Doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professora Adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). E-mail: ludmilaholanda@yahoo.com
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Educação rural: contexto, história e construção de lugar
As relações de poder e produção do rural foram construídas sob a lógica de uma sociedade excludente, discriminatória, injusta que teve sua saga iniciada junto ao desequilibrado processo de divisão de terras do Brasil Colônia (PRADO JÚNIOR, 1979; MARTINS, 1985; OLIVEIRA, 2001).
É este rural, iniciado na sociedade agrária exportadora, que abriga as nuances de relações antagônicas entre o "dono" da terra e o que "habita" na terra, os que possuem a terra, e os que pertencem à terra. Nesse rural, as políticas educacionais delongaram-se, e pouco conseguiram alcançar de suas demandas e necessidades ao longo da história brasileira (CAVALCANTE, 2007).
A educação rura,l instituída no início do século XX, tem sua história, atrelada ao mundo da produção capitalista dos contextos urbanos. Tais "políticas", quando chegaram em doses residuais, traziam em sua essência socioeducacional o que restava de propostas do mundo dos escolarizados das cidades, em versões de projetos, campanhas e palavras de ordem que vinham com suas multifacetadas intenções demarcadas pelo desejo de conter a população rural nos seus lugares de origem, ainda que sem condições dignas de neles sobreviverem.
Entre efêmeras e casuais intervenções socioeducacionais para os adultos e adaptações equivocadas de escola urbana para as crianças, sutilmente delineava-se mediante a incompetência do estado, um perfil de estudante "possível" no rural: inadequado ao mundo urbano, despreparado para os potenciais do local.
Pode-se afirmar que a falta de uma política, foi a política educacional do rural em sua cor mais viva ao longo da história da educação brasileira. O século vinte trouxe a urbanização, a industrialização, o desejo de crescer e ao mesmo tempo a quase incontrolável e já conhecida, vontade de "guardar" para poucos os possíveis louros que o "desenvolvimento" poderia trazer. Para o rural, pouco restava senão fugir do determinismo da vida sem rumo, ou ficar para fixar-se nos rumos que este bicho moderno do "desenvolvimento urbano", delegava ao seu "quintal".
A escola rural representava o local onde se pretendia dizer que se estuda. De fato, pouco de escola poderíamos encontrar nos contextos dilapidados espalhados pelo interior do Brasil; escolas sem qualquer condição de abrigar suas crianças para o mínimo de ambiente qualitativo de aprendizagem. Aprende-se por conviver com o outro (esta riqueza que a relação com o outro nos proporciona), mas não por haver no contexto institucional, o primordial e necessário aparato que as escolas exigem para que o "ambiente educativo" (onde o saber elaborado ganha cenário para instalar-se como propriedade e função social da escola) esteja disponível aos seus educandos e educadores.
A quem interessava o sucesso, ou pelo menos o bom funcionamento das escolas no rural? Esta pergunta possibilita avaliar o que está por trás da história "das lacunas". O sujeito que se educa é o sujeito que conhece sua história de direitos e deveres sociais, é o sujeito que se pronuncia como um sujeito de direitos (TELLES, 1999). Na lógica do capital, da hegemonia entre os grupos, o sujeito de direitos não precisaria estar-se formando em qualquer canto do país de tamanho continental. O rural, sua história de equívocos sociais, ambientais, políticos e culturais precisaria ser contido. Basta, na lógica urbanocêntrica e consumista, ser o quintal que produz, que exporta, ou que alimenta o urbano e sua sede de possuir, ter e ser a referência de cultura e conhecimento socialmente reconhecido. O rural abriga a todos em sua quase "benevolente" abundância natural, a cidade o contempla de longe, tanto no olhar distante, como na construção simbólica de distantes mundos e privilégios.
Nos meados do século vinte, sopram-se os ventos da Educação Popular (EP) em contraposição ao que se institui como política educacional para todos. Da EP emerge o desejo da transformação da educação e questionamentos sobre a escola para a classe trabalhadora, esta instituição que não contempla seus sujeitos e ambientes, ou que os faz querer fugir do que possuem como sujeitos de mundos próprios, produtos e produtores da história da sociedade como um todo. A Educação Popular passa a enxergar estes sujeitos num processo encantador de criadores e criatura onde "educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem [...] (FREIRE, 1983, p. 25).
A educação popular de resistência, nos anos 60, nasce da labuta dos que percebem o potencial de transformação da educação. Dos educadores populares que questionavam o potencial pedagógico politizador da escola formalmente instituída e acreditavam que frequentá-la não garantia a qualidade de formação dos sujeitos desprivilegiados da sociedade capitalista brasileira.
Frequentar a escola e não se ver representado por esta escola, era o dilema de muitos. Não ter sequer acesso a esta escola, o dilema de tantos outros. A EP alcançava os jovens, os adultos, os filhos de muitos desses, no rural e no urbano. A educação popular, em seu viés por vezes assistencialista, militante ou evangelizador (PAIVA, 2003), trocava em miúdos os desencantos da sociedade que os explorava e que os queria guardados como população sob controle e vigília, avançando apenas quando necessário fosse, para a ordem do capital e poder.
É possível afirmar, que entre o mundo dos "mais" e "menos" privilegiados socialmente, reinava ainda os matizes discriminatórios de cor, de credo, de gênero, de escolarização [...] tudo isto em dose ampliada, quando no hiato territorial que sai do urbano e chega ao rural.
Mas é no final dos anos 50 e começo dos anos 60 que um rural combativo estaria por mostrar sua força e repercussão para além dos seus territórios invisíveis a olhos nus e quase indiferentes da sociedade brasileira (WANDERLEY, 1984; PAIVA, 2003; PALUDO, 2001)4. No cenário da educação popular dita "transformadora", os contextos de prática pedagógica nos quintais comunitários provavelmente ao redor da escola, traziam um novo referencial de educação para o povo do rural. A educação popular, entre a fé cristã de vida e de luta, inegavelmente trouxe para o contexto de mobilização social nos rurais do país, o potencial da educação de militância, inconformidade e rebeldia política.
Muitos movimentos populares dos anos 60 e 70 (PALUDO; 2001), sob o fogo cruzado da ditadura militar, conseguiram de forma admiravelmente brava, respirar e manter o fôlego da luta. Chegaram vivos e reconfigurados, quase letargicamente aos anos 80 (GOHN, 2002), e então com a Constituição de 88, após os deslumbramentos e acirradas batalhas políticas nas relações de poder readequadas ao momento de redemocratização, surgiu enfim a possibilidade indelével de se buscar a alma do sujeito de direitos, o "sujeito falante" (TELLES; 1999).
A Constituição de 88, entre processo (que a antecede) e produto, traz uma linha divisória para a discussão dos direitos sociais no Brasil. Simbolicamente falando, é a partir dela que um novo patamar de condição social, ou a percepção da sua necessidade, pôde instalar-se no universo das políticas públicas (FRIGOTTO, 2002). Para a educação no rural não foi diferente (FERNANDES, 2001).
Este processo democrático, pós ditadura militar no Brasil, tem muitas facetas: entre elas a participação dos movimentos sociais. Os movimentos populares das décadas anteriores trouxeram para a configuração teórica e de mundo, a nova faceta de Movimentos Sociais (GOHN, 2002; LEHER, 2001; SHERER-WARREN, 1996). Os movimentos populares em busca da terra no rural, da escola ou da creche no urbano, se articularam como plataformas mais consubstanciadas: terra com escola, trabalho com creche, ambiente com trabalho [...] qualidade de vida. Para alguns, os movimentos sociais (e o tardio debate acadêmico correndo atrás de sua dinâmica de vida e luta) nos 80 e 90 reivindicam um novo projeto de sociedade (TORAINE; 1998; SHERER- WARREN, 1998), embebidos da possibilidade dos direitos que a Carta Magna permitia anunciar.
Na gangorra política entre sociedade e estado (CAVALCANTE, 2007), os Movimentos Sociais do Campo ganharam protagonismo. Certos de que o rural, este lugar que representava a escravidão dos sujeitos ao capital do senhor, não os representava, queriam o campo, este lugar que pode ser o "rural em movimento", quando os sujeitos falantes se pronunciam em busca de um mundo melhor e possível ao longo das duas últimas décadas.
Nesta lógica, a escola rural subiu ao trono dos réus: que escola é esta que se encontra no campo? Porque não podiam ter a escola do campo no campo?
Na dinâmica do que temos e o que queremos, os sujeitos do rural em movimento construíram (não solitariamente) o percurso da Educação do Campo que se pronunciava de forma irrefutável e quase surpreendente no Brasil dos anos 90 e 2000, como veremos a seguir.
Educação do campo: contextos, histórias e percepção de ambientes
O Movimento de Articulação por uma Educação do Campo, surgiu nos meados dos anos 90 (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004), quando os movimentos sociais do campo, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), junto a entidades de organizações sociais como Organização das Nações Unidas pra Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Universidade de Brasília (UnB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), resolveram colocar na mesa de negociações com o estado, as demandas e prioridades educacionais do rural brasileiro.
Em decorrência desse processo, iniciou-se, como avanço para o diálogo entre estado e sociedade civil, o reconhecimento da necessidade de reconstrução do projeto político pedagógico para o campo brasileiro, carregado de idiossincrasias e diversidades na sua realidade plural, mas aparentemente unificado pelo mesmo princípio de equidade e justiça socioambiental em suas reivindicações e plataformas políticas5.
Segundo Caldart (2002, p. 15), a ideia da Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo surgiu, durante o I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I ENERA) que, descentralizando as discussões nos estados e locais, colocavam na pauta das reflexões e práticas pedagógicas no rural, uma nova perspectiva de pensar a Educação do Campo.
Toda vez que houve alguma sinalização de política educacional ou de projeto pedagógico específico isto foi feito para o meio rural e muito poucas vezes com os sujeitos do campo. Além, de não reconhecer o povo do campo como sujeito da política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeita-lo a um tipo de educação domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos (CALDART, 2002, p. 28).O desenrolar da Conferência consolida o Movimento de Articulação Por uma Educação do Campo, que colabora na construção do Seminário Nacional de Educação do Campo, em Brasília, em 2002.
Representantes do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Movimentos Indígenas, Conselho Indigenista Missionário, Comunidades Quilombolas, Pastoral da Juventude Rural, Comissão Pastoral da Terra, Escolas-Famílias Agrícolas, Movimento de Organização Comunitária entre outras entidades e representações, seguraram o debate em torno do amadurecimento das discussões frente à constatação das nuances discriminatórias de gênero, credo, etnia que saltam aos olhos, quando na histórica ausência do estado no ambiente não urbano.
A pauta por Uma educação do Campo nasce de forma ampliada, revendo a concepção de sociedade e desenvolvimento, que põe no patamar das reflexões político- -pedagógicas a construção e história do país. Tamanha amplitude ao debate confere ao Seminário Nacional um caráter de vanguarda no debate da Educação do Campo, e culmina com o produto de encaminhamento político: as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, Parecer do CNE/CEB nº36 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001). Em 2003, é criado o Grupo Permanente de Trabalho para tratar da questão da educação do campo (BRASIL, 2003), "cuja missão é reunir os movimentos sociais e as instâncias oficiais com o objetivo de discutir e definir as políticas que efetivamente atendam às necessidades educacionais e sejam um instrumento para o desenvolvimento sustentável do Brasil do campo" (INEP, 2003).
Com a Conferência de 2004, também em Luziânia, DF, em outra configuração de gestão governamental com notável entusiasmo popular, colocava-se na ordem do dia os processos de implantação das Diretrizes como política pública educacional para o campo brasileiro.
Em 2004, debates acirrados demonstraram a necessidade premente de pontuar o significado do termo "campo" como representativo de uma diversidade que se afina nos princípios políticos e éticos da sociedade, grupos e estilos de vida não urbanos do Brasil.
Inquestionavelmente, a participação das representações políticas de movimentos e entidades de reconhecida importância no cenário da educação e organização popular, foram impulsionadoras da legitimação das discussões da Conferência e da abrangência política que tais reflexões traziam para o debate educacional, de caráter surpreendentemente ousado.
Mas nos encaminhamentos da segunda Conferência, a tradução de tais reflexões e debates, estruturais e conjunturais, de remarcada força política para o universo da sala de aula, ainda parecia um cenário pouco claro para muitos que poderiam pensar no retorno aos seus cantos rurais. Entre lideranças, acadêmicos, militantes e entusiasmados, talvez restassem algumas confusas apreensões do papel da Conferência como um patamar de conquistas e (necessária) afirmação de políticas públicas e menos do significado destas no dia a dia de suas salas de aula.
Passados estes momentos de reconfiguração do desejo pela Educação do Campo, do grito e expressão de luta pelo direito de alcançá-la, resta, no decorrer destes últimos anos, avaliar em que sentido tais embates, avanços e repercussões educacionais e organizacionais alcançam o universo do rural que não presenciou este marco histórico dos movimentos sociais do campo. Ainda é preciso matutar com cuidado, como, no amanhecer de tantos outros dias, estas reflexões e construções político-pedagógicas, socioambientalmente tão importantes, alcançam o rural, o urbano (o entre lugar entre o urbano e rural), o lugar da escola fora da cidade, no meio da vida dos outros "campos" provavelmente nem sempre tão engajados.
A quem deve interessar a discussão da Educação do Campo?
É importante salientar que a discussão da Educação do Campo não deveria repousar no terreno das especificidades sem conjuntura e história que parecem contaminar as análises educacionais reduzindo-as em debates que concernem a poucos interessados. A necessidade de ampliação do debate se justifica na inegável relação campo/cidade que, na sua dinâmica de supremacia urbana, ofusca as fronteiras que delimitam as noções de exploração e superioridade sob a égide da proximidade e homogeneização cultural em tempos de tecnologias e expectativas globalizantes, as quais colocam-nos em constantes estados de perplexidade e falsos deslumbramentos (SANTOS, 2007) .
Existe sim, um mundo para além das cidades, sobrevivendo sob um ritmo diferenciado e único, ainda que respirando as lógicas urbanas que se entrecruzam nos cotidianos nem sempre longínquos.
A discussão da educação do campo precisa mesmo ultrapassar o perfil pedagógico da sala de aula, e situar esta vivência educacional no território da história do rural. Tal contexto pouco conhecido, que nos ensina via seus sujeitos em luta, como reivindicar seus direitos secularmente negados e violentados, pela quase sem consequência "ausência do estado".
A Educação do campo, longe de trazer como pauta o romantismo do ruralismo pedagógico dos anos 20 (NAGLE, 2001), coloca na mesa de negociações, o campo que se quer ter, a partir de condições de vida que se organiza no dia a dia das pessoas e suas formas de lidar com o ambiente, o trabalho no/do campo e ou a (possibilidade) de renda dele advinda. Esta luta precisa ser reconhecida pela escola como ponto de pauta e conteúdo escolar. È da história da exploração agrária que a educação do campo pode situar seus educandos e educadores. Na compreensão da sua diversidade socioambiental e organizacional, entre o "campo" dos ribeirinhos, sertanejos, indígenas, caiçaras, quilombolas, ou simples moradores do rural sem rótulos, muitas vezes situados nas zonas fronteiriças e tênues entre um rural e um urbano não tão longínquo, mas ainda assim quase inacessível em serviços e privilégios.
É na perspectiva de mudança destas relações de poder no rural que a educação pode colaborar com a construção de lugares menos inóspitos (na sua condição de vida "cidadã") e mais apropriados aos sujeitos e mundos.
A compreensão da educação rural que se transforma (em tese), na educação do campo, é inevitavelmente o resultado de um olhar politicamente referendado, que, na busca pelos direitos sociais, debruça-se na análise da trilogia educação, sociedade e desenvolvimento.
Inseridos ou não no rural do Brasil, as pessoas são cúmplices desta construção, correndo o risco de atuar, fortalecendo e reforçando os estereótipos, as imagens e simbologias que convenientemente transitam entre o mundo da gente e o mundo do outro, quando o ambiente é relacional, e faz sentido quando visto pelo olhar que se entrecruza. Os educadores estão diante de uma responsabilidade socioambiental: a de fazer valer a educação de qualidade para todos, nos cantos óbvios e campos não tão óbvios que se configuram no território do Brasil.
Conclusão
Desafios para implementação da Educação do Campo, um dever de casa a ser cumprido
Frente a todo este debate que se instala, é perceptível o quanto os movimentos sociais já alcançaram na sua busca por uma educação do/no campo que seja referendada. Muitos desses sujeitos são aqueles que não alcançaram a escola que hoje reivindicam para seus filhos.
Como contraponto, encontra-se uma outra lógica de manutenção de uma educação hegemônica e indiferente ao universo de lutas dos últimos vinte anos. Na Bahia, a contradição entre as escolas rurais espalhadas pelo estado e as escolas previstas nas Diretrizes Operacionais do Campo, é visível.
É necessário portanto que as lógicas societárias (TOURAINE, 1999) façam a sua parte colaborativa como, por exemplo, o Estado (em suas micro e macro instâncias de poder e gestão) e a academia, (dentro do seu tripé de reconhecida relevância e dilema social - o ensino, a pesquisa e a extensão).
Ainda neste texto, é pertinente provocar o leitor para a discussão dessa dinâmica acadêmica e suas formas de silenciamento sutis. Pode-se afirmar que a pesquisa acadêmica educacional ainda não trouxe para "o campo" a sua contribuição social, de forma significativa e relevante (DASMACENO; BESERRA, 2004).
Muito já foi feito nos últimos anos em torno do tema da educação do campo x educação rural, mas não necessariamente o suficiente para compensar o que de lá já foi extraído em suas veias, rios, cantos, desencantos e mundos longínquos ou não. A academia bebe do rural seus desassossegos há algum tempo, mas, proporcionalmente pouco retorna para que este rural saia do seu patamar de objeto de estudo entre o lamento e a excentricidade. O tema educação no rural é periférico, ainda que, a partir dos anos 80, a dinâmica de autonomia e inconformidade dos seus sujeitos, tenham tocado de forma singular o distanciamento acadêmico em torno de suas realidades (DASMACENO; BESERRA, 2004).
Assim como na pesquisa, o ensino (a formação docente na academia), também tem dificuldades de alcançar o rural. Cursos e especializações vão e vêm e pouco se sabe do mundo para além das cidades e suas zonas de conforto (precárias ou não). A formação docente se debruça sobre a pobreza; sobre a dilapidação da escola pública; sobre o universo violento da sociedade atual; sobre os dilemas psicopedagógicos e possíveis dramas familiares; sobre relações interpessoais no universo escolar; sobre o mundo midiático e seu potencial pedagógico qualitativo ou não. Mas a formação docente muitas vezes "esquece" de transitar entre os territórios para além do urbano, onde problemas semelhantes avançam, outros muitos mais tristes se consolidam. Os problemas no cenário não urbano (sim, existem estudantes e professores fora das cidades!) não são percebidos a olhos nus e ocupados, que apenas parecem tensos até a fronteira das suas zonas metropolitanas e depauperadas, talvez povoadas, dos habitantes do rural. Talvez, ao menos enquanto "imigrantes", tais jovens, crianças e adultos possam ter o olhar piedoso ou cético da grande maioria de professores, licenciandos e pesquisadores a postos.
Como tiro de misericórdia, a universidade resolve se render homeopaticamente, colaborando com o Estado, preenchendo editais específicos que, numa agenda compensatória, busca via a extensão universitaria, alcançar os contextos rurais em agendas pontuais e efêmeras.
Enquanto isto, as dificuldades nos contextos idiossincráticos dos rurais nordestinos (baianos especificamente), ainda são fraturas expostas: escolas ainda mal estruturadas, absortas em sua distância física e cultural. Aponta-se neste cenário, um mundo rural não totalmente formado por sujeitos de movimentos sociais (combativos, dispostos a provocar tensionamentos e enfrentamentos político-pedagógicos), onde as políticas públicas anunciam timidamente seus "avanços" permitidos, ainda que não efetivem suas ações, nem impulsione a capacidade de reinventar, nos locais, uma educação rural que se transforme em campo. E, sendo assim, ainda que exista a política de direitos, a cultura de direitos (TELLES, 1999) parece letárgica no que concerne a realidade educacional na abrangência e diversidade dos rurais baianos: exemplos de poder local, este não se apropria das discussões dos movimentos sociais que chegaram a Brasília, universidades que ainda engatinham na pertinência do debate educacional, formações docentes que recebem os reflexos desta indiferença ideológica. O rural desavisado corre então o risco de permanecer na história das lacunas.
A população do rural precisa saber da existência dos direitos de uma educação que colabore com a formação de seus sujeitos falantes, o diálogo dos poderes municipal, estadual e federal precisa ser alcançado, efetivado, qualificado e produtivo. A divisão de responsabilidades e recursos não deveria causar estranhamentos entre os poderes públicos. A sociedade civil precisa reconhecer a luta do campo como uma luta social sem fronteiras.
O embate é contínuo, aqui e ali ainda é possivel enxergar avanços e possibilidades, pois, por onde chega a luta, pode chegar a transformação da escola, rumo a uma plataforma socioambientalmente emancipatória. Se a escola rural adormecida não vê as chances, resta refletir nas possibilidades de colaborar com as provocações ao seu entorno. É possível afirmar, no entanto, que entre a luta e a labuta, o campo não é o mesmo rural de outrora e tem ensinado bastante.
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