Espocando rojões e fogos de artifício, num grande clamor, jovens mascarados
montados em cavalos e levados também pelo toque dos sinos da Igreja da Matriz,
tomavam as ruas da cidade feirense para anunciar a grande celebração que
aconteceria nos próximos dias. Os cavaleiros, muito bem vestidos, acompanhados
de grande cortejo, distribuíam pelas ruas os folhetos informativos da
programação das festas em homenagem a Sant'Ana. Foi para anunciar a chegada
dessa festa religiosa que nasceu o Bando Anunciador, o qual teve seus primeiros
registros oficiais nas Atas da Câmara Municipal de Feira de Santana, nos
últimos anos do século XIX. Durante o século XX, o Bando Anunciador sofreu alterações
na organização, composição, horário de saída e também em seus sentidos. No
século XIX, quando as celebrações à Padroeira da cidade aconteciam em 26 de
julho, o Bando costumava sair no final de junho. Entretanto, isto se modifica
quando os festejos têm suas datas alteradas, passando a ocorrer entre os meses
de setembro, janeiro e fevereiro. O penúltimo mês referido parece ter
persistido por quase todo o século XX. Entre os anos de 1930 e 1980, a saída do
Bando aconteceu, em sua maioria, no mês de janeiro, obedecendo sempre à
estruturação do evento.
Entre as décadas de 1920 e 1950, o Bando Anunciador, assim como as demais
etapas das comemorações à Excelsa Padroeira, eram organizadas pela comissão do
evento. Esta era, na maioria das vezes, indicação das irmandades e do pároco.
Era muito comum encontrar nos jornais do período, notícias como: “a comissão
das festas solicita dos
Srs. Proprietários de automóveis a fineza de enfeitarem-no os para maior beleza
do corso”. Com a chegada do automóvel na cidade, após a Primeira Guerra,
tornou-se corriqueiro ver os cortejos de carros de passeios e caminhões,
dirigidos por homens abastados da cidade que iam para as ruas distribuir poesia
e a programação da festa no intuito de anunciar os folguedos.
Apesar da
festa do Bando se apresentar com um caráter democrático, ela pareceu trazer
para as ruas, nas primeiras décadas, pessoas mais abastadas, não excluindo a
possibilidade da presença de pessoas de outros grupos sociais. A pompa e
organização do evento nos deixam dúvidas quanto à participação direta de grupos
menos favorecidos economicamente na estruturação e preparo do Bando Anunciador
no primeiro quinquénio do século XX. Muitos dos organizadores da festa eram
políticos, bacharéis e pessoas de setores sociais mais influentes na sociedade
feirense. Com frequência neste período, o evento acontecia à tarde, a partir
das 16h. Contudo, a festividade do ano de 1934 contrariou a organização do
evento e aconteceu em dois momentos do dia: um pela manhã e outro no final da
tarde. Este novo horário foi adotado pelos organizadores do Bando do segundo
quinquénio do século XX.
A saída do
Bando permitia a seus participantes, encenações diversas, teatralizadas durante
todo o percurso do evento. Era comum nestes Bandos a presença de caminhões,
carros e pessoas que faziam o trajeto caminhando pelas ruas. As atuações se
complementavam com a presença dos mascarados, que se divertiam fazendo jogos de
ludicidade, instigando a curiosidade dos expectadores, surpreendidos com as
brincadeiras e o segredo provocado por não se saber quem se escondia por trás
das máscaras. Os mascarados aproveitavam o momento para mudar a entonação da
voz e aplicar investidas, fazendo declarações de paquera; também de forma
carnavalesca, entretinham-se ao assustar quem os assistia.
Durante este
período, outra marca do Bando foi o desfile de carros que acompanhava o
cortejo. Neste desfile, saíam carros ornamentados com diversos tema: Um dos
desfiles mais marcantes aconteceu na década de 1930, quando um dos carros a
navegar nas ruas foi um em formato de barco, composto por uma grande tripulação
trajadade marinheiro. Atrás dele
saíram outros carros bem enfeitados, chamados de Sonho Azul, Estrelinhas do
Amor e Bonecas em Folia, ocupados por pessoas vestidas de roupas em tons de
amarelo e preto. No final do cortejo, havia um automóvel ricamente adornado que
levava sobre si ciganos; e outro que levava senhorinhas vestidas de boémias. “A
comissão participava da festa, montando habilidosos corcéis e vestindo à
jockey, corpetes e casquetes de cetim, metade preta e j I calções encarnados do mesmo
tecido”. Nesse período, saía um grupo de jovens malandrins, além do cordão
carnavalesco chamado as Melindrosas, cujas participantes estavam vestidas à
moda das ciganas. Foi comum nessas décadas a saída de cordões carnavalescos
como Paiz do Sonho, o Girassol, Lyra dos Inocentes e Filhos do Sol, tanto na
Festa do Bando quanto em outros momentos das homenagens a Sant’Ana.
Frequentando
as celebrações, os cordões carnavalescos davam ainda mais um tom burlesco à
festa. O Bando parecia se transformar num anúncio também do carnaval que
acontecia na cidade em fevereiro. A presença de elementos carnavalescos nas
festas de largo em homenagem a Sant'Ana foi frequente durante todo o século XX.
Esta forma de se organizar se aproximava dos carnavais, compostos de
fantasias e de carros alegóricos. Os grupos carnavalescos traziam para o
cortejo muita alegria e divertimento, complementado pelas guerras de confetes e
lança-perfume. A diversão era embalada pelos ritmos das marchinhas e dos sambas
cantados por esses grupos. Muitas das marchinhas expressadas nas encenações dos
cordões, foram criadas pelos próprios grupos carnavalescos locais que saíam às
ruas no mês de fevereiro para comemorar o carnaval, que depois mudou de período
e se tornou a famosa micareta. Os temas das marchinhas eram diversos, assim
como eram diversificados e plurais os temas das fantasias vestidas pelos
participantes do cortejo.
O
estilo musical do Bando, assim como seus sentidos para a comunidade feirense,
parece ter mudado ao longo dos anos. As músicas, da década de 1960 em diante,
parecem ter ultrapassado os limites das críticas de fina estampa e começaram a
ganhar tons mais escrachados e escancarados. Apesar de no Bando também serem tocadas marchinhas clássicas, sambas-canções e outras. Muitas
músicas pareciam ser paródias de canções e antigas marchinhas. Algumas vezes,
usavam-se a batida e o ritmo destas músicas, tendo, entretanto, suas letras
ressignificadas, recebendo uma coloração de ambiguidade.
Os tons de duplo sentido faziam parte de um processo de
apropriação e recriação por parte da comunidade, que a todo tempo consumia os
novos produtos musicais da indústria cultural. Porém, este consumo era feito de
uma forma bastante particular, ganhando, às vezes, outros sentidos e
significados. As letras das músicas eram e praticadas, em várias ocasiões, de
maneira diferente da original, podendo, durante o período da festa, serem
disseminadas e divulgadas muito rapidamente. Algumas destas músicas saíam dos
limites das ruas e iam parar dentro das casas e noutros encontros festivos.
Na sociedade, havia também pessoas que as rejeitavam pelo seu tom
e conteúdo, considerado muito mais do que relativo a meras brincadeiras
musicais. Além das músicas, alguns membros da sociedade, no segundo quinquénio
do século XX, consideravam as práticas do Bando Anunciador uma ofensa aos “bons
princípios e costumes”. A festa do Bando, dos anos de 1960 em diante, parecia
revelar outra face da sociedade feirense, escondida em seus guetos. Porém, ao
mesmo tempo, manifestava o distanciamento e o não reconhecimento de setores
sociais de Feira e de suas práticas culturais apresentadas no Bando Anunciador.
A cultura encenada e exposta pelo Bando no palco público e nas ruas da cidade,
em especial durante as décadas de 1970 e 1980, foi intensamente rejeitada por
uma camada da sociedade feirense, como pode ser percebido através da falta de
informação ou até mesmo da ausência de notícias da saída do Bando nos jornais
da época. Esta escassez de informações não aconteceu com as outras etapas das
homenagens. A musicalidade e a estruturação do Bando passaram por um processo
de transformação e mudança; isso se evidencia fortemente nos anos setenta e
oitenta, quando o cortejo era puxado por charangas e bandinhas.
No movimento rítmico, os participantes do Bando levavam para as
ruas da cidade o balançar de seus
corpos. De alguma forma, o Bando, assim como a Lavagem, a Levada da Lenha e o
pregão, durante sua passagem pelas ruas, informava didaticamente uma imagem e
representação de como se poderia ser na sociedade feirense, brindando todo o
movimento corporal ao canto saído das vozes dos participantes, que, juntos,
cantavam num só ritmo ecoante, a tomar as ruas e se espalhar pelos ouvidos dos
presentes, independentemente de gostarem ou de censurarem as letras das
músicas. Ao que parece, as letras das músicas e posturas dos participantes
foram o grande motivo do enfraquecimento do Bando Anunciador nos anos 70 e 80.
Neste período, as mudanças profundas que marcaram o Bando, ocasionaram a
diminuição de sua participação durante algumas ocasiões das homenagens à
Padroeira. Concretamente, com base em algumas fontes, vimos que o Bando não
esteve presente nas homenagens a Orago, nos anos de 1976,1977, 1980,1983 e
1984. Acredita-se, pela ausência de notícias nesse contexto, que ele também não
saiu às ruas nos anos de 1974,1975 e 1987. A razão da lacuna do Bando durante
estes anos, pode estar ligada ao desinteresse do poder público em tornar possível
sua realização. A falta dele nas celebrações já expressava uma fragmentação do
próprio evento, bem como do significado deste no processo festivo. Seu total
esfacelamento se dá em 1987, quando as festas de largo à Padroeira foram
extintas.
Rennan Pinto de Oliveira
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