apenas com fins simbólicos, enquanto na elite feirense o propósito era de unir o simbólico (moral e bons costumes cristãos) com o material. O que não impedia, contudo, que as mulheres pobres, em especial, as mulheres educadas pelas Senhoras de Caridade reproduzissem os valores dos grupos dominantes, aspirados pelas órfãs do Asilo. Essa importância significativa dada ao matrimônio é bastante salutar tendo em vista a circularidade dos valores da elite com as camadas mais humildes da sociedade feirense.
Ao que tange à "rua" busca-se entender como as mulheres mantiveram suas relações entre si e com o sexo oposto, analisando suas práticas cotidianas, seus pensamentos, seus desejos, gestos e influências, as quais se tornaram importantes mecanismos para burlarem a ordem nas diversas tentativas de resistência. Enquanto as mulheres pobres se apresentavam, no espaço urbano feirense, exercendo atividades que lhes rendessem a garantia de "alguns trocados", as mulheres de elite ou de setores medianos da sociedade, (nesse período em Feira de Santana o prestígio social era mais apreciado do que o poder econômico propriamente dito), figuravam com o trabalho filantrópico, que era mais uma possibilidade de entrar no cenário público podendo, assim, sociabilizar-se com suas congêneres e, mesmo, com o sexo masculino. O assistencialismo era, na prática, uma forma de atuação e ocupação de posições de prestígio no meio em que viviam, além de colocar- se à frente de uma realidade que não era a sua: a mendicância e a pobreza e do contato com outras mulheres de camadas sociais diferentes da qual pertencia. Através do trabalho de filantropia, as mulheres de elite tinham nas mãos a possibilidade de tomada de decisões que se encontravam fora do âmbito dos lares.

Paripassu, a pesquisa realizada em jornais que circularam na cidade no período estudado, revelaram anseios e desejos de uma figura singular que vivem em Feira de Santana no início do século XX: a professora Eulina Eugênia de Miranda. Falar sobre mulheres a partir do seu próprio ponto de vista é tarefa difícil. Mas, graças à 'gentil' Eulina Eugênia de Miranda isso se tornou possível. Não foram seus diários de confissões, mas as suas inestimáveis poesias, dedicatórias, pensamentos, que permitiram uma viagem ao seu mundo, registrados nos jornais Folha do Norte, O Município e O Republicano entre os anos de 1909 a 1912. Nestes jornais sempre lhe era dado o título de colaboradora.
A senhorita Eulina Eugênia de Miranda, em 1911, era aluna-mestra do curso complementar do Asilo de Lourdes, onde além de atributos de "inteligente e hábil" lhe foram conferidos dotes de "finos traços de esmerada educação." Porém, o que salta-nos aos olhos na figura de D. Eulina não foi apenas a frequência com que escrevia para os ornais locais, mas os elementos que compunham a sua literatura. No poema intitulado "O jardim de Elzita", num primeiro momento, foge à regra as limitações de recato que eram impostas às mulheres de então. A reserva na vida social feminina era uma constância ao conjunto de todas as mulheres, ou seja, esposas solteiras e viúvas estavam sob a égide das recomendações dos fundamentais princípios de recato e reserva.
Paradoxalmente, D. Eulina fazia parte do círculo de senhoras e senhoritas bem comportadas, desenvolvendo o bom magistério, porém, também, circulava com tranquilidade em meios que pertenciam, originalmente, aos homens-a imprensa, renunciando ao espaço fechado, a casa. Nesse espaço, escrevia sobre o amor, a amizade, a devoção, o magistério e outros temas, tornando público o seu "ser feminino". No poema aqui mencionado, ela expõe sem medos, e por que não dizer, com o consentimento da sociedade local, o "ninho de amor", nomeando o seu amante - Álvaro. É interessante notar, que Eulina no seu poema, em nenhum momento parece renunciar ao poder de querer sentir desejos, quando ela fala sobre as delícias de "um verdadeiro éden", chamando a si o cenário do pecado original. Ainda sobre o cenário, é importante destacar que as juras de amor entre os carinhos trocados pelos amantes acontecem fora do âmbito sagrado do casamento. Eulina prepara toda uma circunstância propícia a um ato sexual, onde perfumes emanados por flores e pequenos animais formam o cenário perfeito para o encontro, sem a presença de olhares vigilantes. Com certeza, as rígidas leis que barram os desejos e declarações de uma mulher não estão presentes neste poema. Um outro detalhe a ressaltar neste conjunto, é que o encontro se dá, em plena luz do dia, ao contrário dos encontros noturnos tão evocados como sendo escusos e impuros. Percebe-se, então, quanto os dois amantes são livres de qualquer impedimento. Eis "O jardim de Elzita".
O jardim de Elzita:
Resplandece o sol.
O céo de um azul límpido e sereno, apresenta-se magnífico, athraente, provocador! Um favônio suave percorre a amplidão.
Nas grades do espaçoso jardim de Elzita, trepadeiras viçosas e odorentes formam um emmaranhado gentil onde pousam borboletas graciosas.
Açucenas, lyrios, violetas, myosotis e camélias, em maravilhoso conjunto, murmurando em segredo... amores!
Rosas variadíssimas e soberbas, ostentam o brilho de suas corollas e a graça de suas formas sobre excedendo às demais flores. No centro do jardim há um bonito carramanchão de mimosos jasmins, donde se evola o mais fino e delicado perfume!
N'uma palavra, é este jardim um verdadeiro éden de delícias, um verdadeiro ninho de amor!
E aí a sombra do carramanchão, protegido sempre por este ceo azulado, por reste sol resplandecente, e por este favônio suave, que Elzita ouve todos os dias as juras sinceras e as promessas vehementes que, entre carícias e beijos, lhe faz Álvaro seu amante adorado. Abril de 1911. Eugenia Miranda.
Merecem nota, poemas onde Eulina mostra todo o seu sentimento de vocação ao magistério exercido por ela. Nestes, mestra e mãe se confundem no tratamento aos alunos. A mulher-professora via no magistério o ato de educar o aluno como se fosse seu filho, pois num tratamento meigo e maternal a formação das professoras estava voltada para uma extensão da vida do lar, onde além de virtudes, a querida mestre tinha que desempenhar a função de ensinar as primeiras letras a filhos de outrens. No entanto, deixa claro que o magistério lhe parecia um avanço da mulher moderna ao ingressar no mercado de trabalho, deixando para traz a clausura do lar.
Tais características seriam ainda mais salutares no ano de 1926, quando retorna à sua terra natal, casada e assinando com o nome de Eulina Thomé de Souza. O Jornal folha do Norte registra a seguinte manchete: "Em propaganda do feminismo: a Conferência de D. Eulina Thomé de Souza". A conferência foi realizada no Paço Municipal, demonstrando assim a importância do evento, levando um "seleto e vultoso auditório, com a presença das dignas senhoras e os exmos. senhores da sociedade local." Pode se imaginar a repercussão da presença feminista em Feira de Santana com suas ideias revolucionárias, porém não se pode medir o grau de envolvimento das mulheres da sociedade local com as mesmas.O assunto foi tratado através de confrontos e paralelos do ponto de vista racional e prático entre os dois sexos e suas ações no lar e na sociedade. A partir desta perspectiva, D. Eulina Thomé de Souza afirmava e exaltava o importante papel da mulher como mãe numa "sublime missão formadora do coração e do caráter desses pequeninos seres que viriam a ser os homens e as mulheres de amanhã." Destacava-se aí o potencial civilizador da mulher revelando a sua emancipação através da educação, a partir do pressuposto de que a mulher tendo acesso à cultura, informação, escolas, poderia ministrar com maior perfeição, a educação e criação dos filhos e o apoio aos maridos, favorecendo o bom desenvolvimento da vida cotidiana dos seus lares e, consequentemente, o reflexo desse bem-estar na sociedade, podendo "usar a própria liberdade em benefício de si e da sua família, para inculcar os valores morais no futuro cidadão e garantir o crescimento profissional do marido. Conseguindo uma profissão e entrando no mercado de trabalho, por outro, ela deixaria de ser frívola e fútil, com todas as ameaças que isso representava e ainda prevenia-se contra os acasos do futuro."
Os documentos consultados revelam que a sacralização de sua função como mãe devotada, numa organização natural e, portanto, biológica dentro das demarcações dos papéis sexuais não foram fixas e estagnadas à esfera da casa e de sua família. Isso fica evidente nos envolvimentos de mulheres em atividades de caridade e pecuniárias, brigas e queixas em delegacias e em momentos de ordem e desordem social.
O ideal de comportamento feminino foi mais facilmente encarnado pelas mulheres de elite que refletiam o modelo burguês veiculado pelos novos discursos do seu papel na família. É claro que no dia-a-dia estas se apresentaram de formas diferenciadas de modo a burlar esses discursos normativos. Por outro lado, as mulheres das camadas mais humildes da população representavam uma "ameaça" para o progresso da cidade. As mulheres pertencentes às camadas mais populares da população feirense não foram "ouvidas" por seus escritos ou por seus feitos realizados no campo do assistencialismo social, registraram sua presença no "burburinho" das ruas e praças da cidade. A mulher do povo era aquela que ia ao samba, à delegacia e aos jornais prestar queixas contra os seus companheiros e/ou suas vizinhas, se expondo à opinião pública, ao contrário da mulher de elite e dos setores medianos da sociedade, que se apresentava sempre (ou quase sempre) de maneira "honesta e recatada". Contudo, todas essas mulheres coexistiam no ambiente da rua, mesmo que atuassem de formas variadas.
Por fim, "trabalho" versa sobre as atividades com fins pecuniários desenvolvidas pelas mulheres. Nesse âmbito a sua atuação como mantenedora de lares se confunde com o espaço da rua, já que Feira de Santana era, e ainda é, uma cidade comercial e aparentemente só teria homens negociando na sua praça comercial. O tão aclamado comércio feirense, também teve a participação de mulheres de elite e do povo, figurando como importante elemento na produção, circulação e prestação de serviços.
É bem verdade, que as atividades vistas como pertencentes à "natureza" feminina, fizeram parte da vida daquelas que, por estarem sozinhas no encargo de sustentar a família, ou de buscar complementar a economia da casa, juntamente com o salário do marido, tinham na máquina de costura uma importante fonte de renda. Essas mulheres montaram verdadeiras fábricas domésticas que produziam artigos para toda a sua família e para a de suas freguesas, destacando-se na fabricação de artigos para o "belo sexo".
As atividades extra-casa se deram a nível de faxina, da venda de pequenas mercadorias e de quitutes, da prestação de serviços em casas de famílias, que, na 
própria liberdade em benefício de si e da sua família, para inculcar os valores morais no futuro cidadão e garantir o crescimento profissional do marido. Conseguindo uma profissão e entrando no mercado de trabalho, por outro, ela deixaria de ser frívola e fútil, com todas as ameaças que isso representava e ainda prevenia-se contra os acasos do futuro."
Os documentos consultados revelam que a sacralização de sua função como mãe devotada, numa organização natural e, portanto, biológica dentro das demarcações dos papéis sexuais não foram fixas e estagnadas à esfera da casa e de sua família. Isso fica evidente nos envolvimentos de mulheres em atividades de caridade e pecuniárias, brigas e queixas em delegacias e em momentos de ordem e desordem social.
O ideal de comportamento feminino foi mais facilmente encarnado pelas mulheres de elite que refletiam o modelo burguês veiculado pelos novos discursos do seu papel na família. É claro que no dia-a-dia estas se apresentaram de formas diferenciadas de modo a burlar esses discursos normativos. Por outro lado, as mulheres das camadas mais humildes da população representavam uma "ameaça" para o progresso da cidade. As mulheres pertencentes às camadas mais populares da população feirense não foram "ouvidas" por seus escritos ou por seus feitos realizados no campo do assistencialismo social, registraram sua presença no "burburinho" das ruas e praças da cidade. A mulher do povo era aquela que ia ao samba, à delegacia e aos jornais prestar queixas contra os seus companheiros e/ou suas vizinhas, se expondo à opinião pública, ao contrário da mulher de elite e dos setores medianos da sociedade, que se apresentava sempre (ou quase sempre) de maneira "honesta e recatada". Contudo, todas essas mulheres coexistiam no ambiente da rua, mesmo que atuassem de formas variadas.
Por fim, "trabalho" versa sobre as atividades com fins pecuniários desenvolvidas pelas mulheres. Nesse âmbito a sua atuação como mantenedora de lares se confunde com o espaço da rua, já que Feira de Santana era, e ainda é, uma cidade comercial e aparentemente só teria homens negociando na sua praça comercial. O tão aclamado comércio feirense, também teve a participação de mulheres de elite e do povo, figurando como importante elemento na produção, circulação e prestação de serviços.
É bem verdade, que as atividades vistas como pertencentes à "natureza" feminina, fizeram parte da vida daquelas que, por estarem sozinhas no encargo de sustentar a família, ou de buscar complementar a economia da casa, juntamente com o salário do marido, tinham na máquina de costura uma importante fonte de renda. Essas mulheres montaram verdadeiras fábricas domésticas que produziam artigos para toda a sua família e para a de suas freguesas, destacando-se na fabricação de artigos para o "belo sexo".
As atividades extra-casa se deram a nível de faxina, da venda de pequenas mercadorias e de quitutes, da prestação de serviços em casas de famílias, que, na maioria dos casos, se perpetuava por toda a vida e de tantas outras que fizeram da mulher feirense uma trabalhadora, na "briga" pelo seu sustento e de sua família. Essas trabalhadoras faziam parte de um mercado informal "colorindo" o espaço urbano feirense, fosse no pequeno comércio que atendia, principalmente, as camadas mais pobres da população ou nos serviços domésticos, estas mulheres buscavam nestas atividades a sua sobrevivência.
Também houve o envolvimento, de uma parte das mulheres pertencentes aos setores de elite, em atividades pecuniárias. Entende-se aqui, o conceito de elite não apenas na sua dimensão económica, mas, também, na sua perspectiva sócio-cultural. Estas, ao contrário das mulheres do povo, circulavam nos meios sociais não como serviçais, e sim como patroas e exemplo da boa educação. Desenvolveram atividades distintas dentro de uma conjuntura que fomentou a instalação da Escola Normal Rural de Feira de Santana, abrindo novas oportunidades para que essas mulheres não ficassem apenas nos lares. Estas atividades estão relacionadas ao grande número de internatos que foram fundados para abrigarem moças oriundas das regiões vizinhas,que vinham estudar na Escola Normal. A maioria dos internatos era de senhoras ilustres que abriam seus lares, garantindo aos pais das moças um ambiente estritamente familiar, onde o credencial de tais abrigos era o nome da proprietária.
Outras atividades exercidas por mulheres no espaço feirense foram registradas nos livros de "registros de indústrias e profissões", entre os anos 1908 a 1929. Os tipos de atividades correspondem a dezoito diferentes ramos, a saber: quitandas, cocheiras, giro, molhados, ambulantes, hotéis, negociantes de galinhas e leite, celeiro, pensão, açougue, oficina, fábrica de charutos e tavernas. Essa relação segue a ordem cronológica de apresentação das atividades.
Os questionamentos sobre os papéis e práticas femininas em Feira de Santana, foram desenvolvidos de modo a apresentar uma história feita também por mulheres, que mantiveram semelhanças e distâncias entre si, num movimento histórico construído a partir das relações de gênero, permeado de resistências e contradições.
Cristiana Barbosa de Oliveira Ramos
 Historiadora e Diretora do Museu Casa do Sertão
O presente artigo é originário da Monografia intitulada A mulher no espaço feirense: casa, rua e trabalho. 1879-1930.
Replicando: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana Ano I nº 1 2004 

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