Evandro J.S. Oliveira |
Quando
descobrir o sacripanta, energúmeno, f. da p., que anda me dedurando, tocarei
fogo nos seus cabelos de baixo para ficar estalando, mesmo que graveto no fogo
em pasto no verão. Martiniano estava realmente fulo de raiva, era sua
característica quando começava com xingamentos excêntricos e terminava com palavras de baixo calão. Pessoa muito austera, severa, disciplinador fora da
“25 de março”. Nesta filarmônica saia da sisudez e se transformava num ser
fidalgo, de excelente humor, um humor teatral – foi ator no grupo de teatro
amador do Monte Pio Feirense – não contava piadas, representava casos que dizia
verídicos, porém se alguém os repetisse não tinha graça, só Martiniano
contando, digo representando, era hilário. Filarmônica 25 de Março,
anteriormente o clube social da elite feirense, apogeu das Filarmônicas. Aqui
havia três, a dita, a Euterpe e a Vitória. Na época desse destemperamento de
Martiniano, já não existia praticamente a parte musical, quando muito, se
reuniam todos os músicos e com ajuda da banda militar, para tocar numa
comemoração de algum antigo sócio. Mas o quente era o carteado, frequentado
pelos maiores comerciantes, políticos e profissionais liberais que passavam
tardes/noites jogando, como divertimento.
Contudo
voltemos ao motivo: destempero de Martiniano, achava ele que alguém estava
quebrando um dogma da 25, contando suas andanças à esposa. O clube não tinha
telefone, propositalmente, para que não incomodasse aos jogadores, nem existia
celulares, portanto entre outros benefícios servia como álibi quando alguém
fazia uma farra e perdia o horário para chegar em casa. “O JOGO ME PEGOU E NÃO
VI A HORA PASSAR”, esta era a desculpa que sempre pegava, porque a maioria das
vezes era verdade.
Semi
– como ele chamava carinhosamente a esposa - está sabendo quando é desculpa ou
quando é verdade, dizia Martiniano a João Caneiro. Ele não acreditava que se
fizesse brincadeira tão pesada, se bem que Bubu colocou um retrato, daqueles
que as meninas de circo vestidas de roupas sumárias vendiam aos espectadores,
com dedicatória e cheio de perfume no carro de Antônio Santos, deu um rebu
danado, a felicidade foi que alguém viu e avisou a Antônio, mas o carro teve
que ser lavado 3 vezes, pois alem disso jogaram perfume barato dentro do
veículo. Antônio era de fazer o mesmo com os outros, não Martiniano, que dizia
não ser desta estirpe, ninguém ousaria, João Carneiro ponderou se não era
impressão dele, pois como contou, D.Semi nunca disse nada, mudava apenas de
atitude. “Ora Seu João, eu a conheço demais para saber, que quando está
zangada, passa a me chamar de Martiniano e não de Tino como de costume, fecha a
cara e fala monossilabicamente o essencial, e o pior seu João é que dura uma
semana inteira”.
Depois de matutar e dentro
da sua avaliação repassou a centena de amigos frequentadores, e não conseguiu
achar nenhuma indicação, mesmo assim inquiriu aos dois maiores “moleques” Bubu
e Brito, mas estes negaram peremptoriamente. O jeito foi acusar Saul, que além
de tocar prato na Filarmônica era o gerente do jogo, e que entre outras funções
tinha a de levar a culpa, de qualquer coisa estranha, que não tivesse
explicação. Ameaçou de todas as formas, mas nada adiantou, se recolheu um
pouco, deixou passar um tempo, mas quando uma farrinha pegava, olha D. Semi
sabendo, trocava o tratamento de Tino por MARTINIANO.
Chegou até a virar abstêmio, para não contrariar
Semi, pois gostava demais dela para passarem uma semana inteira rusgados. Mas,
uma noite o jogo o pegou e ele chegou tarde, já estava quase dormindo quando
viu D. Semi levantar-se silenciosamente pegar seus sapatos e verificar as
solas. Pronto estava elucidado o enigma. A Filarmônica 25 de Março é um prédio
antigo e o 1º andar, local do jogo, é assoalhado e encerado com cera vermelha, a
famosa Parquetina, que deixava o solado do sapato de quem pisasse vermelho.
Daí
em diante Martiniano toda vez que intencionava uma farrinha primeiro ia 25 e
arrastava os pés no piso do 1º andar e ficava despreocupado, NÃO SERIA MAIS
ALCAGUETADO PELO PRÉDIO.
Este texto foi publicado no jornal "Noite & Dia".
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