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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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terça-feira, 4 de outubro de 2016

O PREFEITO AGUINALDO

Hugo Navarro Silva
Santanopolitano
O ano de 1948 começou cheio de novidades e expectativas para o povo de Feira de Santana. Graves irregularidades haviam sido apontadas nas eleições de 21 de dezembro do ano anterior, em que se verificaram quase todos os vícios da chamada República Velha. Basta dizer que o então Delegado de Polícia, o Tenente/PM Durval Carneiro, que não era eleitor de Feira de Santana, havia votado em prefeito, conforme documentação encaminhada à Justiça Eleitoral, laborada em alguns dias de duros trabalhos, que vararam madrugadas, no escritório do advogado e deputado estadual Humberto Alencar, pelo esforço demais de trinta abnegados, que conferiram e compararam todas as listas eleitorais do Município e descobriram que vários defuntos votaram, que um mesmo eleitor votou nove vezes e várias outras
ilegalidades semelhantes, todas capazes de anular a votação porque atingiram praticamente todas as urnas. Um Juiz Eleitoral era acusado de fornecer a membros do PSD centenas de títulos eleitorais em branco para ser preenchidos e usados como o Partido quisesse.
Foi interposto recurso para o SAI, que o acolheu e suspendeu liminarmente a diplomação de prefeito e vereadores até julgamento do mérito. O caso, inédito no regime da Constituição de 1946, surgida após deposição de Getúlio Vargas, em cujo regime, o Estado Novo, de 1937 a 1945, falar em eleição poderia resultar em cadeia, causava extrema curiosidade no seio do povo, para o qual tudo era novidade. O candidato impugnado era Aguinaldo Soares Boaventura, apoiado pelo seu partido, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e pelo PSD (Partido Social Democrático), grei conservadora que tirava grande parte de sua força da zona rural do Município. Aguinaldo, santamarense, autodidata, trabalhador e honesto, inteligente e inovador, disputou a eleição contra Carlos Rubinos Bahia, prócer da UDN (União Democrática Nacional), liderança inconteste de nosso povo por suas qualidades de chefe politico, honradez e caráter. Carlos Bahia era filho de Benardino Bahia, que foi Intendente deste Município e em cujo governo teve início a construção do Paço Municipal.
Aguinaldo começou a vida torrando café, que moia em pilão para vender de porta em porta. Prosperou. Montou, na Rua Mal. Deodoro, o “Café Aromático”, moagem de milho e café, usando máquinas na época novidades nesta praça e fundou o PTB local com a ajuda de Trajano Pires e outros amigos. Aguinaldo, ele mesmo dizia, gostava de exercícios físicos, banhos gelados, mal raiava o dia e refeições frugais. Seus pratos favoritos eram pernas de rã e coalhada. Contava-se, em Salvador, que Aguinaldo, já prefeito de Feira, foi convidado para jantar, em palácio, com o governador Otávio Mangabeira. À mesa afastou a comida e pediu coalhada. Não havia coalhada no palácio. Um inferno! Carros foram despachados, às pressas, para procurar coalhada no comércio. A coalhada foi encontrada na “Leiteria Búlgara”, em São Pedro. Servida em delicada tigela, Aguinaldo a teria recusado, e pediu prato fundo.
O “Café Aromático” transformou-se em ponto de reunião de políticos e intelectuais, para ouvir as novidades, ler os jornais de Salvador, que aqui chegavam no fim da tarde pela marinete, bater papo e trocar ideias. O Aguinaldo, que morava na Av. do Senhor dos Passos, em casa que desapareceu com o alargamento do começo da rodagem Feira-Salvador, presidia as reuniões. A casa dava o fundo para o Estádio Irmãos Andrade, depois Estádio da Vitória, atual Praça Jackson do Amaury O antigo estádio levou o famoso Heleno de Freitas, quando aqui jogou pelo Botafogo do Rio de Janeiro, a se lamentar ter saído do Rio para jogar em fundo de quintal de Feira de Santana. Aguinaldo granjeou fama de intelectual, que se expressava em várias línguas, perito em engenharia mecânica e nos segredos da indústria e do comércio. Adquiriu aura de sábio, que a política, sempre demolidora, desfez. Pelo menos biblioteca de muitos volumes sobre assuntos variados, segundo se afirmava, Aguinaldo mantinha em casa, o que era assunto de comentários, às vezes maldosos, em terra de pouca leitura como é a nossa.
No governo Aguinaldo sentiu o peso da politicagem. Certo de que elegera o prefeito, o PSD quis tomar as rédeas do Município, com o que Aguinaldo não concordou. A luta situou-se, de forma explícita, na Câmara Municipal onde o Partido, que tinha o presidente da República e o controle do país, mantinha aguerrida e esclarecida bancada, que passou a hostilizar o prefeito de forma insuportável.
Aguinaldo não era tolo. Lançada a sua candidatura, combinou com umas cinquenta pessoas para comparecer ao “Café Aromático”, transformado em comitê eleitoral, sempre que pudessem. Em consequência o movimento no “Café” aumentou consideravelmente dando a impressão de que o eleitorado de Aguinaldo crescia sempre. O apoio do PSD, Aguinaldo conquistou com um golpe de mestre. Com a proximidade da eleição convidou um dos mais importantes chefes da UDN para conversa, que ocorreu em automóvel, ostensivamente rodando pelas principais ruas da cidade. No dia seguinte o PSD, apavorado, apoiou a sua candidatura.
A luta com o partido que o elegeu abalou profundamente Aguinaldo. Desiludido por não poder realizar tudo o que imaginou pelo Município, deixou sem terminar obras importantes, que começou, com a do nivelamento dos passeios da Rua da Aurora, muitos com diferenças de mais de meio metro, e a mudança do calçamento da Rua Gal. Pedra. A situação de stress levou-o a perder o controle, algumas vezes, como aconteceu no episódio do bedel da Escola Normal, Irineu, a quem Aguinaldo havia prometido, para o filho, lugar na Guarda Municipal. Insistentemente procurado, Aguinaldo gritou para Irineu matar o primeiro guarda que encontrasse, porque somente assim seria aberta vaga na corporação.
Criou-se imenso abismo entre o prefeito e o PSD, cujo chefe, tendo assumido cadeira na Câmara Federal, da qual era suplente, falando ao “Diário Trabalhista”, vespertino do então Distrito Federal, o Rio de Janeiro, referiu-se ao prefeito de Feira como sujeito endiabrado, difamador, pouco inteligente e desastrado, que andava a destruir a obra dos seus antecessores.
Dali por diante o relacionamento do prefeito como PSD azedou completamente com agressões, tentativas de agressão e exibição de armas de fogo na Câmara, gerando ambiente de insegurança insuportável, que levou o governo do Estado a designar delegado especial para tentar assegurar a tranquilidade em Feira de Santana. Começaram a circular pasquins, papeis anônimos com ofensas à honra e à dignidade do prefeito, hábito da época, que resultou em graves acontecimentos.
As pressões exercidas contra o prefeito, com graves repercussões no seio da sociedade, tomaram-se insuportáveis. O PSD, poderoso “dono” do país, queria o mandato de Aguinaldo que já havia procurado apoio na UDN e PR. Apoiou publicamente a candidatura de Juracy Magalhães para governador, e a de Carlos Bahia para a prefeitura, tornando definitivo o seu rompimento como PSD.
Lá um dia esgotou-se a sua paciência e ele mandou construir tabique no pavimento superior da Prefeitura, que isolou do mundo a Câmara Municipal. Houve falatórios, acordos foram tentados, mas Aguinaldo permaneceu inflexível. Houve tentativa de invasão do prédio para a derrubada do tabique por vere
adores, polícia e pessoas do povo, que Aguinaldo pôs em debandada quando ameaçou os manifestantes à porta da Prefeitura, que dá para a Av. Getúlio Vargas, com suposta metralhadora (era um velho cavaquinho embrulhado em jornal) nas mãos do guarda Missuiso, cachoeirano, que gozava da fama de pistoleiro, e alguém gritou: “corram, esse homem é doido!” Vereadores e outras pessoas que procuraram o governador Mangabeira pedindo providências contra Aguinaldo, narraram que o governador, ao saber do isolamento da Câmara, lamentou não poder fazer o mesmo com a Assembleia Legislativa.

Aguinaldo Boaventura teve forte participação na vida feirense. É mais um dos votados ao esquecimento, como tantos outros que exerceram papel de importância em nossa História.
Transcrito da revista "História e Estórias dos Séculos XIX e XX (Escritas a cinquenta mãos).
Edição Especial do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - 2015 pag. 97,98 e 99
  

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