Dos vinte e quatro
profissionais que passaram pelo Santanópolis, no período, identifiquei a
formação de 18 deles, dentre estes, quatro mulheres – aproximadamente 22%. Não
foi surpresa a ausência de professor licenciado por qualquer faculdade;
primeiro porque a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, da faculdade da
Bahia, só inicia seus trabalhos em 1939 e, até 1941, não havia tempo hábil para
a formação de profissionais; segundo porque dificilmente teríamos profissionais
de outras partes do país, quer seja pela distância e dificuldade de
deslocamento, quer seja porque havia carência de professores com essa formação
em todo o território nacional.
No que se refere à formação, é
possível observar o predomínio dos doutores no quadro de professores. Estes são 10
dos 22 encontrados, sendo quatro médicos, dois advogados, três dentistas e um
engenheiro. Todos esses profissionais possuíam registro na divisão e ensino
secundário. Dois deles, o Doutor Gastão Clóvis Souza Guimarães, que também era
médico da escola – realizando o exame físico dos alunos e alunas – e o Doutor
Renato Santos Silva, eram professores da Escola Normal de Feira de Santana no
período. Essa realidade do Santanópolis era a realidade das escolas de ensino
não elementar no período, principalmente
porque as faculdades destinadas à formação de professores para o ensino
secundário era uma política recente. Além desse aspecto, como observa Gatti, [...] fazendo uma pequena digressão histórica sobre a
formação de professores no Brasil, lembramos que a formação de docentes para o
ensino das ―primeiras letras em cursos específicos foi proposto no final do
século XIX com a criação das Escolas Normais. Estas correspondiam à época ao
nível secundário e, posteriormente, ao ensino médio, a partir de meados do
século XX. (GATTI, 2010, p.1356). Sendo
os primeiros profissionais com formação específica para o exercício do
magistério, e havendo em Feira de Santana, desde 1926, a Escola Normal Rural de
Feira de Santana, além de outras escolas na capital e no interior, era de se
esperar a presença destes no quadro de professores da instituição; eram quatro
os professores com formação por escolas Normais. Da Escola Normal Rural de
Feira de Santana, encontram-se a professora Hermengarda de Oliveira, irmã do
Dr. Áureo Filho, e o professor Antonio de Oliveira Mattos. Outra Normalista,
professora Edelvira de Oliveira – a professora Catuca – também irmã do Dr
Àureo, diplomou-se pelo Educandário Sagrado Coração de Jesus, da capital do
Estado, e o professor Antonio Augusto da Garcia, adjetivado ora de lente, ora
de catedrático pelo Jornal Folha Norte do qual era redator, obteve sua
formação na Escola Normal de Homens, na capital do Estado.
Os dois tenentes do exército que fizeram
parte do quadro docente foram o senhor Abdon Diocleciano de Souza, no período
de 1934 a 1936, que cursou a academia militar e fez o Curso de humanidades no
Gymnasio da Bahia, e o senhor José Joaquim Saback sobre quem não foram
encontradas maiores informações. Decerto que um professor em especial deve ter
impactado a escola e porque não dizer, até a cidade. O Santanópolis possuía um
professor estrangeiro, o americano George Malcoln Cadogan, funcionário da
Empresa Guinle & Cia, que construiu a barragem de Bananeiras na região de
Cachoeira, vinha de trem duas vezes na semana para dar aulas. Não foram
encontradas muitas informações sobre esse professor no que se refere à sua
formação. Entretanto, o fato de ser americano com um curso técnico em sua
formação, considerando o contexto, o professor Cadogan parecia apresentar
requisitos suficientes para lecionar a língua inglesa na instituição.
Embora Joselito Amorim
também fosse tenente do Exército, essa denominação não aparecia nos documentos
da escola nem nas matérias dos jornais; por esta razão, optei por destacar a
sua formação como ex-aluno da instituição.
O
que as fontes nos apresentam como realidade na implantação do Santanópolis em
Feira de Santana é uma situação que deve ter se estendido por todo o país e,
prevista pela Lei que, embora anunciasse uma formação ideal, abria
possibilidade para outras entradas no magistério secundário. Nesse caso
específico, é possível observar a predominância dos doutores, seguidos pelas
normalistas e pelos normalistas, além da utilização de profissional formado
pelo próprio estabelecimento, como é o caso de Joselito Amorim. No período
seguinte, eles serão maioria no quadro docente do estabelecimento. Não havendo
profissionais de nível superior com formação específica para o magistério, o
caminho trilhado pelo estabelecimento a fim de atender às normas estabelecidas
pela Reforma Francisco Campos foi buscar o registro Junto ao órgão responsável;
para tanto, além das provas de identidade, idoneidade moral e idade, os
candidatos ao exercício do magistério secundário poderiam ser aprovados em
instituto oficial de ensino secundário e superior no Brasil ou no exterior
desde que a disciplina para a qual o registro estava sendo solicitado estivesse
de acordo com a formação. Era legal também requerer o registro com base em
títulos e diplomas científicos possuídos pelo requerente, além da produção
científica publicada na área. Outra possibilidade, era a prova de exercício regular
no magistério por pelo menos dois anos. Não bastasse toda essa flexibilização,
o parágrafo único do artigo 69 da Reforma, referindo-se às condições
determinadas na letra ―d, que se refere à aprovação em Instituto de ensino
secundário ou instituição de nível superior na área da disciplina de interesse
do requerente, admite que [...] O
documento a que se refere este artigo na letra (d) poderá ser substituido por
qualquer título idôneo, a juizo de uma comissão nomeada pelo ministro da
Educação e Saude Pública e constituida por 3 professores do magistério
secundário oficial e 2 do equiparado. (BRASIL, 1931).
Diante dessas condições, os
professores do Santanópolis conseguiam seus registros por serem possuidores do
título de doutor (médicos, advogados, engenheiros), por terem formação em
instituto de ensino secundário e por possuírem experiência no magistério.
Alguns deles tiveram essas experiências registradas em seu currículo, como foi
o caso do Padre Amílcar Marques de Oliveira, que foi professor de História
Universal do Seminário Santa Thereza, em Salvador; do Tenente Abdon que,
segundo as fontes, possuía exercício contínuo no magistério; o professor
Antônio Garcia, que apresentou vasta experiência no magistério como ex-lente,
substituto de História do Brasil, Direito Pátrio e Legislação do Ensino do
Instituto Normal do Estado, hoje, Escola Normal da Bahia, Ex-professor do Collégio
Spencer, do Collégio Americano Egydio, além de outros estabelecimentos de
ensino da Capital. Foi também professor particular de Língua Nacional,
Geografia e História. (FOLHA DO NORTE, de 03/02/1934 nº 1281, p.1). A
professora Edelvira de Oliveira agrega a seu currículo ao fato de ser
professora primária, concursada, da Escola João Florêncio em Feira de Santana.
O professor Antônio Mattos informa seu exercício no Magistério. À professora
Izabel Alexandrina, é referido seu exercício contínuo no magistério público em
várias escolas oficializadas do Estado. A professora Maria da Cruz Cunha, de
quem não se apresenta nenhuma experiência no magistério, traz como título a
autoria do Compendio de Música para uso das Escolas Primárias Brasileiras,
premiado com medalha de ouro na exposição de 1908. O professor Claudio Luiz
Santiago, que consta como pastor protestante se credenciava por ter exercido o
magistério no Estado da Parahyba. O professor Renato Santos Silva é apresentado
como Professor da Escola Normal Rural de Feira de Santana. Essas informações
nos apresentam dados interessantes sobre o que foi considerado para a
habilitação desses professores perante a Lei. Com exceção do doutor Renato
Silva, nenhum dos outros doutores apresentaram a experiência no magistério.
Vale lembrar que o título científico já lhe dava condições acadêmicas para
adquirir o registro na Divisão de Ensino Secundário. Sabemos porque é de
domínio público que o Dr. Gastão Guimarães foi professor da Escola Normal de
Feira de Santana, a qual desde 1962 tem o nome de Instituto de Educação Gastão
Guimarães (IEGG) no mesmo período. Dos Normalistas, foram ressaltadas sua
experiência no magistério e, da professora de música, a produção na área.
Considerei essa uma amostra significativa para concluir que, para constituir
corpo docente da instituição, foram utilizadas várias possibilidades garantindo
profissionais residentes em Feira e até em cidades próximas. Pude concluir,
também, que o perfil do professor para o colégio Santanópolis, seguindo a
cultura da política educacional brasileira de fazer de improviso, seguiu a
tradição nacional, considerando que Até
as primeiras décadas do século XX, os professores do ensino secundário no
Brasil eram autodidatas como profissionais da educação. A formação em curso
superior e a especialização para lecionar uma única disciplina foi um processo
longo, que ganhou força com a reforma Francisco Campos em 1931, ao instituir no
Decreto n. 19.890 a necessidade de formação docente para este nível de ensino e
o registro dos professores secundários no Departamento Nacional do Ensino. A
criação de um curso para a formação de professores secundários na Universidade
de São Paulo foi sucedida pela implantação de novos cursos com a mesma
finalidade nas universidades brasileiras que se organizavam. (SANTOS, 2013,
p.3-4). 223
Não
faltaram vozes nas primeiras décadas do Século XX criticando a forma de recrutamento
de professores para o ensino secundário; uma dessas foi a de Carlos Werneck,
professor catedrático de História Natural da Escola Normal do Distrito Federal,
que expressou:
[...] Não raro são medico, engenheiros,
advogados, que dão ao ensino as horas de lazer, o tempo vago. Que se pede a um
professor de historia natural, de hygiene ou de mathematicas? Que seja medico
ou engenheiro basta a maioria dos directores de collegio. Que se requer de um
professor de francez ou inglez? Que saiba falar e ler essas línguas. Que as
saibam ensinar pouco importa. E elles próprios as ensinam cada qual como lhes
deu na cabeça, sem norma, sem methodo. [...] Para crear o magistério de
carreira torna-se imprecindivel a criação de uma Escola Normal Superior que
faça professores. (WERNECK 1929 p, 121 apud, SANTOS, 2013.p.7-8). Da Bahia, de acordo com Santos, o diretor do Colégio
Ipiranga, Isaías Alves acentuou a
necessidade de criação de uma instituição para a formação dos professores do
ensino secundário, no seu entender fundamental para que as reformas se
traduzissem em efetivas mudanças, e que evitaria que profissionais sem vocação
e preparo para o magistério lecionassem nas escolas, tornando os alunos vítimas
de seus erros. (SANTOS, 2013, p.7-8). Sem
curso específico para a formação para o ensino secundário podemos imaginar que
esses professores faziam o curso secundário do Santanópolis enquanto se faziam
professores do ensino secundário. Mesmo os oriundos das escolas normais, que
tinham uma maior intimidade com os saberes voltados à docência, tinham um saber
específico para lidar com um tipo de escola muito diferente com suas
especificidades, ainda que essa experiência fosse um elemento importante na
construção desse tipo docência. Acredito que os professores do Santanópolis, em
sua maioria, tornaram-se professores secundaristas com a própria escola.
Fizeram-na escola de ensino secundário de referência no interior da Bahia
enquanto se faziam professores no processo de escolarização e esta repousa basicamente sobre interações cotidianas entre
os professores e os alunos. Sem essas interações a escola é nada mais que uma
imensa concha vazia. Mas essas interações não acontecem de qualquer forma: ao
contrário, elas formam raízes e se estruturam no processo do trabalho escolar
e, principalmente do trabalho dos professores sobre e com os alunos. (TARDIFF,
2005, p.53).
Dessa forma,
os professores dos primeiros anos, formando-se professores, formaram os quadros
que paulatinamente vão ocupando a docência no Santanópolis. O primeiro deles,
ainda na década de 1940.
FORMAÇÃO
|
QUANTIDADE
|
PERCENTUAL
|
Médico
|
4
|
16,5
|
Advogado
|
2
|
8,4
|
Dentista
|
3
|
12,5
|
Engenheiro
|
1
|
4,2
|
Normalista
|
4
|
16,6
|
Secundarista
|
1
|
4,2
|
Musicista
|
1
|
4,2
|
Não
identificado Musicista
|
5
|
20,8
|
Tenente
do Exército
|
2
|
8,4
|
Técnico
em Barragens hidrelétricas
|
1
|
4,2
|
TOTAL
|
24
|
100
|
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