Hugo Navarro Silva |
Ponderáveis setores da imprensa local, lamentando o alarmante
crescimento do número de mortes ocorridas no trânsito desta cidade nos últimos
dias, atribuem o fato ao completo afrouxamento da aplicação da chamada “lei
seca”, que parece ter desaparecido do vasto e inextricável
campo da legislação pátria, cujas emaranhadas complicações parecem existir
somente para confirmar velha afirmação, tantas vezes repetida, de que lei é
como teia de aranha: apanha insetos pequenos mas deixa passar todo tipo de
bicho maior.
Dizia Machado de Assis que “leis não são dores, que se fazem
lembrar doendo; leis não doem. Algumas só doem quando se aplicam; mas não
aplicadas, elas e nós gozamos perfeita saúde”. A “lei seca” doeu a ponto de
provocar manifestações de inconformismo e preocupação de órgão de classe dos
comerciantes dos ramos de restaurante e bares, prejudicados pela constante
presença da polícia, nos fins de semana, em pontos estratégicos, para dar
flagrante do uso indevido de álcool a motoristas desprecavidos, prejudicando os
negócios, que em certas regiões da cidade chegaram a enfrentar decréscimo de
mais de cinquenta por cento. Sendo a
“lei seca” brasileira e sul-americana, não poderia fugir às regras gerais que
comandam a aplicação de tais regras de conduta no mundo da praticidade. Começou
a correr na cidade a notícia de tabela de preços para o livre trânsito de
motoristas bêbados e o presidente da Venezuela, Maduro, acaba de determinar que
o “Pai Nosso”, oração ensinada pelo próprio Jesus Cristo a seus discípulos,
seja mudada,substituída a invocação ao Pai Nosso, por apelo a Hugo Chaves.
A lei, como manifestação do poder, no decorrer dos tempos
tem servido para quase tudo. Garantia do
direito de liberdade, como queria Cícero, serve para prender e para soltar. É
modo de facilitar a corrupção, como afirmava Tácito em seus “Anais” e fonte de
maldade no entender de Lope da Veja. Justifica ditaduras e atos de força desde
o começo dos tempos. Sob o pálio da
“Dura Lex, sed est lex”, criação do Digesto, vem servindo a regimes de força, a
governantes idiotas e inoperantes, alguns completamente alucinados, e à
incontida insanidade legislativa que ataca este país a ponto de desmoralizar
qualquer lei desde o nascedouro.
Entende-se, aqui, de fazer leis, isto é, normas de conduta social impostas a
todos, como quem faz bolhas de sabão: não é preciso pesquisar, nem refletir,
nem medir consequências e muito menos esperar resultados. Basta o nome na mídia
e a possibilidade de angariar alguns votinhos vadios, possivelmente baratos.
A “lei seca” fracassou porque lhe falta equilíbrio para a correta
aplicação. Pune demais sem estabelecer regras, um processo legal para as
punições muitas delas deixadas à ação discricionária e nem sempre equilibrada
de agentes da autoridade sem criterioso e equilibrado exame dos fatos. O tiro
de misericórdia lhe foi dado com a fantasiosa competência do município sobre os
problemas do trânsito urbano com o que atiraram sobre os magros limites orçamentários dos municípios despesas com pessoal e equipamento que não têm condições de realizar na grande maioria
dos casos.
Não há, portanto, mistério na falência da “lei seca”. De
mistérios, entretanto, o povo gosta, como está acontecendo na campanha
eleitoral para a presidência. Dizem que não haveria filmes de terror se
Hollywood não tivesse descoberto o papel do desconhecido, do misterioso na
escuridão das cenas destinadas a provocar pavor pela atuação de seres anormais
ou monstruosos, cuja conduta ninguém pode prever com segurança.
Hugo Navarro da Silva -
Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado,
jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente,
a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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