ENVIADO POR: NESTE CASO TEM UM CAMINHO LONGO, GILMÁRIO, ARTISTA PLÁSTICO, SANTANOPOLITANO, PRESENTEOU A JOSÉ CARLOS PEDREIRA (ZÉ COIÓ), OUTRO SANTANOPOLITANO, SEU LIVRO QUE CONTINHA TEXTO DE MATILDE MATOS, CONCEITUADA CRÍTICA DE ARTE, TAMBÉM SANTANOPOLITANA. GOSTANDO DO TEXTO, PUBLICOU NO SEU "JORNAL NOITE E DIA" NA EDIÇÃO DE 08/10/2010, O ESCRITO ABAIXO
QUANDO - 1937/1943.
QUANDO - 1937/1943.
N. R. de (Zé Coió): O texto que se segue é de uma beleza e leveza que nos leva ao passado e nos faz refletir como os homens falam tanto e realizam tão pouco em prol de uma das maiores necessidades do jovem brasileiro, a Educação.
Nós do Blog Santanópolis, concordamos.
Áureo de Oliveira Filho
Por Matilde Matos: crítica de arte
A minha lembrança do Professor Áureo de Oliveira Filho é afetiva. Ela traz de volta memórias que amealhei dos 10 aos 15 anos, quando tudo era uma nova descoberta e a vida corria mansa. Como inúmeras pessoas que viviam no interior, minha irmã Ernestina e eu fomos favorecidas pelo seu Ginásio Santanópolis, onde tivemos o privilégio de estudar quando a ligação de Feria com Salvador se fazia por uma estrada de barro sinuosa e esburacada, num trajeto que consumia mais da metade do dia.
Vivíamos na Senhor dos Passos, longe do convívio da família, mas andávamos todas as manhãs para o Ginásio com a animação de quem ia a uma festa. Centro de tudo que desfrutávamos com o entusiasmo dos jovens – as aulas, os novos amigos, o esporte, o grêmio, as paradas, as tertúlias e as festas – o Santanópolis era para nós o melhor colégio do novo mundo que se revelava pela erudição dos mestres Gastão Guimarães e Honorato Bonfim, a objetividade e Ilhaneza de Renato Silva, o refinamento de Dival Pitombo, a doçura do Prof. Garcia, a informalidade espontânea do Prof. Brito, o discurso fluente e exato do Dr. Áureo e a eficiência e presença constante da Profª. Edelvira, sempre disposta a resolver qualquer problema.
Também atento a tudo que pudesse interessar os jovens o Prof. Joselito Amorim nos incentivava nos esportes, nos desfiles de Sete de Setembro, nas reuniões do grêmio e nas apresentações artísticas, mas era o discurso inflamado do Prof. Umberto Alencar, pregando nos comícios para o Brasil entrar em guerra que “mocidade sem rebeldia é velhice precoce”, que nos levava ao delírio.
Estudamos no Santanópolis de 37 a 41 quando dominavam os colégios de padre, para os meninos e de freira, para as meninas. O ginásio de Aurinho – como carinhosamente nós alunos o chamávamos na sua ausência – era misto, um avanço para a época que só trazia benefícios. Que graça teríamos encontrado nas disputas ferrenhas de basquete, sem os irmão Villaça, Muritiba, Salomão e tantos outros craques a defender o nosso time, contra a perícia infalível de Barretão do Instituto Normal, rival maior e quase imbatível? A convivência saudável com os jovens rapazes, muito nos favoreceu na vida.
Foram tantas as presenças que deixaram marca nas nossas lembranças, mais que as outras a comunicação fácil e alegria de viver das meninas de D. Vivina, Marinete e Dedé, companheiras de todas as horas. Antonieta, Marinita, Lindaura, Jacira, Edelzuita, Tereza Góis e seus irmãos, Salomão, Papinho, Almeida, Bubu, Washington, Costa Neto, Beto e Juca, e tantas outras faces cujos nomes não lembro mais.
Lembro dos sapotizeiros que faziam sombra aos canteiros de gérberas e violetas e do cheiro do café que vinha do gabinete do secretário da prefeitura, Oscar Erudilho, ao lado da Biblioteca, vizinha do Santanópolis. No final das tardes, quando o cheiro do café se espalhava no ar, as aulas chegavam ao fim e saíamos em grupo, atraídos pelos livros, pelo cafezinho e a afabilidade do Seu Oscar, com quem aprendemos a apreciar do magistral mulato do Morro do Livramento Machado de Assis, aos estrangeiros Voltaire, Rilke, Dostoiewski, Tolstoy, Flaubert, Thomas Mann e tantos mais que Seu Oscar nos apresentou, despertando o nosso gosto pela literatura.
As segundas, dia da feira do gado e da maior feira livre do nosso estado, atento para a importância da cultura, Aurinho suspendia as aulas do último horário da manhã e a estudantada partia para o mercado. Claro que apreciávamos do artesanato às iguarias locais, com atenção especial à carne de sol, requeijão e rapadura. Mas havia também uma espécie de retreta bem no meio do mercado, como aqui na Rua Chile: os rapazes enfileirados ao longo de uma larga passagem obrigatória e as moças aos grupos. Era a chance que os adolescentes tinham de encontrar outros fora do Santanópolis. Bebida e dança, nem pensar, mas se flertava bastante.
Aqueles anos que antecederam a segunda guerra foram os últimos românticos de um mundo que nunca mais seria o mesmo. De Hollywood vinham os sonhos, o glamour e o romance que os grandes astros e estrelas encarnavam. Os sons eram os das grandes orquestras americanas que embalavam o mundo e no Brasil porfiavam com o samba exaltação, samba canção e o fox dolente na voz de Orlando Silva ou Silvio Caldas. Ainda era possível se encarar a vida de óculos cor de rosa. A partir dos anos 50 o ritmo do mundo acelerou-se, mudaram os usos e costumes e deram fim à tranqüilidade.
O que despertava a admiração e respeito da adolescente de então pelo Dr. Áureo era a sua visão esclarecida, sua modernidade e o seu entusiasmo. Entendia que o ensino não se limita às salas de aula e dava a maior importância ao esporte, as artes e ao grêmio onde os alunos escreviam, falavam, recitavam, promoviam tertúlias com números de canto e dança, e montavam peças. Até hoje lembro frases retumbantes da Ceia dos Cardeais: “Se não desfiei o sol lá nas alturas, foi para não deixar Salamanca às escuras”.
Sempre afável, bem humorado, elegante, vaidoso e apaixonado por tudo que fazia, se o Prof. Áureo de Oliveira Filho tivesse se radicado na capital, meio século depois, o nosso ensino com certeza estaria mais avançado, como avançada foi a semente que plantou em Feira de Santana.
Matilde Matos
Crítica de Arte da ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte e da AICA – Associação Internacional de Críticos de Arte
Por Matilde Matos: crítica de arte
A minha lembrança do Professor Áureo de Oliveira Filho é afetiva. Ela traz de volta memórias que amealhei dos 10 aos 15 anos, quando tudo era uma nova descoberta e a vida corria mansa. Como inúmeras pessoas que viviam no interior, minha irmã Ernestina e eu fomos favorecidas pelo seu Ginásio Santanópolis, onde tivemos o privilégio de estudar quando a ligação de Feria com Salvador se fazia por uma estrada de barro sinuosa e esburacada, num trajeto que consumia mais da metade do dia.
Vivíamos na Senhor dos Passos, longe do convívio da família, mas andávamos todas as manhãs para o Ginásio com a animação de quem ia a uma festa. Centro de tudo que desfrutávamos com o entusiasmo dos jovens – as aulas, os novos amigos, o esporte, o grêmio, as paradas, as tertúlias e as festas – o Santanópolis era para nós o melhor colégio do novo mundo que se revelava pela erudição dos mestres Gastão Guimarães e Honorato Bonfim, a objetividade e Ilhaneza de Renato Silva, o refinamento de Dival Pitombo, a doçura do Prof. Garcia, a informalidade espontânea do Prof. Brito, o discurso fluente e exato do Dr. Áureo e a eficiência e presença constante da Profª. Edelvira, sempre disposta a resolver qualquer problema.
Também atento a tudo que pudesse interessar os jovens o Prof. Joselito Amorim nos incentivava nos esportes, nos desfiles de Sete de Setembro, nas reuniões do grêmio e nas apresentações artísticas, mas era o discurso inflamado do Prof. Umberto Alencar, pregando nos comícios para o Brasil entrar em guerra que “mocidade sem rebeldia é velhice precoce”, que nos levava ao delírio.
Estudamos no Santanópolis de 37 a 41 quando dominavam os colégios de padre, para os meninos e de freira, para as meninas. O ginásio de Aurinho – como carinhosamente nós alunos o chamávamos na sua ausência – era misto, um avanço para a época que só trazia benefícios. Que graça teríamos encontrado nas disputas ferrenhas de basquete, sem os irmão Villaça, Muritiba, Salomão e tantos outros craques a defender o nosso time, contra a perícia infalível de Barretão do Instituto Normal, rival maior e quase imbatível? A convivência saudável com os jovens rapazes, muito nos favoreceu na vida.
Foram tantas as presenças que deixaram marca nas nossas lembranças, mais que as outras a comunicação fácil e alegria de viver das meninas de D. Vivina, Marinete e Dedé, companheiras de todas as horas. Antonieta, Marinita, Lindaura, Jacira, Edelzuita, Tereza Góis e seus irmãos, Salomão, Papinho, Almeida, Bubu, Washington, Costa Neto, Beto e Juca, e tantas outras faces cujos nomes não lembro mais.
Lembro dos sapotizeiros que faziam sombra aos canteiros de gérberas e violetas e do cheiro do café que vinha do gabinete do secretário da prefeitura, Oscar Erudilho, ao lado da Biblioteca, vizinha do Santanópolis. No final das tardes, quando o cheiro do café se espalhava no ar, as aulas chegavam ao fim e saíamos em grupo, atraídos pelos livros, pelo cafezinho e a afabilidade do Seu Oscar, com quem aprendemos a apreciar do magistral mulato do Morro do Livramento Machado de Assis, aos estrangeiros Voltaire, Rilke, Dostoiewski, Tolstoy, Flaubert, Thomas Mann e tantos mais que Seu Oscar nos apresentou, despertando o nosso gosto pela literatura.
As segundas, dia da feira do gado e da maior feira livre do nosso estado, atento para a importância da cultura, Aurinho suspendia as aulas do último horário da manhã e a estudantada partia para o mercado. Claro que apreciávamos do artesanato às iguarias locais, com atenção especial à carne de sol, requeijão e rapadura. Mas havia também uma espécie de retreta bem no meio do mercado, como aqui na Rua Chile: os rapazes enfileirados ao longo de uma larga passagem obrigatória e as moças aos grupos. Era a chance que os adolescentes tinham de encontrar outros fora do Santanópolis. Bebida e dança, nem pensar, mas se flertava bastante.
Aqueles anos que antecederam a segunda guerra foram os últimos românticos de um mundo que nunca mais seria o mesmo. De Hollywood vinham os sonhos, o glamour e o romance que os grandes astros e estrelas encarnavam. Os sons eram os das grandes orquestras americanas que embalavam o mundo e no Brasil porfiavam com o samba exaltação, samba canção e o fox dolente na voz de Orlando Silva ou Silvio Caldas. Ainda era possível se encarar a vida de óculos cor de rosa. A partir dos anos 50 o ritmo do mundo acelerou-se, mudaram os usos e costumes e deram fim à tranqüilidade.
O que despertava a admiração e respeito da adolescente de então pelo Dr. Áureo era a sua visão esclarecida, sua modernidade e o seu entusiasmo. Entendia que o ensino não se limita às salas de aula e dava a maior importância ao esporte, as artes e ao grêmio onde os alunos escreviam, falavam, recitavam, promoviam tertúlias com números de canto e dança, e montavam peças. Até hoje lembro frases retumbantes da Ceia dos Cardeais: “Se não desfiei o sol lá nas alturas, foi para não deixar Salamanca às escuras”.
Sempre afável, bem humorado, elegante, vaidoso e apaixonado por tudo que fazia, se o Prof. Áureo de Oliveira Filho tivesse se radicado na capital, meio século depois, o nosso ensino com certeza estaria mais avançado, como avançada foi a semente que plantou em Feira de Santana.
Matilde Matos
Crítica de Arte da ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte e da AICA – Associação Internacional de Críticos de Arte
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